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    César Fonseca

    Repórter de política e economia, editor do site Independência Sul Americana

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    Lula divide a esquerda marxista: neoliberal ou desenvolvimentista?

    Trata-se de assunto que a mídia corporativa conservadora pró-mercado jamais topou fazer

    Lula (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

    O presidente Lula virou foco de atenção dos comunistas marxistas, Breno Altman, jornalista do Opera Mundi, e Jones Manoel, historiador, do Farol Brasil, canais de comunicação em rede, de esquerda, em debate, mediado pelo jornalista Mauro Lopes, sobre se o seu governo é ou não neoliberal.

    Trata-se de assunto que a mídia corporativa conservadora pró-mercado jamais topou fazer, porque foge dele como o diabo da cruz, mas que mobilizou milhares de pessoas, evidenciando os novos rumos da comunicação no país.

    Sinal dos tempos que promete ampliar as relações sociais  comprometidas com a revolução brasileira, oxigenando os ares políticos nacionais.

    Portanto, parabéns para a esquerda.

    Para Breno, ao contrário de Jones, o governo Lula não é neoliberal, porque sustenta uma pauta social a despeito de duro ajuste fiscal ao qual está submetido por pressão do mercado financeiro em aliança com Congresso dominado por direita e ultradireita fascista.

    Nesse contexto, as forças reacionárias majoritárias tocam semipresidencialismo inconstitucional de fato, para tentar anular o presidencialismo constitucional de direito, em processo de desgaste político, cujas consequências vão se desdobrar na luta política que desembocará na eleição presidencial de 2026, quando Lula deverá tentar a reeleição.

    Jones, corretamente, analisa, conjuntural e estruturalmente o contexto econômico e social, evidenciando a contradição do governo em fazer um discurso dissociado da prática, porque se subordina às determinações do mercado financeiro, da Faria Lima, enquanto Breno, igualmente, faz ressalvas importante quanto ao caráter neoliberal do governo, porém, diz, mediado por iniciativas paliativas que o atenuam, especialmente, em relação à política salarial, com variação positiva dos salários em comparação com a renda nacional.

    Ele cita – por ser, como diz, exigência do modo de ser marxista, atento, antes de tudo, aos fatos e não aos discursos – estatísticas oficiais para comprovar suas assertivas.

    No entanto, reconhece estar o governo prisioneiro das determinações macroeconômicas controladas pelo mercado que o impede de fazer o suficiente para virar o jogo a seu favor.

    Contrariamente, Jones argumenta que ele não faz o que Breno reclama, justamente, porque está essencialmente comprometido com um arcabouço fiscal neoliberal que o condiciona a uma posição excessivamente acanhada.

    Falta-lhe, argumenta, vontade política para confrontar o status quo estabelecido pela tirania financeira, atuando, subordinadamente, a ela, em doses excessivas, cujas consequências desembocarão, na sua avaliação, em desastre eleitoral.

    GARANTIR O PODER À ESQUERDA

    O campo político afetado pelo modelo neoliberal, que impõe predominância da direita e ultradireita fascista, leva Breno ao centro de suas preocupações, predominantemente políticas em relação ao quadro econômico: a esquerda está sem candidato alternativo a Lula, que carrega a responsabilidade de conduzir uma base política historicamente comprometida com as mudanças estruturais, políticas e econômicas, em meio a adversidades quase que incontornáveis.

    Por essa razão, se a esquerda forçar a mão, dividindo-se entre si, sobretudo, no plano econômico, contribui para a vitória da direita, quiçá da ultradireita.

    Eis porque Breno considera o governo em situação híbrida, mezo neoliberal, mezo desenvolvimentista, quanto às pautas sociais e econômicas do momento.

    Lula, cercado de incertezas, tanto internas, quanto externas, estas agravadas pela ascensão de Donald Trump, expressão da direita fascista, estrutura, nesses dois anos que faltam para final do seu mandato, estratégia arriscada:

    1 – Melhor distribuição da renda, taxando os ricos para favorecer os pobres, em combinação incerta com o Congresso, e;

    2 – como atender a principal reivindicação dos trabalhadores, relativa ao rompimento ou não da atual jornada de trabalho, na escala 6 x 1 – seis dias de trabalho, um de descanso –, para não entrar em confronto direto com uma burguesia reacionária, que domina o Congresso; aqui, Jones se mostra ultra-agressivo, na defesa da escala 4 x 3, enquanto Breno, simplesmente, ficou mudo.

    Jones, em argumentação vigorosa, destaca que Lula, no ítem essencial da jornada de trabalho, precisa pautar o assunto e partir para a mobilização popular, aproveitando a condição que lhe dá o regime presidencialista, garantindo-lhe acesso, no momento que desejar, às massas pelos meios de comunicação, para mobilizá-las.

    Os dois lados – Breno e Jones – apresentaram justificativas fortes para ancorar suas posições, mas não avançaram no principal, que é mostrar ao seu público, o fundamental: o caráter essencial do modelo neoliberal – interpretado à luz da dialética marxista em seus desdobramentos – para formar a consciência política da esquerda, na linha do materialismo histórico.

    Deixaram a desejar nesse aspecto principal, porque não foram às causas, mas às consequências, do modelo neoliberal que semiparalisa o governo em sua proposta desenvolvimentista sustentável, o que se espera dos marxistas.

    O FUNDO DA QUESTÃO

    O caráter essencial do governo para classificá-lo como neoliberal ou não é a sua fuga da realidade objetiva para viver no abstrato de uma irrealidade surreal.

    Para montar sua política monetária pelo CMN - composto por MF, Planejamento e BC - o governo decidiu operar com uma fantasia irrealista:  inflação de 3%.

    Contraria histórico de inflação média nos últimos 20 anos no intervalo de 5% a 7% ao ano.

    Busca-se o impossível, ao renunciar à lógica, justificando argumento dos especuladores à cata permanente de juros altos, exigindo cortes de gastos sociais que são renda disponível que dinamiza o capitalismo, para promover produção, consumo, emprego, renda, arrecadação e investimento, enfim, o silogismo capitalista.

    Se inverte essa lógica, semeia vento que o leva a colher tempestade, como está ocorrendo.

    O pano de fundo da política econômica brasileira é dado pelo tripé neoliberal concebido pelo Consenso de Washington, desde os anos 1980 - metas inflacionárias, câmbio flutuante e superávit primário.

    Assim, discutir se o Governo Lula é neoliberal ou não é uma tautologia, pois quem comanda a política econômica, na prática, não são as determinações internas, como se houvesse autonomia nacional sobre ela, mas as determinações externas, ditada pelo império americano sobre as quais não tem controle algum.

    Todos os governos brasileiros pós ditadura militar seguem o roteiro neoliberal imperialista, porque nenhum deles dispõe de autonomia, independência e soberania, no campo econômico, salvo em discursos sem substância real.

    As ordens vêm do império, do esquema montado pela divisão internacional do trabalho sob comando das agências americanas, FMI e Banco Mundial, no pós segunda guerra, em Bretton Woods em 1944.

    As variações ocorrem desde então para se adaptarem às mudanças produzidas pelas circunstâncias históricas, mas sempre ditadas pelo império, do centro para a periferia capitalista, jamais o contrário, da periferia para o centro.

    Por exemplo, no governo Nixon(1969-1974), os Estados Unidos descolaram o dólar do padrão ouro e deixaram a moeda flutuar, impondo a desregulamentação geral do capitalismo.

    Fez isso porque os europeus queriam sacar suas reservas em ouro depositadas nos Estados Unidos, depois da segunda guerra.

    Os americanos reagiram, ficando com o ouro para si, enquanto ancorararam sua moeda no petróleo em acordo com a Arábia Saudita, que durou 50 anos(1974 a 2024).

    De lá pra cá, o dólar está ancorado apenas no poder imperialista, que ocupa os cinco continentes com suas bases militares e na hegemonia da sua moeda.

    No final dos anos 1970, temerosos quanto  saúde do dólar descolado do ouro, ancorado, apenas, no petrodólar e nas armas, Washington puxou a taxa de juro de 5% para 21%, a fim de enxugar a liquidez internacional e o perigo de hiperinflação.

    O império, consequentemente, jogou toda a periferia capitalista, tomadora de dólares nos bancos americanos, em violenta  crise financeira.

    A ditadura brasileira despencou, porque tocava programa econômico desenvolvimentista com empréstimos em dólar a taxas de juros flutuantes.

    Buuummm!

    NASCE O CONSENSO DE WASHINGTON

    Desde então, os Estados Unidos criaram o Consenso de Washington para enquadrar os devedores em rígidas restrições fiscais e monetárias, num arcabouço neoliberal global.

    Cortes de gastos sociais, arrocho salarial, privatizações de empresas e bancos estatais sob modelo neoliberal comandado pelos bancos centrais obedientes às regras do BIS - Banco Central dos bancos centrais, na Basileia; na prática, todos orientados pelo Banco Central dos Estados Unidos, a cabeça financeira do império americano.

    Generalizou-se o tripé econômico imperialista(metas inflacionárias, câmbio flutuante, superávit primário), subordinado às leis de responsabilidades fiscais aprovadas nos parlamentos, sob iluminação do império.

    Quem não segue as regras, não têm acesso aos empréstimos internacionais e são punidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

    Não há, portanto, soberania econômica e política na periferia submetida ao tripé neoliberal.

    O presidente Lula enquadrou-se no esquema desde seu primeiro mandato (2003-2006).

    Mas, já no segundo mandato (2005-2009) aproveitou de situação financeira favorável para pagar a dívida externa aos bancos e ao FMI, de modo a dispor de liberdade e independência.

    Porém, não conseguiu escapulir do tripé neoliberal; continuou submetido ao esquema de restrição fiscal e monetária cujas consequências são taxas de juros elevadas, que inviabilizam crescimento econômico sustentado e expande, incontrolavelmente, a dívida interna sob juros especulativos ditados pelo mercado financeiro internacional ao qual está atrelado a Faria Lima.

    Desse modo, se o Brasil conseguiu se safar do endividamento externo, caiu nas garras do endividamento interno.

    A dívida interna se transformou, na prática, em dívida externa internalizada.

    Resultado: a crônica dependência continuou no cenário da financeirização econômica à qual o Brasil - e toda periferia capitalista dependente do império americano - está financeiramente escravizado.

    Desse modo, o caráter essencial do modelo neoliberal ao qual o Governo Lula está submetido é dado pelo tripé econômico que estabelece meta inflacionária irrealista, impossível de ser alcançada(no caso do terceiro mandato lulista, de 3% ao ano), de maneira a justificar demanda do mercado financeiro por juro alto em nome do combate à inflação.

    Trata-se de pura tirania financeira internacional que não deixa o governo governar, cercado que está por Congresso majoritário de direita e ultra direita fascista pró-Trump semipresidencialista dominado pela Faria Lima.

    O debate entre os comunistas Breno Altman e Jones Manoel sobre se o Governo Lula é ou não neoliberal passou ao largo de uma análise marxista dialética sobre a causa central do caráter essencial de sua vinculação orgânica ao neoliberalismo imposto pelo império americano agora conduzido pelo fascista Donald Trump.

    Ambos ficaram dando voltas em torno do eixo central que caracteriza o modelo neoliberal sem evidenciar sua causa enquanto desfilavam consequências com argumentos colaterais.

    Marx, se presente ao debate, ficaria insatisfeito.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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