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    Pedro Simonard

    Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

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    Lula não foi convidado para caminhar com Mandela

    Na quinta-feira 23 de julho o governador do Maranhão, Flávio Dino, filiado ao PCdoB, publicou um artigo no jornal O Globo intitulado Caminhar com Mandela, onde Dino argumenta que é fundamental defender a democracia dos arroubos autoritários de Jair Bolsonaro

    (Foto: Ricardo Stuckert)

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    Na quinta-feira 23 de julho o governador do Maranhão, Flávio Dino, filiado ao PCdoB, publicou um artigo no jornal O Globo intitulado Caminhar com Mandela, onde Dino argumenta que é fundamental defender a democracia dos arroubos autoritários de Jair Bolsonaro. Conclama, então, “lulistas, trabalhistas, socialistas, comunistas, verdes, social-democratas” a se unificarem para lutarem juntos porque todos têm “um grande papel” a desemprenhar.

    Em seu artigo, Flávio Dino aventa a real possibilidade de um segundo mandato para Jair Bolsonaro. Pesquisas recentes indicam que esta hipótese não é tão irreal como setores da esquerda gostariam de acreditar. Para Dino, um segundo mandato de Bolsonaro tenderia a “propiciar um sentimento de aprovação e induzir a ousadias ainda maiores por parte” de sua mente despótica. Creio que ele tem razão nesta análise. Referendado pela aprovação de um segundo mandato e aliado às e sustentado pelas alas mais toscas das forças armadas brasileiras, Bolsonaro poderia avançar em seu projeto ditatorial.

    Flávio Dino conclama o centro e a esquerda a se unirem porque a “democracia política, direitos dos trabalhadores e liberdade de expressão estão ameaçados por violências, ameaças e manipulações, como a promovida pelo ‘gabinete do ódio’”. Segundo ele, esta união só será possível se as forças políticas de oposição libertarem-se do passado. “É hora de olhar para o futuro”, incita o governador do Maranhão. Ele tem razão nesta questão. Dino recorre ao exemplo de Nelson Mandela que combateu o apartheid unindo centro e esquerda e ressalta ser importante alcançar o centro do espectro político e unificar a esquerda. Para alcançar este objetivo, afirma ser imprescindível realizar “modulações programáticas”.  Convoca os progressistas a olharem para o futuro e superarem suas disputas que “giram mais sobre fatos pretéritos do que sobre propostas para o futuro”. Também concordo com ele neste ponto, como já indiquei em colunas anteriores.

    No artigo de Flávio Dino falta clareza de proposta. Não sabemos se o que ele pretende é derrotar Bolonaro – para quê – ou defender a democracia. Em entrevista ao programa Boa Noite 247, dada na noite do dia em que sua coluna foi publicada n’O Globo, perguntado sobre a situação do processo de lawfare do qual o ex-presidente Lula foi vítima, Dino tergiversou. Afirmou que ele é a favor da anulação dos processos contra o ex-presidente, mas não deixou claro se é contra a Lava Jato. Prosseguiu dizendo que entre aqueles com quem quer construir alianças, existe quem não seja a favor da anulação desses processos e que esta questão seria um fator de discórdia que poderia impossibilitar a construção de um amplo arco de alianças e, por isto, este tema deveria ser excluído das tratativas aliancistas. Esta aliança proposta seria contra Bolsonaro, apenas, ou em defesa da democracia? Se for em defesa da democracia, lutar pela anulação da Lava Jato é um elemento que deve ser priorizado, sem o qual não é possível construir uma democracia forte no Brasil. Dino já foi juiz federal e sabe que uma das questões mais prementes em um processo de democratização do Brasil é rediscutir todo o sistema jurídico brasileiro. Além do mais, se Dino pretende arregimentar os “lulistas” tal como escreveu em seu artigo,  é preciso que ele coloque a discussão da Lava Jato como elemento fundamental para a consolidação da aliança guarda-chuva. 

    Buscar uma concertação com uma classe dominante que apoiou e patrocinou o lawfare responsável pela prisão de quem não tinha culpa formada, pela desindustrialização do Brasil, pelos ataques aos direitos dos trabalhadores, pelo desemprego, pelo aumento da fome e da pobreza, pela transformação do Brasil em uma neocolônia e alçou ao poder um projeto genocida sem estabelecer um patamar mínimo para o acordo é legitimar o projeto classista de submissão do Brasil ao imperialismo. 

    Fico curioso em saber se O Globo teria publicado o artigo se Dino tivesse tecido críticas à Lava Jato e a Sérgio Moro, bem como defendido a anulação dos processos contra o Lula e lideranças importantes do PT e defendido o Fora Bolsonaro.

    Guardadas as devidas proporções, o que Flávio Dino propõe é como se, ao final da Segunda Guerra Mundial, a direita alemã propusesse unificar e pacificar a Alemanha sem julgar e condenar todos os criminosos de guerra nazistas (nem todos foram julgados e a história já mostrou que os governos alemães pós-guerra utilizaram muitos criminosos nazistas em seus quadros para lutar pela “liberdade”, contra o comunismo, com o aval dos EUA e da Inglaterra).

    Dino publicou sua coluna no jornal O Globo, órgão da imprensa industrial que vem fazendo campanha para atrair a ala direita do PT e isolar importantes lideranças do partido como José Dirceu, Gleise Hoffmann e, sobretudo, Lula. Esta estratégia também busca construir uma certa aceitação do PT entre seus leitores conservadores, sob a condição do partido aceitar desligar ou isolar aqueles que as Organizações Globo consideram como sua banda podre, ou seja, suas lideranças mais representativas.

    O artigo em questão torna-se uma peça de propaganda nas mãos dessa classe dominante inescrupulosa que deu o golpe na democracia. Publicando Flávio Dino e outros atores políticos da oposição, O Globo recauchuta a própria imagem, posando de mídia democrática na qual a esquerda tem voz. Ao mesmo tempo, pauta a oposição a Bolsonaro e se reposiciona no tabuleiro político de maneira a, mais uma vez, mudar para manter tudo como está. Este artigo é mais uma peça movimentada pelas Organizações Globo no sentido de isolar a esquerda do PT e favorecer a continuidade da política econômica neoliberal que aumenta, sobremaneira, a exploração do trabalhador brasileiro e a concentração de renda em nosso país já tão desigual, condenando o Brasil a ocupar uma posição periférica na ordem capitalista mundial.

    Flávio Dino defende uma aliança bem ampla, mas se esqueceu de definir para que e em defesa do quê. Fala vagamente em defender a democracia dos arroubos autoritários de Bolsonaro. Para um comunista, realizar uma análise política personalizando a discussão na ação de um indivíduo, sem analisar os sujeitos históricos cujos interesses este indivíduo busca personificar e consolidar, é um erro metodológico. Não é crível que ele ache que tirando Bolsonaro o Brasil se redemocratizará como em um passe de mágica. Bolsonaro é responsável por implementar medidas e políticas públicas e econômicas que favoreçam os segmentos de classe cujos interesses ele representa. Tirar Bolsonaro e deixar Paulo Guedes é uma mudança pouco significativa.

    O PT e Lula nunca se negaram a fazer alianças, desde que pautadas por objetivos claros, desde que defensoras do Fora Bolsonaro e dos interesses dos trabalhadores e do povo brasileiro. Os governos de Lula e Dilma expuseram esta capacidade aliancista, às vezes até excessiva, que caracteriza o PT a partir dos anos 2000.

    Não rever todas ações da Lava Jato é aceitar o lawfare como prática jurídica consensual e legitimá-lo, é aceitar ingerências do Departamento de Estado dos EUA nos assuntos internos do Brasil, é permitir que nossa política econômica e nossa política externa sejam planejadas em Washington e implementadas e executadas pelos títeres que o governo dos EUA coloca em cargos políticos estratégicos do governo brasileiro. Democracia e lawfare são contradições nos termos e não é possível que as duas possam conviver em um mesmo regime político.

    Uma frente guarda-chuva ampla é necessária não apenas para derrubar Bolsonaro, como também para estabelecer um projeto de país popular, nacionalista e soberano. Para que isso possa ocorrer é fundamental convidar Lula e a esquerda do PT para caminhar junto com Mandela.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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