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    Sara Goes

    Sara Goes é âncora da TV247, comunicadora e nordestina antes de brasileira

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    Lula: união, reconstrução e fazer raiva a uma ruma de gente

    Como criticar Lula virou um bom negócio para setores da esquerda como estratégia de engajamento e sobrevivência

    Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Stuckert / PR)

    A esquerda brasileira, essa entidade que às vezes parece um espelho rachado, segue tropeçando em suas próprias pernas. E quando não tropeça, se sabota. Chamam de “apoio crítico”, mas, cá entre nós, parece mais um misto de medo, ressentimento e um fetiche quase compulsivo pela crítica moralista. Eu, inclusive, já abordei isso em outro texto que recomendo porque não sou nem besta.

    Atacam a frente ampla como se houvesse alternativa. Cospem na política econômica sem sugerir nada que não caiba em um panfleto de grêmio estudantil. Hostilizam ministros sem sequer articular uma crítica coerente, enquanto fazem vista grossa para o que foi deixado pelo desgoverno anterior. A pergunta segue no ar: medo, maldade ou fetiche? A resposta pouco importa. O efeito é sempre o mesmo: um teatro de cinismo onde a vaidade intelectual é a grande protagonista.

    Nos últimos anos, ser “mais à esquerda que Lula” virou um negócio lucrativo. Para alguns jornalistas, tornou-se estratégia editorial: bater em Lula para parecer mais radical, como se isso os isentasse de suas trajetórias na grande imprensa, sempre prontos para uma análise isenta de contato com a realidade. Agora, sentam-se na poltrona da pureza revolucionária e distribuem lições ao operário nordestino que ousa governar. Como se décadas de luta política fossem menos relevantes que curtidas e engajamento de bolha. Como se fosse uma afronta um retirante não precisar da validação deles para saber o que está fazendo.

    Tem também aqueles que preferem um Lula estático, imobilizado, mitológico. Um Lula preso, controlado, idealizado, sem margem para decisões concretas. O Lula real incomoda porque governa. O presidente de carne e osso precisa negociar, lidar com alianças, fazer política. Para alguns, isso é imperdoável. Preferiam o herói inatingível, um holograma de resistência sem qualquer risco de frustração. Querem um Lula que não se relacione com ninguém que seja mais profundo do que um pires. Que se limite a um círculo estéril de teóricos e analistas que jamais sujaram os pés no barro da política real. Um Lula isolado, sem margem para alianças, porque alianças exigem escolhas – e escolhas, para eles, são sempre traição.

    Outros, especialistas em vender expertise eleitoral, agora surgem como marxistas de ocasião. Passaram anos orbitando campanhas petistas, faturando contratos em governos progressistas, e agora posam de guardiões da revolução. Criticam o pragmatismo, mas sempre souberam capitalizar em cima dele. O selo de militância virou capital simbólico, uma forma conveniente de reescrever o próprio passado.

    E há, claro, os papagaios da grande mídia. Repetem a cartilha da GloboNews com um vocabulário mais inflamado, um verniz militante que disfarça a obviedade de suas análises. Posam de críticos ferozes, mas nunca dizem nada que fira o consenso das redações. A rebeldia programada de quem quer parecer independente, mas só anda dentro da cerca.

    No fundo, todos compartilham o mesmo projeto: deslegitimar Lula para se colocarem como seus intérpretes. Como se ele precisasse de tradução. Lula governa. Eles falam. E é justamente essa diferença que os atormenta.

    A relação de certos jornalistas e intelectuais com Lula sempre foi marcada por um desconforto enrustido. Admiração contida, respeito condicionado. Gostam de Lula quando ele é um símbolo. Quando se torna um ator político de verdade, com poder real, sentem calafrios. Foi assim na prisão, quando declararam amor efusivo a um Lula subjugado. Mas bastou que ele voltasse ao Planalto para o verniz se desfazer. Um deles, emocionado em um áudio viral, sugeriu que Lula estaria melhor preso do que no Nordeste. Poucas frases resumem tão bem a mentalidade colonial que habita certos setores da esquerda ilustrada.

    Esse incômodo nunca desaparece. Mesmo entre os críticos que se dizem progressistas, há sempre um resquício de ranço. Querem Lula como mito, nunca como presidente. O problema nunca foi o governo – foi o ato de governar.

    E então, quando Lula governa, o Nordeste volta a ser o centro. Não porque é conveniente, mas porque sempre esteve lá. O Brasil profundo, o Brasil que constrói e é esquecido. O Brasil que aprendeu a resistir porque sempre soube que não podia contar com os de cima. O Brasil de onde veio o primeiro operário-presidente, e de onde pode muito bem vir o próximo. Se há um caminho para um Brasil mais igualitário, ele passa por essa consciência coletiva forjada na adversidade. O Brasil que virá será nordestino, ou não será.

    E é aí que a esquerda sebosa entra em parafuso. Ano após ano, eleição após eleição, vê-se diante de um Nordeste que segue votando em Lula e em governadores aliados. Em desespero, corre para a mesma explicação preguiçosa: gratidão pelas políticas sociais – aquelas que eles chamam de assistencialistas. Mas ignoram a incrível coincidência entre políticas à esquerda e avanços em educação e cultura. Fingem que não percebem que é nas universidades federais, nas escolas técnicas e nos centros culturais das periferias que o Brasil se refaz. Preferem criar respostas alienígenas – até mesmo a teoria do patrocínio corrupto de um bilionário carioca – mas jamais falam em consciência de classe.

    Eles querem os nordestinos salvando o Brasil a cada quatro anos, mas não orgulhosos de seus feitos. Querem nossos votos, mas não admitem nossa consciência de classe. Preferem nos animalizar em criaturas movidas a amor e gratidão. É uma versão fofa do racismo.

    A resistência ao governo não vem apenas dos suspeitos de sempre. Vem também dos que preferiam um Lula imóvel, um Lula para enfeitar discursos, nunca para tomar decisões. Lula, no entanto, não governa para provar nada a ninguém. Nem para se adequar às expectativas de uma esquerda que só existe nas redes sociais. Governa porque só assim é possível enfrentar a desigualdade, a injustiça e o elitismo disfarçado que permeia a política e a imprensa.

    Durante a "era Sidônio", Lula disse que queria cumprir todas as promessas que fez, só para irritar aqueles que não suportam ver um nordestino na presidência. O que ele não diz – talvez por tato ou ironia – é que essa raiva não é monopólio da direita. Boa parte da esquerda também não o perdoa. E segue destilando ressentimento, disfarçado de crítica.

    Mas Lula, o nordestino, segue. Enquanto eles apenas budejam.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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