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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    “Macho” Camacho e amigos brasileiros: quartelada miliciana

    O jornalista Marcelo Zero alerta para as conexões perigosas entre a direita boliviana e a brasileira. Ele diz: "lá, as milícias neopentecostais de 'Macho' Camacho, a polícia partidarizada e, agora, as Forças Armadas estão fazendo o que Bolsonaro sempre recomendou: exterminar fisicamente os opositores ou levá-los ao exílio"

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    O Brasil bolsonarista já tem um exemplo civilizatório a seguir: a Bolívia. 

    Com efeito, assiste-se lá a uma típica e sangrenta quartelada, que honra a tradição democrática da antiga Bolívia de oligarquias fascistas e racistas. 

    Nada de golpes brancos, travestidos com a diáfana legitimidade de sistemas jurídicos partidarizados, como o que aconteceu no Brasil. Não, lá as coisas são mais cruas e mais “verdadeiras”. Não há máscaras jurídicas e políticas. A força bruta, justificada pela religiosidade neopentecostal, se revela em toda a sua aberrante violência.

    Lá, as milícias neopentecostais de “Macho” Camacho, a polícia partidarizada e, agora, as Forças Armadas estão fazendo o que Bolsonaro sempre recomendou: exterminar fisicamente os opositores ou levá-los ao exílio. 

    Incendiaram as casas de ministros e políticos ligados ao MAS e a Evo Morales e sequestraram pessoas para violenta-las e humilhá-las publicamente. Foi o caso de Patricia Arce Guzmán, prefeita de Vinto, departamento de Cochabamba. Por ser do MAS, ela foi sequestrada, brutalmente golpeada, teve seu cabelo cortado e seu corpo pintado de vermelho. Depois, foi obrigada a andar por horas de pés descalços, sempre golpeada e humilhada, num espetáculo que lembrou muito a perseguição aos judeus na Segunda Grande Guerra. A polícia a tudo assistiu fazendo cara de paisagem. Só interveio quando ficou evidente que ela iria ser morta.

    Esse não foi um caso isolado. A ONU se refere a mais 300 casos semelhantes de sequestros, incêndios de casas, e humilhações cometidos pelas hostes religiosas-fascistas de “Macho” Camacho, o Klaus Barbie de Santa Cruz, a região afluente e racista da Bolívia, que odeia os indígenas do Altiplano. Curiosamente, eles se autodenominam “cívicos”. “Cívicos” virou eufemismo para milícias fascistas. 

    Em contraste, Evo Morales, ante a crise instalada, fez todas as concessões possíveis: convidou a OEA para fazer a auditoria das eleições, chamou os opositores para o diálogo e até concordou em realizar um novo pleito, sem a sua presença. Mas “Macho” Camacho e Carlos Mesa mantiveram-se intransigentes em rejeitar qualquer diálogo e em perseguir o objetivo autoritário de derrubar o governo Evo Morales a todo custo.

    O triunfo da força bruta e do racismo foi aqui aplaudido. Os “cívicos” tupiniquins ficaram alvoroçados. Houve procuradora que considerou o papel das Forças Armadas na Bolívia como um exemplo a ser seguido. O Ministro da Defesa do Brasil considerou o golpe violento como um “avanço da democracia”. A nossa grande imprensa, seguindo sua notável tradição, também apoiou o golpe racista.

    Nada de se estranhar. 

    A característica principal das oligarquias brasileiras e latino-americanas de um modo geral é sua falta de compromisso real com a democracia e sua incapacidade de conviver com processos significativos de distribuição de renda, de combate à pobreza, e de ascensão social e política das camadas da população historicamente excluídas dos benefícios do desenvolvimento. 

    No Brasil, como na Bolívia, governos que ampliam a democracia real, ampliam oportunidades e direitos, e permitem a ascensão dos historicamente excluídos provocam uma paura extrema nas oligarquias acostumadas, no máximo, a uma democracia restrita e excludente, que não ameace seus interesses de classe ou seu domínio tradicional sobre o sistema político.

    O grande crime de Evo Morales e do MAS foi ter promovido a ascensão econômica, social e política das grandes massas indígenas e miseráveis do Altiplano boliviano, historicamente excluídas de cidadania e odiadas pela “Medialuna” mestiça e racista, cujo centro geográfico é a Santa Cruz de “Macho” Camacho.

    Com Evo Morales, a pobreza na Bolívia foi reduzida de cerca de 60% para ao redor de 35%. Já a pobreza extrema passou de 38,2% para 15,2%. O analfabetismo passou de 15% para 2,4%, e o desemprego em caiu de 9,2% para 4,1%. 

    Saliente-se que tal evolução social surpreendente foi conseguida com uma taxa de crescimento econômico que é a maior da América do Sul. Nos últimos 10 anos, a Bolívia cresceu a uma média anual de cerca de 5%, muito superior à do Brasil e a de muitos outros países. Mesmo com a grande crise recente das economias latino-americanas, a Bolívia continuou crescendo. No ano passado, cresceu 4,2 %, algo que faria o ultraneoliberal Guedes salivar de contentamento.  Até o conservador e sisudo FMI elogiou a performance econômica do governo do MAS.

    O maior crime de Morales, no entanto, foi ter criado uma nova ordem político-constitucional, que deu voz e participação ativa aos indígenas miseráveis da Bolívia, historicamente submetidos ao tacão autoritário de uma oligarquia mestiça e racista, que agora se vinga de forma violenta. 

    A vingança, contudo, pode voltar-se contra toda a Bolívia. O golpe submergiu nosso vizinho em violência e total anomia. Não há comando, não há governo. Só há o ódio das ruas. E há a reação das massas indígenas que apoiam Morales. Vive-se um clima de guerra civil. 

    O golpe brutal na Bolívia, que foi insuflado pela OEA, a qual contestou os resultados eleitorais antes da realização de qualquer auditoria, serve de advertência contra um otimismo excessivo gerado pelas revoltas populares ocorridas no Equador e no Chile. 

    O Império e as oligarquias locais apostam alto em regimes conservadores que reimplantem o modelo neoliberal e recoloquem os países da região na órbita geoestratégica dos EUA. 

    Para esse grande objetivo, vale tudo. Até mesmo violentas quarteladas milicianas. 

    Os “cívicos” estão salivando. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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