Marine Le Pen e Jair Bolsonaro: a extrema direita sem herdeiros?
Estão fora do jogo eleitoral duas das figuras mais emblemáticas da extrema direita global
Estão fora do jogo eleitoral duas das figuras mais emblemáticas da extrema direita global. Na França, há uma tentativa de sucessão organizada dentro do partido de Le Pen, mas o campo permanece dividido entre Jordan Bardella e Éric Zemmour. No Brasil, reina a fragmentação — e o bolsonarismo testa nomes sem consenso.
Dois dos principais nomes da extrema direita global foram declarados inelegíveis por decisões judiciais baseadas em práticas ilegais de uso do poder público. Em 31 de março de 2025, Marine Le Pen foi condenada pelo Tribunal Correcional de Paris por desvio de fundos públicos do Parlamento Europeu. A sentença inclui quatro anos de prisão, sendo dois anos em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica e dois anos suspensos, além de uma multa de 100 mil euros e a inelegibilidade por cinco anos, com efeito imediato.
A decisão provocou forte reação entre apoiadores de Le Pen, que passaram a acusar a justiça francesa de perseguição política. Em resposta, o procurador-geral junto à Corte de Cassação, Rémy Heitz, afirmou ao jornal Le Monde que “a justiça não é política” e que a sentença foi proferida “por três juízes independentes e imparciais, em conformidade com a lei e com base em textos votados pela representação nacional”. Heitz qualificou como “inadmissíveis” os ataques personalizados contra magistrados e revelou que a juíza responsável pela decisão passou a receber proteção policial após ter sido ameaçada. Segundo ele, o julgamento teve todas as garantias de um processo justo, com uma instrução que durou anos e um debate contraditório ao longo de dois meses.
Jair Bolsonaro, no Brasil, foi condenado em 2023 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político e uso indevido da máquina pública, ficando fora das disputas eleitorais até 2030. Assim como Le Pen, Bolsonaro também sustenta a tese de que é vítima de uma perseguição política e judicial, discurso amplamente difundido entre seus aliados e base eleitoral para deslegitimar o sistema judiciário e manter a mobilização em torno de sua figura.
O fim de um projeto político?
A condenação representa um marco inédito na trajetória de Le Pen. Após três tentativas presidenciais, 2027 era vista como sua disputa mais favorável, com chances reais de vitória, segundo aliados. A inelegibilidade, aplicada imediatamente, interrompe esse projeto no momento mais estratégico de sua carreira. Le Pen anunciou que irá recorrer, e um eventual sucesso no recurso, caso ocorra antes das eleições, ainda poderia reverter o cenário. Por ora, porém, sua exclusão do jogo eleitoral reconfigura de forma significativa o panorama da extrema direita francesa.
Tanto Le Pen quanto Bolsonaro construíram suas carreiras atacando o “sistema”, prometendo moralidade e renovação, mas acabaram colhendo o mesmo destino de políticos tradicionais que antes juravam combater. A retórica anticorrupção e os apelos à moral serviram, no fim, como cortinas de fumaça para práticas patrimonialistas, autoritárias e, em muitos casos, ilegais. Apesar disso, nenhum dos dois saiu completamente de cena. A francesa já apontou seu sucessor: Jordan Bardella, atual presidente do Reunião Nacional (Rassemblement National), jovem político que vem sendo preparado para assumir o protagonismo da sigla. A estratégia é clara: preservar o capital eleitoral de Le Pen e manter o projeto ultranacionalista vivo sob uma nova imagem. No entanto, Bardella não está sozinho nesse campo: a presença de Éric Zemmour, com forte apelo identitário e ideologicamente mais radical, evidencia a disputa interna dentro da extrema direita francesa.
Zemmour, ex-jornalista e comentarista político, terminou em quarto lugar no primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, com mais de 7% dos votos — atrás de Emmanuel Macron, do partido Renascimento (Renaissance), Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa (La France Insoumise). Embora tenha ficado fora do segundo turno, consolidou uma base militante e midiática que hoje disputa o protagonismo da extrema direita francesa. Sua presença impõe um desafio duplo: ao mesmo tempo em que força o Rassemblement National a reafirmar seu espaço “moderado”, também amplia o espectro da direita radical no país — dividindo votos, mas mantendo aceso o fogo da intolerância.
Já no Brasil, o bolsonarismo carece de um herdeiro legítimo. Embora nomes como Michelle Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e os próprios filhos do ex-presidente — como Eduardo e Carlos Bolsonaro — sejam testados como alternativas, nenhum conseguiu até agora unificar a base ou reproduzir o carisma polarizador de Jair Bolsonaro. O campo da extrema direita brasileira, portanto, encontra-se em disputa: fragmentado, com lideranças regionais buscando protagonismo e influenciadores digitais ganhando espaço, como é o caso de Pablo Marçal, que já demonstrou capacidade de mobilização inesperada nas redes e nas urnas. O resultado é um movimento sem direção clara, com múltiplas vozes competindo pelo legado bolsonarista, mas sem consenso sobre o caminho a seguir. Esse vácuo de liderança abre espaço tanto para a reconfiguração quanto para o declínio do movimento, a depender das estratégias adotadas nos próximos anos — e de quem melhor conseguir capturar o sentimento de insatisfação que o bolsonarismo organizou.
A extrema direita, mesmo após condenações legítimas proferidas por tribunais democráticos e comprometidos com o Estado de Direito, segue contando com respaldo social significativo, aparato midiático e redes internacionais que garantem sua permanência no jogo político. Mas os casos de Marine Le Pen e Jair Bolsonaro revelam que mesmo os líderes mais simbólicos não estão imunes aos limites impostos pelas instituições.
Eles mantêm laços com figuras como Donald Trump (Partido Republicano, EUA), Viktor Orbán (Fidesz, Hungria) e Santiago Abascal (Vox, Espanha), articulando uma frente transnacional baseada em valores ultraconservadores, como o nacionalismo xenófobo, o anti-globalismo e o negacionismo climático. A saída de Le Pen e Bolsonaro do jogo eleitoral não enfraquece automaticamente essa rede — mas representa uma fissura em sua narrativa de invencibilidade e expõe as tensões internas desse movimento global. A inelegibilidade de Le Pen e Bolsonaro marca não apenas uma derrota pessoal, mas o início de uma nova fase — mais difusa, menos centralizada, e talvez mais perigosa por sua imprevisibilidade.
Cenário eleitoral futuro: risco de moderação ou radicalização?
Diante da ausência de lideranças centrais, a extrema direita pode seguir por caminhos distintos: buscar a moderação para conquistar setores mais amplos da sociedade ou aprofundar a radicalização ideológica para manter sua base fiel mobilizada. Ambas as estratégias têm precedentes históricos e implicam riscos democráticos — seja pela normalização de pautas autoritárias no debate público, seja pela intensificação de discursos violentos e antissistêmicos. O que está em jogo não é apenas a sobrevivência de um campo político, mas a forma como ele se reorganizará para continuar disputando corações, votos e sentidos.
Esse também deveria ser o momento da esquerda assumir o protagonismo e reafirmar seu compromisso democrático. A fragmentação da extrema direita abre uma janela de oportunidade para disputar sentidos, reconstruir pontes com setores desiludidos da população e oferecer alternativas concretas às crises que o extremismo explorou. A ausência de herdeiros diretos não significa o fim da ameaça autoritária — mas pode ser o início de uma rearticulação democrática, se houver capacidade de leitura histórica e ação política coordenada.
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