Marinha explicita visão deformada dos militares e insulta governo e população civil
"O mínimo a se esperar é que a Marinha retire de circulação o vídeo ultrajante e peça desculpas à sociedade brasileira", escreve Jeferson Miola
É indesculpável o vídeo da Marinha que classifica os civis como folgados e privilegiados, enquanto considera os militares pessoas sacrificadas na missão de proteger o país, o que nem no mais delirante pesadelo pode ser levado a sério.
Trata-se de um grave insulto à população civil e ao governo. A gravidade é ainda maior porque o vídeo não é uma iniciativa isolada de algum militar tresloucado, mas é uma peça de publicidade institucional, decidida nos canais oficias do Comando da Marinha.
Segundo o site Sociedade Militar, dedicado a questões militares, o vídeo publicitário foi “lançado nesse domingo [1/12], na presença do Comandante da Marinha [almirante Marcos Sampaio Olsen] e de outras autoridades militares”.
“Divulgado poucos dias após anúncios de cortes orçamentários e medidas para redução de benefícios militares, a peça buscava destacar o trabalho dos militares, contrastando-o com momentos de lazer de civis, e encerra com o provocativo questionamento: ‘Privilégios? Vem para a Marinha’”, registra a reportagem.
De acordo com o site, a publicação teve efeito inverso ao desejado, com enorme indignação entre os comentários feitos na rede social da Marinha – “78% das reações foram negativas, 10% positivas e 12% neutras”.
No fundo, o conteúdo do vídeo não chega mesmo a surpreender, pois traduz exatamente a visão militar, historicamente deformada, de que são eles, e somente eles, os fardados, que podem conduzir os destinos do país, porque os paisanos são corruptos, incompetentes, incapazes.
Como mensagem subliminar, o vídeo traz essa visão de tutela dos militares sobre o sistema político e o regime civil.
O general Mourão, vice de Bolsonaro, na campanha de 2018 resumiu bem essa perspectiva doutrinária quando disse que o brasileiro é um povo preguiçoso, malandro e vadio devido às suas raízes indígena e negra. Esta é uma síntese da visão dos militares sobre o povo brasileiro, considerado inimigo interno a ser combatido.
No mérito, o pleito dos militares veiculado no vídeo também é inadmissível.
Eles pretendem manter uma série de privilégios que são verdadeiras obscenidades, como a pensão vitalícia e com salário integral para falsas viúvas de militares vivos e expulsos das Forças Armadas por crimes cometidos.
Ou, então, as pensões vitalícias para filhas de militares. Há casos fraudulentos, como o da neta do general Ernesto Garrastazu Médici, adotada como filha pelo ditador sanguinário em 1985, meses antes de ele morrer, mesmo tendo ela os pais vivos.
Com o óbito da avó em 2003, desde fevereiro daquele ano a neta do ditador recebe uma pensão mensal de R$ 36.562,40 a valores de agosto passado.
Além disso, não se conhece servidor público civil e trabalhadores civis do Regime Geral da Previdência Social que consiga se aposentar com menos de 50 anos de idade, como acontece com os militares.
Funcionários públicos civis precisam comprar seus próprios uniformes, arcar com suas moradias, alimentação, educação dos filhos e demais necessidades cotidianas, uma realidade muito distinta das regalias na caserna.
Seria ocioso esperar do ministro da Defesa José Múcio Monteiro a atitude que este episódio exige, mas o mínimo a se esperar é que a Marinha retire de circulação o vídeo ultrajante e peça desculpas à sociedade brasileira.
É a imensa maioria trabalhadora do Brasil que, com seus impostos, sustenta o orçamento das Forças Armadas que destina quase R$ 90 bilhões por ano, cerca de 87% do total, só para pagar despesas de pessoal, a maioria de aposentados [reservistas] e pensionistas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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