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      Ricardo Queiroz Pinheiro

      Bibliotecário e pesquisador, militante do livro e leitura, doutorando em Ciências Humanas e Sociais (UFABC)

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      Mark Fisher: sofrimento e dor no capitalismo

      Fisher foi direto ao que dói por dentro, o cotidiano que nos consome, a tristeza que vai se instalando até parecer normal

      Mark Fisher foi um pensador britânico que não teve medo de encarar o mal-estar contemporâneo sem anestesia. Em 2009, pouco depois da crise financeira global, ele escreveu Realismo Capitalista, quando o discurso dominante já nos dizia que o capitalismo era inevitável. O subtítulo do livro é revelador: “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”. Retirado do seu diálogo crítico com Frederic Jameson.

      Fisher não ficou nos grandes temas da economia ou da geopolítica. Ele foi direto ao que dói por dentro, o cotidiano que nos consome, a tristeza que vai se instalando até parecer normal. No capítulo 5, ele acerta em cheio: o sofrimento mental que nos atravessa não é defeito biológico nem fraqueza moral. É consequência direta da forma como estamos sendo forçados a viver.

      No Brasil, isso fica evidente. Quando a ansiedade se torna rotina, quando a exaustão é tratada como falta de disciplina, quando o sono não vem e a culpa não vai embora, é o sistema e a imposição que estão falando. Não é a química do seu cérebro, ao contrário do que diz o discurso pronto da psiquiatria tecnicista. É a maneira como a vida foi estruturada para sugar tudo o que você tem. A saúde mental virou um indicador silencioso de injustiça social. E Fisher nos ajuda a enxergar isso.

      Veja o caso das redes de supermercado que contratam jovens sob o rótulo de “experiências de aprendizagem”, oferecendo salários irrisórios, metas impossíveis, vigilância constante. E ainda exigem sorrisos. Ou aquelas empresas que vendem “ambiente descontraído”, mesa de pingue-pongue e “vale-terapia”, enquanto exploram cada segundo do seu tempo emocional.

      É o que Fisher chama de “empresário de si mesmo”: esse sujeito transformado em gestor da própria miséria, culpado por não dar conta de uma demanda que nunca acaba. Nesse cenário, o burnout não é exceção. É regra, disfarçada por palavras suaves.

      E o servidor público? Demonizado nos discursos oficiais, sobrecarregado na prática. É a professora com três salas e nenhum tempo de planejamento. O agente de saúde que atende trinta famílias por dia e ainda precisa bater meta. O técnico administrativo que segura sozinho um setor inteiro. Nos chamam de encostados, mas esperam que a gente funcione como engrenagem silenciosa. E quando o corpo trava, quando a cabeça falha, dizem que é frescura. O adoecimento psíquico entre os servidores não é fraqueza. É sintoma da violência institucionalizada que Fisher denuncia: o Estado como fonte de esgotamento, ausente quando se trata de cuidado.

      Tem também a realidade das universidades. Fisher, que dava aulas, conhecia bem esse cenário. No Brasil, é o estagiário sem bolsa, o mestrando que dá aula em três escolas, o doutorando que já passou dos quarenta e ainda ouve que “precisa se vender melhor no mercado”. A lógica meritocrática transformou o conhecimento em moeda e o desejo de estudar em culpa. Quem não aguenta, se cala. Quem surta, vira estatística. O adoecimento mental na universidade não é desvio. É política de exaustão.

      E quando alguém desaba, o que se oferece? Receitas. Palestras. Grupos de mindfulness no RH. Mas ninguém pergunta por que está todo mundo tão doente. Fisher denuncia o esvaziamento político da dor. A psiquiatria dominante, com sua linguagem clínica e seus protocolos, acaba servindo à manutenção da ordem. No Brasil, isso se traduz em Saúde Pública atacada, CAPS desmontados, ausência de cuidado territorial e remédio como primeira e única resposta. Não se trata de negar os diagnósticos. Trata-se de perguntar o que os produz.

      Então, não. Você não está sozinho. Nem é fraco. Você vive numa engrenagem que exige mais a cada dia, oferece cada vez menos, e ainda espera gratidão e reverência. Fisher nos mostra que politizar o sofrimento é o primeiro passo. Não para transformar a dor em bandeira, mas para tirá-la do silêncio. Para romper com essa lógica que individualiza o adoecimento e desativa a crítica. A saúde mental é atravessada pela forma como organizamos a sociedade. E se não enfrentarmos isso juntos, a conta vai continuar sendo cobrada no corpo de cada um.

      “A recusa em enquadrar o sofrimento mental como uma questão política é, em si, uma decisão política” — escreve Fisher.

      É isso. A sua tristeza tem contexto. O seu cansaço tem história. E não é você que precisa mudar. É o mundo que precisa parar de fingir que está tudo bem.

      Leiam Mark Fisher, dividam com os seus companheiros e suas companheiras. Politizem e coletivizem seus sofrimentos, é a única saída contra a máquina de moer gente.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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