México: Uma aposta soberanista e antineoliberal
Agenda do México aposta no fortalecimento do estado e na redistribuição de renda, sem ajustes fiscais regressivos e privatizações, o que tem dado certo
“Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”, a célebre frase atribuída ao general Porfírio Diaz (1830-1915), que governou a nação mexicana por mais de 30 anos, é reveladora da atribulada relação entre o México e os Estados Unidos.
O retorno de Donald Trump ao governo norte-americano aumentou as tensões entre os dois países, e ocorre durante o processo de retomada de uma política de afirmação soberanista no México, governado nos últimos anos (2028-2024) por um partido nacionalista de esquerda, o Morena – Movimento de Regeneração Nacional.
O novo curso adotado no México, denominado de a IV Transformação, ganhou impulso com a vitória eleitoral, em 2018, de Andrés Manuel López Obrador, também conhecido pelo acrônimo AMLO, que combinou um discurso anticorrupção com medidas de desmonte das políticas econômicas de ajustes neoliberais e de privatização do patrimônio estatal executadas pelo governo de Enrique Peña Nieto (PRI).
Em seu discurso de posse, em dezembro de 2018, López Obrador declarou: “A privatização no México tem sido sinônimo de corrupção, infelizmente, essa doença quase sempre existiu em nosso país, mas o que aconteceu durante o período neoliberal é sem precedentes nos tempos modernos — o sistema como um todo operou em prol da corrupção. O poder político e o poder econômico se alimentaram e nutriram mutuamente, e o roubo dos bens do povo e da riqueza da nação se estabeleceu como o modus operandi”.
A toada de López Obrador surtiu efeito político, garantindo uma crescente popularidade ao longo do seu mandato, e sólido apoio entre a classe trabalhadora mexicana. O presidente do México politizou a questão da corrupção, adotando um conteúdo classista contra os especuladores e os privilégios de altos funcionários estatais, aliados e beneficiários do modelo neoliberal. As medidas de austeridade atingiram “os de cima” e não o “andar de baixo”, cortando prebendas e vantagens financeiras do alto escalão governamental.
Os avanços econômicos e sociais do governo do Morena foram robustos: os trabalhadores alcançaram aumento real no salário mínimo na ordem de 82%, a participação dos trabalhadores na renda nacional aumentou e as taxas de desemprego recuaram para 2,59% (dezembro de 2024), impactando na redução da pobreza em todas as regiões do país. Além disso, o governo promoveu projetos e programas sociais para as comunidades indígenas, para a juventude pobre das cidades e implantou universidades comunitárias nas áreas rurais. O conjunto desses programas logrou retirar 8,8 milhões de mexicanos da faixa de pobreza.
O governo de López Obrador realizou, em 2019, uma reforma trabalhista que permitiu maior liberdade de organização sindical e facilitou a quebra da burocracia do “sindicalismo de estado”, uma das alavancas da longa hegemonia, por sete décadas, do Partido Revolucionário Institucional (PRI).
Na política externa, o governo de López Obrador defendeu uma maior integração latino-americana, participou ativamente da campanha pela libertação do jornalista Júlio Assange, apoiou Cuba e pediu o fim do bloqueio contra a ilha, denunciou a guerra de agressão aos palestinos promovida pelo estado sionista de Israel e agiu com firmeza e pragmatismo diante do governo dos Estados Unidos. Conduta política seguida pela presidenta Claudia Sheinbaum na arena da política internacional.
A reestatização do setor petroleiro e de energia elétrica
A presidenta Claudia Sheinbaum, primeira mulher a ocupar a presidência do México, nos cinco meses de governo ( tomou posse em 1° de outubro de 2024), priorizou esforços para consolidar o processo de reestatização da Pemex (Petróleos Mexicanos) e da Comissão Federal de Eletricidade (CFE), umas das promessas mais caras do Morena quando conquistou o governo nacional.
Um passo decisivo nessa direção foi a aprovação, na semana passada, pelo Senado da medida reestatização do setor energético apresentada pelo governo, que teve 85 votos favoráveis, 36 votos contrários e uma abstenção. O projeto segue agora para debate e votação pela Câmara dos Deputados.
O processo de reestatização do setor energético começou em 2021 e, em novembro de 2024, o governo mexicano recuperou o caráter de empresa pública da Pemex e da CEF, assegurando os fundamentos de uma política de soberania energética, rompendo com o ciclo privatista e desnacionalizante dos governos neoliberais de Vicente Fox e de Peña Nieto.
O projeto de lei do governo de Claudia Sheinbaum defende que a Pemex deve ter participação mínima de 40% em projetos de exploração e produção de petróleo em parceria com o setor privado. Na eletricidade, a reforma determina que a rede da CFE deve produzir, pelo menos, 54% da eletricidade gerada no México.
A presidenta Claudia Sheinbaum, no sábado(1), durante a inauguração de uma nova central elétrica, a Central do Ciclo Combinado Salamanca, projeto da Comissão Federal de Eletricidade (CFE), afirmou que “só um traidor entrega o seu país aos estrangeiros". Aqui lutamos pela soberania e a independência do México. Somos um país livre, independente e soberano. Não entregamos os recursos da nação a ninguém”. A nova usina foi projetada e iniciada pelo governo do ex-presidente López Obrador, como parte do plano para recuperar o papel do estado no setor.
A Quarta Transformação e os desafios das reformas estruturantes
A herança positiva de López Obrador joga luz para os novos desafios da gestão de Claudia Sheinbaum, que enfrenta uma conjuntura marcada pela agressiva política externa de Donald Trump. O México tem uma delicada pauta na questão da migração, da taxação dos produtos manufaturados mexicanos pelo governo trumpista e do tráfico de armas e drogas na fronteira.
No plano interno, o governo de Sheinbaum leva o desafio de consolidar uma ousada Reforma do Poder Judiciário, iniciada por Obrador, que estabelece eleições diretas para juízes em todos os níveis. A reforma, aprovada pelo parlamento, prevê também que os candidatos para a Suprema Corte serão indicados pelos três poderes, com mandato de 12 anos, antes era de 15 anos.
A presidenta Sheinbaum opera ainda a continuidade de importantes obras de infraestrutura: o novo aeroporto internacional para a cidade do México, a refinaria de Dos Bocas e o projeto de uma ferrovia – Trem Maya – interligando todo o sudeste do México.
As bases programáticas da IV Transformação são apresentadas como uma vertente histórica de três poderosos processos políticos e sociais que ocorreram no país: A Independência do jugo espanhol (1810-21), a Reforma Liberal, liderada por Benito Juárez (1857-1861), e a Revolução Agrária de 1910, liderada por Emiliano Zapata e Pancho Villa, que derrubou a ditadura de Porfírio Díaz.
A receita do Morena, partido governante, tem um sabor soberanista e busca inspiração nas melhores tradições das reformas republicanas e liberais, do fim do século XIX, e do revolucionarismo zapatista, eventos sociais que estabeleceram os contornos definitivos do estado nacional mexicano.
A agenda do governo do México aposta no fortalecimento do papel do estado e nas políticas de redistribuição de renda, sem o garrote de ajustes fiscais regressivos e a privatização dos bens públicos, o que tem dado certo.
*É colunista em diversos sites e portais da mídia progressista e de esquerda. Autor dos livros ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ [Kotter, 2021] e de ‘Brasil Sem Máscara – o governo Bolsonaro e a destruição do país‘ [Kotter, 2022], entre outras obras. Tem pós-graduação em Ciência Política. É militante do Partido dos Trabalhadores (PT), em Curitiba.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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