Milei mata a Télam, um crime contra a comunicação pública
"Transformar uma agência pública de jornalismo em agência governamental de publicidade é uma obscenidade", diz Tereza Cruvinel
Os déspotas, sempre que chegam ao poder, atacam primeiramente a instituições de Cultura e de Comunicação Pública. Assim fez Temer, em 2016, investindo contra o MinC e contra a EBC. O governo de Javier Milei, o trêfego que governa a Argentina, anunciou ontem a morte definitiva da Télam, que há 70 anos figura entre as agências de notícias mais importantes do mundo.
"A Télam, como a conhecíamos, deixou de existir", tuitou o porta-voz presidencial Manuel Adorni no sábado. Depois veio o boletim oficial anunciando a vingança torpe de Milei contra a agência que considerava esquerdista. A Télam “deixará de operar, tal como foi criada originalmente, nas atividades de serviços jornalísticos e como agência de notícias”, e passará a funcionar “com um novo enfoque estratégico, como agência de publicidade e propaganda” disse depois o boletim oficial. Agora ela será encarregada da “elaboração, produção, comercialização e distribuição de material publicitário nacional e/ou internacional”. Um sacrilégio.
Nem Bolsonaro, que violentou tanto a EBC e a TV Brasil, chegou a este ponto. Transformar uma agência pública de jornalismo em agência governamental de publicidade, certamente em aparelho ideológico da extrema direita argentina, é uma obscenidade.
Em 3 de março passado, o governo argentino suspendeu as atividades da Télam, dispensou seus funcionários, bloqueou com grades seus dois prédios em Buenos Aires e tirou o portal do ar. Desde então seus funcionários, organizados no movimento “Somos Telam” (https://somostelam.com.ar/) resistem, muitos deles acampados defronte ao prédio principal. Do total de 700, 30% já foram demitidos.
A Télam produzia, até ser golpeada por Milei, mais de 500 textos jornalísticos e mais de 200 fotos por dia, afora vídeos, áudios para rádio e notas em redes sociais. Tudo de livre acesso e reprodução, desde que citada a fonte. Com sua alta credibilidade, era o principal meio de difusão global de notícias sobre a Argentina e América Latina.
Enquanto eu presidi a EBC, Télam foi uma parceira valorosa, e através de nosso acordo de troca de conteúdos, a Agência Brasil valeu-se dela para enriquecer a cobertura de muitos eventos na Argentina e no continente.
Nessa época a Télam era presidida por Sergio Novoa, e juntos articulamos um projeto que ficou pelo caminho, e talvez algum dia seja retomado, a criação da Ulan – União Latino-americana de Agências Públicas de Notícias.
O projeto, puxado por Brasil e Argentina, agregou uma dezena de agências como Notimex, Prensa Latina, AVN e outras. Depois que ele deixou a Télam, e eu a EBC, o projeto encalhou. Ulan seria um grande portal com notícias sobre nosso continente, em português e espanhol, produzidas pelas agências-membro. Invertendo o fluxo da dominação pela informação, a região falaria de si para o mundo por este portal próprio, e não através das grandes agências internacionais, como UPI e similares.
Mas hoje é de dia de chorar com os companheiros argentinos pelo fim passageiro da Télam. Até que chova de novo e ela possa ressurgir.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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