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Inez Lemos

Psicanalista e autora de "Berro de Maria", ed. Quixote.

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Misoginia e estupro

O Irã é exemplo de opressão às mulheres, submetendo-as à verdadeiros requintes de crueldade. Contudo, o Brasil do PL do estupro não perde em nada

Manifestação contra "PL do estupro" (Foto: Ag.Brasil/Paulo Pinto )

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A história está repleta de casos em que a mulher protagoniza cenas de violência, estupro, feminicídios. O ódio ao corpo feminino deflagra o machismo estrutural centrado na lógica cristã da procriação, um corpo que nasce com a função da maternidade. O prazer sexual sempre foi visto como um direito aos homens. A mulher que busca prazer sexual além da vida conjugal nunca foi, e ainda não é vista com bons olhos. O gozo feminino sempre atormentou os moralistas. Sacrifício e sofrimento são significantes femininos. 

O filme Holy Spider (Netflix) ilustra bem a cultura misógina por meio da história real de um serial Killers do Irã nos anos 2000.   "Spider killer", como é conhecido, se julga no direito de limpar a cidade iraniana da imoralidade e corrupção perseguindo as prostitutas. Corpos sujos, pecaminosos que merecem morrer. Após assassinar 16 mulheres em sua "missão divina", chega à cidade a jornalista Arezoo Rahimi para investigar os crimes que contavam com a cumplicidade da polícia local. Depois de muita luta ela consegue desvendar e o assassino, condenado à morte. 

O Irã é exemplo de opressão às mulheres, submetendo-as à verdadeiros requintes de crueldade. Contudo, o Brasil do PL do estupro não perde em nada. Estamos em franco retrocesso ao propor que crianças estupradas sejam condenadas a 20 anos de prisão caso abortem após as 22 semanas de gestação. O estuprador? Apenas 8 anos de reclusão. A punição severa sempre recai à mulher. 

Importa destacar a raiz da questão - ambos são emblemáticos da desqualificação da mulher no mundo do poder -  a maioria que legisla ainda é de homens - brancos e heterossexuais. 

Somos frutos da lógica misógina, patriarcal e reacionária que culmina na necropolítica. Proibir, coibir, entristecer os corpos para melhor controlá-los. Educamos os meninos com  réguas diferentes que educamos as meninas. Pouco debatemos temas e filmes que abordam questões machistas com eles. Impressionante como ainda resistimos em colocar na agenda familiar questões  presentes em nossa realidade como: aborto, estupro, feminicídio, homofobia, racismo. Falamos de viagens, consumo, mercado livre - exibimos a face fashion agarrados nas redes sociais de costas para duras realidades.

Estamos desumanizando a galera, potencializando a idiotice, o pensamento fraco, inconsistente e irresponsável ao fugirmos do debate. Aborto é uma questão de saúde pública, esbarra em questões sociais, econômicas.

Como intervir na cultura misógina presentes nas famílias que seguem a bíblia, porém são as que mais cometem estupros nas próprias casas? 

Evocar a Deus em defesa da vida criminalizando o aborto legal é escárnio, covardia, hipocrisia. A vida obscena se esconde nos sofás de muitas familias ricas - filhas têm acesso a clínicas particulares para realizar o procedimento de forma segura. Enquanto às meninas pobres, as leis restritivas sobre o aborto forçam muitas a buscar lugares clandestinos e inseguros. 

O Brasil precisa encarar esse debate de forma científica, deslocada do viés religioso, sem isso, continuaremos condenando garotas inocentes à maternidade indesejada e jogando nas ruas crianças sem um lar estruturado. Ser mãe ou pai deve ser uma escolha alegre, não uma sentença de morte.

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