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    Josué Silva Abreu Júnior

    Psicólogo e doutor em Antropologia

    15 artigos

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    Missão Independente na Venezuela faz política com Direitos Humanos da ONU (DDHH) ou pode provar violações na Venezuela?

    Há elementos suficientes para ilustrar a fragilidade da metodologia utilizada pela Missão Independente e como esta busca fazer política com os DDHH e não política de Direitos Humanos

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    Em 2013, no ano em que Nícolas Maduro foi eleito presidente, a Venezuela passou a integrar o Conselho de Direitos Humanos da ONU. O país foi reeleito em 2016 e novamente em 2019, vencendo a Costa Rica, em uma importante conquista diplomática. Um relatório de uma Missão Independente da DDHH, publicado na última quinta-feira, 16 de setembro, concebe que as forças de segurança venezuelanas planejaram e executaram graves violações aos direitos humanos, como tortura, execuções arbitrárias e desaparecimentos forçados, em contexto de repressão política. A presidenta da comissão, Marta Valiñas, afirmou que tem “motivos razoáveis para crer que altos funcionários destas entidades, assim como as autoridades políticas que exerciam o poder e a supervisão sobre estes, incluindo o presidente e o ministro do interior [análogo ao ministro da Casa Civil] e defesa tinham conhecimento dos crimes, os ordenaram ou contribuíram para eles”. A matéria publicada no site da ONU, no entanto, é clara ao afirmar que são “possíveis crimes” e não fatos comprovados. Além disso, a Missão Independente tem consciência de que “a Venezuela está obrigada pela Carta das Nações Unidas [...] a respeitar os direitos humanos internacionalmente reconhecidos”. A Missão afirma também que “obrigações internacionais da Venezuela em matéria de direitos humanos estão previstas nos tratados ratificados pela Venezuela”. Ora, isto significa que, caso a Venezuela estivesse infringindo as normas internacionais de direitos humanos, este país não possuiria uma cadeira no DDHH ou sofreria sanções desta organização. Porém, as reiteradas eleições da Venezuela para o DDHH indicam exatamente o contrário. 

    O relatório deve ser tomado com muita cautela, uma vez que envolve uma clara disputa política. Países como Reino Unido, Brasil, Chile, Peru, dentre outros, votaram pela criação desta missão, ao passo que Cuba e China votaram contra. Países como o Uruguai e México se abstiveram. É possível perceber que a missão foi criada por países opositores à Venezuela. Além disso, o relatório está embasado em uma frágil metodologia que considera 274 entrevistas à distância, realizadas principalmente com opositores ao governo Maduro, como militares rebeldes, opositores condenados, pessoas que foram detidas em manifestações de rua ou após terem difundido informações imprecisas durante a pandemia de Covid-19 na Venezuela. A Missão Independente admite ter entrevistado o ex diretor geral do Serviço Bolivariano de Inteligência, o General Christopher Figuera, e que está “consciente do seu papel reconhecido na tentativa de golpe de Estado de abril de 2019 e sua intenção expressa de implicar o presidente Maduro no cometimento de graves delitos”. Como é possível observar, o relatório toma como base o depoimento de uma pessoa que sabidamente tentou chegar ao poder político na Venezuela por meio de um golpe armado. 

    O relatório ressuscita casos como a morte de Fernando Alban e a prisão de Leopoldo López, eventos amplamente divulgados pela mídia opositora, assim como pela transparência internacional, considerada pelo ministro do STF do Brasil, Gilmar Mendes, como “verdadeira cúmplice dos abusos da Lava-Jato” e exemplo de “desvirtuamento ético”. Leopoldo López teve a prisão preventiva decretada em 2014, pela juíza Ralenis J Tovar Guillén, do décimo sexto tribunal. Em 2015 foi condenado pela juíza Susana Barreiros por incitar manifestações em 2014 que resultaram em 43 mortes e centenas de pessoas feridas. Em 2017, a Suprema Corte o concedeu prisão domiciliar. Em 2019, López fugiu da prisão domiciliar para incitar militares a tomar o poder junto a Juan Guaidó. A declaração dos dois foi transmitida ao vivo pela internet ao lado de outros militares. Após sua fuga da prisão domiciliar, Leopoldo López passou a viver na embaixada da Espanha em Caracas. É possível observar que, longe de ser torturado ou executado, López foi julgado, teve uma pena branda e fugiu da prisão no intuito de derrubar o presidente da república por meio de um golpe armado. Alban, de forma análoga, foi preso após ter sido acusado de participar do ataque ao presidente Nicolás Maduro, em 2018, com a utilização de drones. Após sua prisão, Alban morreu no centro de detenção. Após autópsia e perícia médica, o Fiscal General [Análogo ao Advogado Geral da União], afirmou que, após ter pedido para ir ao banheiro, Alban se jogou do décimo andar do prédio do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional, que não houve maus-tratos prévios e tampouco a participação de terceiros. Alban seria levado neste dia aos tribunais. 

    O relatório aborda também episódios que ocorreram no contexto da pandemia de Covid-19, em que profissionais da saúde teriam sido detidos por divulgarem informações que apontavam para o colapso dos hospitais. No entanto, é certo que profissionais da saúde foram detidos e posteriormente liberados após veicularem notícias imprecisas sobre a situação dos hospitais. No dia 17 de março de 2020, o enfermeiro Rúben Duarte, do hospital Sán Cristóval, no Estado de Tachira, foi detido pela Direção Geral de Contra Inteligência Militar (Dgcim), após declarar o seguinte em vídeo: "Desmentimos as autoridades nacionais e regionais que o hospital está totalmente equipado com o material de biosegurança para atender os possíveis casos de coronavírus. Nós, ontem, fomos muito claros com o diretor do hospital, a quem exigimos a doação destes equipamentos para todo o pessoal" (...) "Não temos luvas, não temos máscaras, não temos equipamentos (...) não temos algumas necessidades que são necessárias e básicas, nem sequer para fazer a limpeza da nossa instituição". Duarte se dirige igualmente ao ministro da saúde, à governadora, Laidy Gomes, e à representante regional do Ministério da Saúde, Amélia Fressel. No dia seguinte, Duarte foi liberado. Em entrevista, disse que três funcionários da contrainteligência se apresentaram em sua residência, se identificaram, e afirmaram que era necessário ir à sade da instituição. O enfermeiro afirmou que seus direitos individuais e fundamentais foram respeitados e que foi interrogado sobre suas intenções relacionadas às declarações. Disse que deixou claro suas intenções e, em seguida, voltou a falar da situação do hospital de forma crítica, porém verossímil. A informação prestada no dia anterior era imprecisa, uma vez que o enfermeiro confundiu, possivelmente de forma deliberada, a escassez com a falta absoluta. 

    Ao noticiar a conclusão da Missão, a grande impressa sequer recorreu aos dados do relatório, que contem mais de 400 páginas. Esta matéria, no entanto, pôde verificar o seu conteúdo. O tópico II, intitulado antecedentes, cita a morte de uma ex Miss Venezuela, em 2014, que não possui nexo com questões políticas, mas que gerou comoção em setores da população que passaram a protestar contra a violência no país. Alguns destes protestos foram organizados de forma ilegal, violando a determinação da Corte Suprema de que estes só poderiam ocorrer com autorização das lideranças locais. Durante os protestos “três pessoas foram assassinadas”, de acordo com o relatório, no entanto, as mortes não foram atribuídas às forças de segurança e tampouco explicita se as pessoas que vieram a óbito eram opositoras ou partidárias do governo. Para ligar as mortes ao governo, o relatório cita uma fala de Nicolás Maduro na qual ele diz que o governo deu “instruções muito claras” às forças armadas para proteger os cidadãos nas diversas cidades. Isso significa que Maduro mandou matar os manifestantes? Não, porém, o impacto da notícia é grande nos possíveis leitores do relatório que, influenciados pela conclusão do estudo, atribuirão as mortes citadas ao governo.

    Em relação ao relatório da Missão Independente, o chanceler venezuelano, Jorge Arreza, afirmou: “Desde 2 de dezembro nós afirmamos que não reconhecemos nenhum mecanismo politizado e inquisitor, criado com fins ideológicos por países com péssimos recordes no DDHH, para agredir a Venezuela e tratar de causar danos na relação da Venezuela com a alta comissionada”. Disse ainda que o “informe crivado de falsidades, elaborado à distância, sem rigor metodológico algum, por uma missão fantasma dirigida contra a Venezuela e controlada por governos subordinados a Washington, ilustra a prática perversa de se fazer política com os Direitos Humanos e não políticas de Direitos Humanos”. Em consonância com a declaração do chanceler venezuelano, esta matéria deu elementos suficientes para ilustrar a fragilidade da metodologia utilizada pela Missão Independente e como esta busca fazer política com os DDHH e não política de Direitos Humanos. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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