Nova frustração climática
A COP 29 em Baku não trouxe soluções substanciais
Por Sergio Ferrari - Uma migalha para enfrentar uma crise climática que parece não ter solução nem retorno. A recente cúpula das Nações Unidas em Baku, no Azerbaijão, resolveu poucas questões e esqueceu o essencial.
A recente Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29) concordou em alocar 300 bilhões de dólares por ano aos países em desenvolvimento para que possam superar sua dependência de carvão, petróleo e gás -a causa essencial do superaquecimento- e compensar as despesas causadas pelos cataclismos climáticos. Esse montante representa apenas um quarto dos 1,3 trilhão de dólares que essas nações exigiram e é pouco superior aos atuais 100 bilhões concedidos pelo acordo atual, prestes a expirar. Como uma moção de desejo, a Conferência especula em atingir 1,3 trilhão de dólares por ano para o Sul Global, mas apenas em 2035.
O Acordo de Paris, de 2015, estabeleceu um mecanismo para aumentar regularmente os recursos para enfrentar as mudanças climáticas. Uma tentativa de manter o aquecimento abaixo de 1,5°Celsius, tomando como referência o clima do período pré-industrial.
Quase nada!
Após duas semanas de reuniões, no último domingo de novembro, os representantes de quase duzentos países chegaram a um pequeno acordo. O documento final, acordado justamente no momento do apito final e após trinta horas de prorrogação do horário originalmente previsto para o encerramento da cúpula, conseguiu evitar a morte cerebral de um processo que, longe de resolver a crise climática, continua adiando soluções substantivas. Isso levou importantes porta-vozes da sociedade civil mundial a expressar sua decepção, sublinhar a mesquinhez das nações ricas e até mesmo falar de um novo fracasso. A Organização Não Governamental (ONG) internacional Amigos da Terra, por exemplo, argumenta que a reunião de Baku decepcionou a sociedade civil "e coloca em xeque as populações que sofrem e sofrerão os impactos da crise climática com desastres naturais cada vez mais devastadores" (https://www.tierra.org/finaliza-la-cop29-calderilla-para-la-financiacion-climatica-billones-para-las-falsas-soluciones-y-para-alimentar-el-genocidio-de-palestina/).
A COP29 ocorreu em dois contextos paralelos. Um, a própria capital do Azerbaijão, a sede física do evento que reuniu não apenas os delegados oficiais, mas também mais de 60 mil representantes de multinacionais, do campo financeiro, de instituições internacionais, além de inúmeras ONGs. O outro, os Estados Unidos, onde, em 20 de janeiro, um governo negacionista da mudança climática tomará posse. O tímido acordo alcançado em Baku poderia ser total ou parcialmente ignorado a partir de 21 de janeiro pelo novo governo da segunda nação mais poluidora do planeta, atrás apenas da China.
Para eventuais avanços nesse processo pró-clima em câmera lenta, teremos que esperar a COP30, em novembro de 2025, conferência a ser realizada em Belém do Pará, uma das portas de entrada para a Amazônia brasileira. Um ano essencial, quase perdido, se levarmos em conta o acelerado processo de aquecimento global que a cada dia, semana e mês se manifesta através de fenômenos meteorológicos de força pouco conhecida, desde a Dana (*), em Valência, e outras regiões da Espanha até os recentes furacões no Caribe e no sul dos Estados Unidos.
Nações Unidas, avaliação prudente
O Secretariado da Convenção-Marco das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, organização que, com 450 funcionários de cem países, é responsável por garantir essas conferências, considera o acordo de Baku sobre assistência financeira aos países em desenvolvimento uma conquista "de grande significado".
Formalmente conhecido como Nova Meta Coletiva Quantificada sobre Financiamento Climático (NCQG), nas palavras de Simon Stiell, secretário executivo dessa secretaria, esse acordo é "uma apólice de seguro para a humanidade em meio ao agravamento dos impactos climáticos que afetam todos os países". No entanto, e "como qualquer apólice de seguro", "só funciona se os prêmios forem pagos na totalidade e a tempo". "Promessas devem ser cumpridas para proteger bilhões de vidas".
Em relação às expectativas das nações que compareceram a Baku, Stiell admite que o acordo não satisfez totalmente a todas: "Nenhum país conseguiu tudo o que queria, e deixamos Baku com uma montanha de trabalho a fazer". Mas, ele acredita que, embora as muitas outras questões que ainda precisam ser feitas possam não ser espetaculares, elas ainda são "tábuas de salvação para bilhões de pessoas". E reconhece que esse não é "o momento de declarar vitória e que temos de nos concentrar e redobrar os esforços no caminho para Belém". Em outras palavras, de acordo com Stiell, esse é um caminho muito longo, embora outro passo importante tenha sido dado em Baku.
Por seu lado, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, considera que o documento de Baku é "essencial", embora reconheça que esperava um resultado mais ambicioso, quer em termos de financiamento, quer de mitigação, "para responder à magnitude do grande desafio que enfrentamos".
A COP29 também assumiu um compromisso com os mercados de carbono, algo que várias conferências anteriores não conseguiram alcançar. De acordo com o Secretariado da Convenção, esse compromisso "ajudará os países a cumprir seus planos climáticos de forma mais rápida e barata e a avançar mais rapidamente para reduzir pela metade as emissões globais nesta década, conforme exigido pela ciência" (https://unfccc.int/es/news/cop29-acuerda-triplicar-la-financiacion-a-los-paises-en-desarrollo-protegiendo-vidas-y-medios-de). Os mercados de carbono, assim como os chamados créditos de carbono, são mecanismos de compensação fortemente criticados por organizações ambientalistas. Eles estabelecem que uma empresa (ou um Estado, ou qualquer outra entidade) contrata uma empresa certificadora para calcular o efeito poluente de suas emissões. Com base nesse valor, a empresa paga por seu efeito nocivo com uma contraprestação chamada "crédito ambiental", que é usado para projetos que devem proteger o meio ambiente, geralmente em países da América Latina, África e Ásia.
Mistificadas por seus promotores, essas compensações deixam muito a desejar. Uma investigação independente promovida conjuntamente pelo jornal britânico The Guardian e pelo jornal alemão Die Zeit no ano passado os questionou seriamente. Tomando como exemplo os cálculos e certificações concedidos pela empresa Verra, a maior certificadora do mundo e com sede na cidade de Washington, a investigação jornalística determinou que "mais de 90% dessas compensações de carbono convertidas em projetos ambientais na floresta tropical são inúteis" devido à inadequação do padrão de carbono utilizado. Os padrões ambientais que a Verra certificou para grandes corporações, como Disney, Shell, Salesforce, BHP, EasyJet e Gucci, entre outras, são em grande parte "inúteis". Não só isso; eles também podem piorar o aquecimento global. (https://www.theguardian.com/environment/2023/jan/18/revealed-forest-carbon-offsets-biggest-provider-worthless-verra-aoe).
Crítica frontal da sociedade civil
A avaliação otimista das Nações Unidas sobre o que foi acordado em Baku em relação aos mercados de carbono foi demolida por várias organizações. Entre outros, a Amigos da Terra, uma ONG que argumenta que esse acordo permite que "os governos cumpram seus objetivos de mitigação por meio de falsas soluções, em vez de realmente reduzir suas emissões". E que "às empresas poluidoras [são permitidas] suas metas corporativas de lavagem verde (greenwashing**) enquanto continuam suas emissões fósseis".
De acordo com Amigos da Terra, essas falsas soluções incluem projetos de geoengenharia, como sistemas de captura e armazenamento de carbono terrestre e oceânico, bem como certos tipos de soluções baseadas na dinâmica natural. Por outro lado, a Amigos da Terra argumenta: "a aprovação de esquemas de compensação de carbono significa apropriação de terras, expulsão de comunidades camponesas e povos indígenas, violação dos direitos humanos, violência de gênero, perda de biodiversidade e ameaça à soberania alimentar". E lembra que cerca de 1.700 projetos anteriores foram incluídos no âmbito dessas compensações, "a maioria deles questionados [até] pela própria Comissão Europeia, para serem realizados nos países do Sul".
Em julho passado, oitenta organizações ambientais, de desenvolvimento e de direitos humanos de grande importância internacional –incluindo Amigos da Terra, Oxfam, Greenpeace e Anistia, entre outras– enviaram uma carta conjunta a governos e grandes empresas exigindo que parem de promover créditos de carbono. Mais radical do que outros documentos, a carta exige que esse tipo de instrumento financeiro seja retirado de qualquer mesa de negociação climática e, claro, das estratégias para alcançar os objetivos do Acordo de Paris.
"Permitir que empresas e países cumpram os compromissos climáticos por meio de créditos de carbono", argumenta a carta, "provavelmente retardará as reduções de emissões globais e não fornecerá nem perto da quantidade de financiamento necessária para o sul global". E acrescenta que "esse truque contábil permite que as empresas continuem emitindo a mesma quantidade de gases de efeito estufa, mas os subtraem de seus balanços investindo em projetos de captura, conservação ou reflorestamento".
Embora as críticas ao conteúdo e ao resultado da COP29, em Baku, sejam significativas, não menos são as acusações de seus silêncios e esquecimentos. Para David Knecht, especialista em clima da Action Lent Switzerland e um dos observadores presentes na cúpula, "a COP29 é um fracasso para a transição energética". Knecht critica a comunidade internacional por "não avançar com a eliminação gradual [redução consistente] dos combustíveis fósseis acordada no ano passado [na COP28, em Dubai]. O lobby dos combustíveis fósseis prevaleceu mais uma vez, em detrimento das populações mais vulneráveis".
A maneira como a cúpula se esquivou/evitou de modo astucioso e com artifícios uma questão tão essencial e crítica como a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, certamente, é quase um dos negócios inacabados mais preocupantes de Baku. Nada é coincidência: o Azerbaijão, o país anfitrião da cúpula, é um dos vinte principais exportadores de petróleo e o décimo segundo entre as potências produtoras de gás.
O conclave climático acaba de terminar sem dor ou glória. Os tempos estão encurtando. A terra continua a transpirar por todos os seus poros em uma sauna diária insalubre e autodestrutiva. E junto com a terra, toda criatura viva sofre.
Notas da tradução:
(*) As inundações que mataram centenas de pessoas na Espanha foram causadas por um sistema climático destrutivo conhecido localmente como DANA (Depressão Isolada de Alta Altitude).
(**) Ato de enganar ou confundir o público sobre as práticas sustentáveis de uma empresa ou os benefícios ambientais de um produto ou serviço.
Tradução: Rose Lima
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: