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    Chris Hedges

    Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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    O Alvorecer do Apocalipse

    A classe dominante global continua a nos forçar a marchar com as pernas presas na direção da extinção

    Árvores queimam em meio a um incêndio florestal perto de Landiras, França, em 13 de julho de 2022 (Foto: SDIS 33/Handout via REUTERS)

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    Nós fomos advertidos durante décadas sobre a marcha da morte na qual nos encontramos por causa do aquecimento global. E, no entanto, a classe dominante global continua a nos forçar a marchar com as pernas presas na direção da extinção.

    Por Chris Hedges em seu site. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

    A semana passada registrou ondas de calor de quebrar recordes em toda a Europa. Incêndios selvagens se alastraram na Espanha, em Portugal e na França. A brigada de incêndios de Londres vivenciou o seu dia mais ocupado desde a Segunda Guerra Mundial. O Reino Unido registrou mais de 40ºC no seu dia mais quente. Na China, mais de uma dúzia de cidades declararam a “mais alta advertência possível de calor” neste fim de semana, com mais de 900 milhões de pessoas na China suportando uma abrasadora onda de calor, juntamente com enchentes severas e deslizamentos de terra em vastas extensões no sul da China. Dezenas de pessoas morreram. Milhões de chineses foram deslocados. As perdas econômicas chegam a bilhões de yuan. As secas, que destruíram plantações, mataram animais e forçaram muitas pessoas a fugirem dos seus lares, criando uma fome potencial no leste da África. Nos EUA, mais de 100 milhões de pessoas estão sob alerta de calor excessivo em mais de duas dúzias de estados – com temperaturas entre 35-40ºC. Os incêndios selvagens destruíram milhares de hectares na Califórnia. Mais de 73% do estado de Novo México está sofrendo com secas “extremas” ou “severas”. Milhares de pessoas tiveram que fugir de incêndios nas matas próximas ao Parque Nacional Yosemite e 2.000 lares e negócios ficaram sem eletricidade.

    Não é que eles não tenham sido advertidos antes. Não é por falta de evidências científicas. Não é porque não podíamos ver a contínua degeneração ecológica e a extinção de espécies. E, no entanto, nós não agimos. O resultado será a morte em massa, com a quantidade de vítimas fazendo parecer mínimas as fúrias assassinas do fascismo, do Stalinismo e da China de Mao Tse Tung todas juntas. A resposta desesperada é queimar mais carvão, especialmente considerando os crescentes preços do gás natural e do petróleo, e prolongar a vida das usinas de energia nuclear para sustentar a economia e produzir ar fresco. Esta é uma resposta autodestrutiva. Joe Biden aprovou mais novas autorizações de extração de petróleo do que Donald Trump. Uma vez que comecem as faltas de energia elétrica, como na Índia, as ondas de calor cobrarão um preço sinistro.

    “Metade da humanidade está na zona de perigo – de enchentes, secas, tempestades e incêndio selvagens extremos”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, à reunião de ministros de 40 países para discutir a crise climática em 18 de julho. “Nenhuma nação está imune. No entanto, nós continuamos a alimentar o nosso vício de combustíveis fósseis”.

    “Nós temos uma escolha”, ele adicionou: “ação coletiva ou suicídio coletivo”.

    A Era do Antropoceno está se acelerando - a era dos humanos, a qual causou a extinção de tantas espécies de plantas e animais e a poluição do solo, do ar e dos oceanos. O nível dos oceanos está subindo três vezes mais rápido do que era previsto. O gelo do Ártico está desaparecendo em uma velocidade jamais prevista. Mesmo que nós consigamos parar as emissões de carbono hoje – já atingimos a taxa de 419 partes por milhão (ppm) – as concentrações de dióxido de carbono continuarão a aumentar para níveis tão altos quanto 550 ppm por causa do calor capturado pelos oceanos. Mesmo nos cenários mais otimistas, as temperaturas globais aumentarão pelo menos por mais um século. E isto presume que confrontemos esta crise. A Terra está ficando inabitável para a maior parte dos seres vivos.

    A temperatura global média subiu cerca de 1,1º Celsius desde 1880. Estamos nos aproximando do ponto de não-retorno de 2 graus Celsius – quando a biosfera estará tão degradada, que nada poderá nos salvar.

    Por décadas, a classe dominante negou a realidade da crise climática, nem sequer reconheceu a crise e nada fez. Nós sonambulamos a caminho da catástrofe. Ondas de calor recordes. Secas monstruosas. Mudanças de padrões de chuva. Declínio no rendimento das colheitas. Derretimento das calotas polares e das geleiras, resultando na elevação do nível dos mares. Enchentes. Incêndios selvagens. Pandemias. Quebra das cadeias de fornecimento. Migrações em massa. Expansão dos desertos. Acidificação dos oceanos que extingue a vida marinha, a fonte de alimento para bilhões de pessoas. Círculos de retroalimentação que farão uma catástrofe ambiental ser pior do que a anterior. O colapso não será linear. Estes são os prenúncios do futuro.

    A coerção social e o Estado de direito se desintegrarão. Isto já está ocorrendo em muitas partes do sul global. Uma segurança cruel e um aparato de vigilância, juntamente com uma polícia pesadamente militarizada, transformarão as nações industrializadas em fortalezas do clima, para manter fora delas os refugiados e evitar levantes feitos por um público cada vez mais desesperado. Os oligarcas reinantes se retirarão para dentro de condomínios protegidos, nos quais eles terão acesso a serviços e amenidades, incluindo comida, água e cuidados de saúde – os quais serão negados ao resto de nós.

    Votar, fazer lobby, petições, doar para grupos de lobby ambientalistas, campanhas de desinvestimento e protesto para forçar a classe dominante global a enfrentar a catástrofe climática, provaram ser não mais eficazes do que os supersticiosos apelos das vítimas de escrófula ao rei Henry VIII para curá-los com um toque real. Em 1900, a queima de combustível fóssil – principalmente carvão – produziu cerca de 2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono em um ano. Este número aumentou três vezes até 1950. Atualmente, o nível é 20 vezes mais alto do que o índice de 1900. Durante os últimos 60 anos, o aumento de CO2 foi estimado em 100 vezes mais rápido do que a Terra vivenciou durante a transição desde a última era do gelo.

    Na última vez em que a temperatura da Terra aumentou em 4 graus Celsius, as calotas polares não existiam e os mares estavam a centenas de metros acima dos seus atuais níveis.

    Você pode assistir a minha entrevista em duas partes com Roger Hallam, cofundador do grupo de resistência 'Extinction Rebellion', sobre a emergência climática aqui e aqui.

    Existem três modelos matemáticos para o futuro: a morte massiva de cerca de 70% da população humana e, depois, uma intranquila estabilização; a extinção dos humanos e da maior parte das outras espécies; uma imediata e radical reconfiguração da sociedade humana para proteger a biosfera. Este terceiro cenário depende de uma imediata cessação da produção e do consumo de combustíveis fósseis, e a conversão para uma dieta alimentar baseada em plantas para terminar com a indústria da agricultura animal - a qual é uma contribuinte quase tão grande quanto a indústria de combustíveis fósseis para a produção de gases-estufa -, o esverdeamento dos desertos e a restauração das florestas tropicais.

    Nós sabíamos, há décadas, o que o aproveitamento de um milhão de anos de luz solar armazenada na forma de carvão e petróleo faria ao clima. Tão cedo quanto os anos de 1930, o engenheiro britânico Guy Stewart Callendar sugeriu que o aumento de CO2 estava aquecendo o planeta. Ao final dos anos de 1970 e durante os anos de 1980, cientistas de empresas como Exxon e Shell determinaram que a queima de combustíveis fósseis estava contribuindo para o aumento da temperatura global.

    “Há uma preocupação entre alguns grupos científicos que, uma vez que os efeitos sejam mensuráveis, eles não podem ser reversíveis e pouco poderia ser feito para corrigir a situação a curto prazo”, assinala um relatório interno da direção da Exxon de 1982.

    Diretor da NASA, Dr. James Hansen declarou ao Senado Federal dos EUA em 1988 que o acúmulo de CO2 e outros gases era a causa do aumento do calor.

    No entanto, em 1989, a Exxon, a Shell e outras corporações de combustível fóssil decidiram que os riscos aos seus lucros causados por limitações na extração e no consumo de combustíveis fósseis era inaceitável. Eles investiram em lobbying e financiamento pesado de pesquisas falsas e campanhas de propaganda para desacreditar a ciência sobre a emergência climática.No seu livro 'Tropic of Chaos: Climate Change and the New Grography of Violence', Christian Parenti cita do relatório de 2007 “The Age of Consequences: The Foreign Policy and National Security Implications of Global Climate Change”, produzido pelo Center for Strategic and International Studies e o Center for a New American Security – uma declaração de R. James Woolsey, ex-diretor da CIA, na seção final do relatório:

    Num mundo que vê um aumento de dois metros no nível do mar, com enchentes contínuas a vir, um esforço extraordinário será exigido dos EUA, ou, efetivamente, de qualquer país, de olhar para além da sua própria salvação. Todas as maneiras pelas quais os seres humanos lidaram com desastres naturais no passado … podem se juntar em uma única conflagração: fúria pela incapacidade do governo em lidar com crises abruptas e imprevisíveis; fervor religioso, talvez até um aumento dramático dos cultos de fim-dos-tempos; hostilidade e violência com relação a migrantes e grupos de minorias, num tempo de mudança demográfica e um aumento das migrações globais; conflitos intra-estados e inter-estados sobre recursos, especialmente comida e água fresca. Provavelmente, o altruísmo e a generosidade serão embotados.

    Os lucros advindos dos combustíveis fósseis e o estilo de vida que a queima de combustíveis fósseis permitiu aos privilegiados do planeta, ultrapassam uma resposta racional. O futuro é homicida.

    No seu “Requiem for a Species: Why We Resist the Truth About Climate Change”, Clive Hamilton descreve um consolo sombrio que deriva da aceitação de que “é virtualmente certa uma mudança climática catastrófica”.

    “Porém, aceitar intelectualmente não é o mesmo que aceitar emocionalmente a possibilidade que o mundo, como o conhecemos, se dirige a um fim horrível”, escreve Hamilton. “O mesmo se dá com relação às nossas próprias mortes; todos nós 'aceitamos' que morreremos, mas é só quando a morte é iminente que nós confrontamos o verdadeiro significado da nossa mortalidade”.

    Aqueles que fazem campanhas ambientais – do Sierra Club ao 350.org – lamentavelmente leram erroneamente a classe dominante global, acreditando que ela poderia ser pressionada ou convencida a realizar as reconfigurações sísmicas para impedir o declínio para um inferno climático. Estas organizações climáticas acreditaram em empoderar as pessoas através da esperança, ainda que a esperança se baseasse numa mentira. Elas foram incapazes ou não estavam dispostas a falar a verdade. Estas “Polianas” climáticas – como Hamilton as chama - “adotaram a mesma tática dos traficantes do apocalipse, porém ao inverso. Ao invés de assumir um risco muito pequeno de desastre e exagerá-lo, eles assumem o risco muito alto do desastre e o minimizam.”

    Os seres humanos têm habitado cidades e Estados por 6.000 anos, “meros 0,2% dos dois milhões e meio de anos desde que o nosso primeiro ancestral afiou uma pedra”, assinala o antropologista Ronald Wright no seu livro 'A Short History of Progress'. A miríade de civilizações construídas nestes 6.000 anos decaiu e colapsou, a maior parte devido ao impensado esgotamento dos recursos naturais que os sustentaram.

    A mais recente iteração da civilização global foi dominada pelos europeus, que usaram a guerra industrial e o genocídio para controlar boa parte do planeta. Os europeus e os euro-americanos lançaram uma fúria global que durou 500 anos de conquistas, saques, pilhagens, exploração e poluição da Terra – bem como de matar as comunidades indígenas, os cuidadores do meio-ambiente por milhares de anos – que atrapalharam o caminho deles. A mania de infindáveis expansões econômicas e exploração, aceleradas pela Revolução Industrial de 250 anos atrás, se tornou uma maldição, uma sentença de morte. 

    Os antropólogos, incluindo Joseph Tainter no livro 'The Collapse of Complex Societies', Charles L. Redman em 'Human Impact on Ancient Environment' e Ronald Wright em 'A Short History of Progress', explicaram os padrões familiares que levaram ao colapso dos sistemas. Como escreve Tainter, as civilizações são “coisas frágeis e impermanentes”. Ele afirma que o colapso “é uma característica recorrente das sociedades humanas.”

    Desta vez, o planeta inteiro entrará em colapso. Com este colapso final, não haverá novas terras a explorar, novos povos a subjugar ou novas civilizações para substituir as antigas. Nós teremos usado todos os recursos do mundo, deixando o planeta tão desolado quanto os dias finais de uma Ilha da Páscoa desnuda.

    Durante toda a história humana, o colapso chega às sociedades complexas não muito tempo depois que elas atingem o seu período de maior magnificência e prosperidade. 

    “Um dos aspectos mais patéticos da história humana é que cada civilização se expressa mais pretensiosamente, composta os seus valores parciais e universais da maneira mais convincente e reivindica a imortalidade da sua existência finita no preciso momento quando a decadência que leva à morte já começou”, escreve o teólogo Reinhold Niebuhr no seu livro 'Beyond Tragedy: Essays on the Christian Interpretation of Tragedy'.

    As próprias coisas que causam a prosperidade das sociedades à curto prazo – especialmente as novas maneiras de explorar o meio-ambiente, como a invenção da irrigação, ou o uso de combustíveis fósseis – as conduzem ao desastre a longo prazo. Isto é o que Wright chama de “a armadilha do progresso.”

    “Nós pusemos em movimento uma máquina industrial de tamanha complexidade e tamanha dependência na expansão”, assinala Wright, “que nós não sabemos como fazer com menos ou nos mover para um estado estável em termos das nossas demandas da natureza.”

    As forças militares dos EUA, no intento de dominar o globo, são os maiores emissores institucionais de gases-estufa, segundo um relatório da Brown University. São estas as mesmas forças militares que chamaram o aquecimento global de um “multiplicador de ameaças” e “uma acelerador de instabilidade ou conflito”.

    A impotência que muitos sentirão face ao caos ecológico e econômico desencadeará ilusões coletivas adicionais – como as crenças fundamentalistas num deus ou deuses que voltarão à Terra para nos salvar. A direita cristã provê um refúgio para este pensamento mágico. Os cultos de crise se espalharam rapidamente entre as sociedades nativas americanas ao final do século XIX, à medida que os rebanhos de búfalos e as tribos remanescentes enfrentaram o extermínio. A Dança dos Fantasmas ofereceu a esperança que todos os horrores da civilização branca – as estradas de ferro, as unidades assassinas da cavalaria, os mercadores de madeira, os especuladores das minas, as odiadas agências tribais, o arame farpado, as metralhadoras e até mesmo o próprio homem branco – desapareceriam. A nossa estrutura psicológica não é diferente disso.

    A maior crise existencial do nosso tempo é estar disposto a aceitar a desolação que está em frente a nós e, ao mesmo tempo, resistir. A classe dominante global perdeu a sua legitimidade e a sua credibilidade. Isso demandará uma contínua desobediência civil de massas – como aquelas montadas pelo 'Extinction Rebellion' – para tirar os governantes globais do poder. Uma vez que os governantes nos vejam como uma ameaça real, eles se tornarão cruéis, até barbáricos, nos seus esforços para agarrar-se às suas posições de privilégio e poder. Pode ser que não tenhamos sucesso em parar a marcha da morte, porém deixaremos aqueles que vêm depois de nós, especialmente os nossos filhos, dizer que nós tentamos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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