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    Newton de Menezes Albuquerque

    Professor de Direito na Universidade Federal do Ceará (UFC)

    3 artigos

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    O Brasil ainda está aqui

    A arte por meio dos que fizeram "Ainda Estou Aqui" realizou a maior das realizações possíveis numa democracia

    Filme Ainda Estou Aqui (Foto: Divulgação)

    O filme "Ainda Estou Aqui" traduz a ideia dos tempos concomitantes de Trotsky, Benjamim, pois revela como o passado encontra-se aberto à disputa de sentido. E mais, como essa resignificação do passado inflete sobre o presente e as possibilidades de futuro.

    A vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro nos EUA, importante premiação internacional de cinema, é um desses eventos que tem o dom de abalar o tempo, reposicionar os atores históricos e nos incutir esperança em nosso enfrentamento à morte, à política destrutiva e horrenda do fascismo. Traz-nos o acalento dos bons afetos, do olhar amoroso, responsável, pleno de alteridade e de pertencimento à história. Um filme que arremessa os canibais sanguinários de 64 para o seu devido lugar de escórias abjetas da sociedade, enquanto redime as vidas dos democratas, vítimas das sevícias e golpes impressos em seus corpos civis.

    Diria que, nesse momento, a arte por meio dos que fizeram "Ainda Estou Aqui" realizou a maior das realizações possíveis numa democracia, a fusão anímica de almas e corpos numa espécie de ascese religiosa afirmativa de nossa existência coletiva. O filme "Ainda Estou Aqui" é um grito descomunal, uma explosão potente que estava contida, guardada no interior de nós, esperando para ganhar os espaços. Passamos longos quatro anos de hediondez, de fel, de bestialidade, de estupidez e degradação infinitas.

    O grito estava preso na garganta, os espectros do passado que nunca passaram vieram à tona, agitaram terra e céu, mexeram com nossas lembranças e expectativas. Precisávamos de algo que nos reconectasse enquanto povo, instigasse a crença na partilha de uma identidade para além de nossa solidão atomizada de meros consumidores dispersos, desmagificados.

    A arte , mais uma vez, nos salva, condensa tempos, toca em feridas e processos necessários para sermos o que precisamos ser, um projeto generoso de vida, de celebração ético-política de uma comunidade de iguais, diferentes em suas inúmeras expressões de ser.

    Há poucas horas de um triste aniversário de tentativa de golpe no 8 de Janeiro, da própria data do Golpe de 64 no fim de março, abre-se no horizonte um novo tempo para nos oportunizar um reencontro com nossa história profunda. O julgamento do mega criminoso, corrupto e golpista Jair Bolsonaro e seus asseclas civis e militares no ano de 2025 apresenta- se como um possível marco refundacional da democracia brasileira. Afinal, a democracia nativa sempre foi um mal-entendido, um arranjo frágil entre frações de uma burguesia compradora, genuflexa ao imperialismo e sem nenhum compromisso com o povo.

    Desde a instauração da República oligárquica até às sucessivas quarteladas e tuteladas experiências democratizantes que moldaram a parca institucionalização do Estado no Brasil, o que temos assistido é à inépcia do Estado Democrático de Direito em nossas terras. Constitucionalizações semânticas que mal roçavam às relações de poder materiais entre as classes, criando assim uma teratológica ambiência de brutal desigualdade entre sobrecidadãos e subcidadãos. Os ricos, latifundiários, rentistas, militares nunca dobraram-se à lei, às determinações normativas da Justiça. Punir severamente os golpistas do 8 de Janeiro, especialmente Bolsonaro e toda cadeia de comando que orquestrou o golpe, é um imperativo ético, político e, sobretudo, jurídico, essencial para rompermos com a trajetória infeliz de golpes e violências sistemáticas contra as maiorias populares e o princípio da soberania popular. E que seja consentânea com a hermenêutica concretizadora de direitos e garantias da cidadania inaugurada pela promulgação da Constituição de 88.

    Cortar o nó górdio que nos mantém atados à tradição autocrática, subalterna e plutocrática do país é uma premissa imprescindível para sermos contemporâneos com aquilo que queremos ser, uma democracia de verdade, fundada na ação política virtuosa e no cumprimento dos valores da liberdade, igualdade.

    Precisamos ter a coragem de Eunice Paiva, que arrostou o terror, a burrice, a violência desbragada de um regime fardado, pensando num país à altura da utopia democrática, civil, generosa para os seus, nossos filhos. Lutemos como mulheres, tenhamos a ousadia de levantar a voz contra a iniquidade, de dar trato ao sonho de olhos abertos, de pensar e construir um Brasil fiel a si mesmo, a utopia do comum, do Princípio Esperança do "Ainda Não" de Ernest Bloch que, por sua vez, nos lembra que o real ultrapassa o imediato, o dado, pois também é imaginação, utopia, devir. A tarefa urgente e ingente é desbloquear o futuro, reativar o tempo histórico, abrir-se ao engenho humano que cinzelou os projetos emancipatórios da democracia e do socialismo. Por isso mesmo, nunca esqueçamos " o Brasil e os brasileiros ainda estão aqui".

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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