O Brasil do Febeapá (ou a velha Patetocracia)
O que se vê por ora é a apoteose da selvageria em escala vertical, partindo do Governo Federal, se é que lhe cabe essa nomenclatura
Dia após dia, as barbaridades se repetem e, a cada nova sandice, aumenta a sensação de naturalização de tudo que aí está no Brasil outrora varonil.
O que se vê por ora é a apoteose da selvageria em escala vertical, partindo do Governo Federal, se é que lhe cabe essa nomenclatura, pois mais parece uma instituição literalmente desgovernada. O efeito dominó vem batendo andares abaixo e o resultado é visível com pequena atenção: o carnaval de barbaridades ocupa todas as manchetes, enquanto os abusos correm soltos e a recuperação econômica do país é zero, exceto em manipulações do sentimento do empresariado, "confiante no crescimento" enquanto as capitais brasileiras são tomadas pela milícia, pela desesperança e por milhões de pessoas carregando caixas de comida nas costas, enquanto pedalam bicicletas alugadas em troca de, talvez, um salário mínimo.
Em pouco mais de 36 horas, vê-se um presidente primitivo agredindo (mais uma vez) uma jornalista, um general rillhando os dentes contra a Câmara dos Deputados, um senador tacando uma retroescavadeira sobre uma grade cheia de pessoas atrás - e sendo baleado no peito! - e a volta à Idade Média da política brasileira, com Lula tendo contra si a Lei de Segurança Nacional, um artefato da ditadura, sendo obrigado a prestar depoimento em Brasília, em mais um ato de clara perseguição sob o manto do Ministro da Justiça, o mesmo que fez vista grossa para o assassinato de Marielle Franco e para Capitão Adriano, o miliciano fuzilado na Bahia cuja relação fraternal com o klan Bolsonaro tem vasta documentação pública.
E a barbaridade que cerca os temas nacionais se alastra por todos lados. Voltando algumas horas no tempo, temos os ataques à politizada atriz Alessandra Negrini por sua fantasia e pintura (também politizada) de índia num bloco e a problematização do Cacique de Ramos, Estado-Maior do samba com inúmeros serviços culturais prestados ao Brasil.
Não resta a menor dúvida: se fosse vivo, o espetacular cronista Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) estaria a mil por hora com inúmeras sacadas do Febeapá, o Festival de Besteira que Assola o País, criado nos anos 1960 e diretamente crítico às sandices dos tempos de chumbo. E outro gigante da crônica brasileira, Carlinhos Oliveira, aumentaria o arsenal literário de seu Diário da Patetocracia, livro publicado com crônicas suas sobre o malfadado ano de 1968.
Carlinhos, aliás, com o tempo e a proximidade da morte precoce, acabou se alinhando mais ao pensamento de direita que hoje reside no neoliberalismo. Mas é impossível imaginar que, sob qualquer hipótese, ele tivesse qualquer afinidade com o que hoje muitos brasileiros identificam como "direita" no desgoverno federal. O que vemos hoje não é uma diretriz de direita, mas sim uma mistura de necropolítica com fundamentalismo do empresariado neopentecostal, mais o horizonte estreito da militarização barata com princípios ditatoriais travestidos de legais.
O Brasil agoniza à própria sorte e estende seus braços na calçada pedindo ajuda. Parte da população mais abonada é alheia a qualquer tipo de empatia ou inclusão social, defendendo uma versão enrustida da escravidão. Outra parte está inerte, paralisada. A selvageria virou a regra, a economia nacional está sendo triturada, milhões de postos de trabalhos fechados são irrecuperáveis, dezenas de milhões de brasileiros padecem no desemprego e na precarização profissional, a Previdência está à deriva. É um cenário devastador.
Se ainda nos resta alguma migalha de esperança e alegria, pelo menos o Carnaval chegou para aliviar as mágoas. Que Alessandra Negrini continue a se fantasiar e brincar, linda que é, e que o Cacique de Ramos faça ecoar a força de suas percussões e vozes para aliviar o coração de muita gente. E que os desfiles na Sapucaí deem o recado para o mundo sobre o que estamos sofrendo, desde o dia em que foi anunciada a descoberta do pré-sal.
O Febeapá e a Patetocracia estão mais vivos do que nunca, mas chegou a hora de sair da inércia. O povo brasileiro precisa reagir ao mar de barbaridades que lhe soca o queixo. Aí estão os bravíssimos petroleiros que não nos deixam mentir, mesmo boicotados pela mídia conservadora.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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