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    Cândido Vaccarezza

    Dr. Cândido Vaccarezza é um médico e político formado pela Universidade Federal da Bahia e atualmente mora em São Paulo. Ele tem especializações em ginecologia e obstetrícia, saúde pública e saúde coletiva. Durante a pandemia, foi diretor do Hospital Ignácio P Gouveia, referência para o tratamento de Covid na Zona Leste de São Paulo. Como político, ele participou da luta pela democracia no Brasil na década de 1970 e foi deputado estadual e federal pelo PT. Além disso, ele também foi líder na Câmara do Governo Lula e Dilma e secretário de esporte e cultura em Mauá. Reg

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    O Brasil está ou não pegando fogo?

    "Bandidos, bêbados, desajustados, grileiros estão queimando as matas no Brasil", alerta Cândido Vaccarezza

    Incêndio no Pantanal (Foto: Joédson Alves / Agência Brasil)

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    No dia 17/09 líamos, estampado, no G1, poderia ser em qualquer site ou jornal brasileiro, “Desde o início do ano, 20 pessoas foram presas em flagrante pelo crime de incêndio e 122 inquéritos foram instaurados. O Corpo de Bombeiros também atua no combate e fiscalização das queimadas florestais. Foram aplicadas R$ 74 milhões em multas por uso irregular do fogo e 120 máquinas foram apreendidas”. Será que este enfoque é correto? 

    Há um mês, boa parte do noticiário das grandes mídias, tratam das prisões dos malfeitores, que aproveitando-se da secura, estão queimando propriedades e matas nativas em nosso país. O parlamento brasileiro e o governo começaram a discutir o endurecimento das leis para punir os queimadores. Será que estão no caminho certo? Acho que não, é claro que tem de ser aplicadas multas, prender quem infringe as leis e tomar outras medidas coercitivas; a questão é que não basta “enxugar gelo”. Quando fui parlamentar, sempre fui contra discutir e aprovar pacotes de leis no calor dos acontecimentos, contínuo contra. O Brasil tem leis demais, milhares conflitantes entre si e milhares conflitantes com a Constituição, além disso, nenhum pacote de lei, ou eventuais prisões, resolverá os problemas das queimadas. 

    É preciso compreender, com base em estudos científicos, o que está acontecendo e assumir as medidas políticas e administrativas para resolver ou equacionar a causa dos problemas. 

    Tudo indica que estamos vivendo um período de aquecimento global que começou há pouco mais de 10 mil anos, recentemente agravado pelo desenvolvimento industrial e a explosão das ações humanas, com a produção crescente dos chamados gases de efeito estufa, o que tem acelerado o ciclo natural/artificial da nossa Terra. Todos hão de se lembrar do ciclone Bhola, que atingiu mais de 1 milhão de pessoas e matou mais de 300 mil no Delta do Ganges em Bangldesh, em 1970; da grande inundação do Rio Amarelo em 1930 que matou centenas de milhares de pessoas na China e é considerado, até hoje, como uma das piores catástrofes ambientais; ou, entre nós, a grande seca do Nordeste, entre 1877 e 1879, que matou mais de 500 mil pessoas (5% da população total do país), a maior tragédia climática do Brasil, mesmo se considerarmos o sofrimento que vivemos recentemente no Rio Grande do Sul. Para ficar nos dias atuais, além das queimadas e das enchentes no Brasil neste ano, estamos acompanhando a tragédia com incêndios florestais em Portugal e chuvas torrenciais na Europa central, provocando dezenas de mortes e desabrigando milhares de pessoas. 

    Este cenário leva a alguns, por razões ideológicas e outros por interesses econômicos, a combaterem o novo agro brasileiro, ou a transformarem o debate sobre os fenômenos climáticos extremos e sobre o aquecimento global em uma trava ao desenvolvimento do Brasil. Temos que liberar a fronteira energética para produzir energia limpa, explorar, com proteção ao meio ambiente, toda a riqueza mineral à disposição do nosso país e criar uma infraestrutura de transporte para o Brasil. Estes pontos são fundamentais para o Brasil e devem ser a agenda a ser apresentada ao mundo. Somos exemplo de produção de energia limpa e exemplo de proteção ambiental. 

    O Doutor em ecologia e chefe geral da Embrapa Territorial, Evaristo de Miranda, em seu trabalho “Potência Agrícola Ambiental - Áreas cultivadas no Brasil e no mundo”, escreve: “Os europeus desmataram e exploraram intensamente o seu território. A Europa, sem a Rússia, detinha mais de 7% das florestas originais do Planeta. Hoje, ela possui apenas 0,1 %. A dimensão geográfica dos 563.736.030 hectares ou dos 5.637.360 km2 destinados hoje no Brasil à proteção, à preservação e à conservação da vegetação nativa representa uma área maior do que a superfície total dos 28 países da União Europeia. E ainda caberia um adicional de 3,6 Noruegas neste total”. Em outro trecho apresenta uma bela imagem sobre a forma como o Brasil produz alimentos: “o mundo rural brasileiro é, na prática, uma sucessão de ilhas e arquipélagos de cultivos e pastagens num imenso oceano de formações vegetais nativas, em diferentes estados de proteção, preservação e conservação. No Brasil, ao contrário do que ocorre na maioria dos países, não é a zona rural que contém manchas de florestas e de vegetação nativa; é a imensa e diversificada área de vegetação nativa que contém as atividades rurais. 

    O esforço para transição energética deve caber principalmente à China, que tem avançado muito para deixar de usar o carvão mineral e também para contribuir com a produção agrícola na África; aos Estados Unidos da América e à Europa, que deveriam abandonar os subsídios e as barreiras alfandegárias, o que permitiria a entrada de produtos ecologicamente sustentáveis produzidos em outras partes do mundo e retomar de forma vigorosa o reflorestamento das áreas devastadas. 

    Quanto a nós, precisamos num curto espaço de tempo tratar os resíduos que ainda são um fonte de poluição e prevenir os fenômenos climáticos adversos. Nosso país tem pelo menos 6 climas, melhor chamados de regiões climáticas, equatorial, semi árida, tropical, tropical de altitude e subtropical. Cada região desta “sofre” ou reage de uma forma diferente ao El Niño e à La Niña, com suas manifestações parcialmente previsíveis. Ao governo cabe, antes dos fenômenos adversos ocorrerem, tomar medidas preventivas, como, por exemplo, em vez de propagandas, às vezes estéreis, utilizar os meios de comunicação para educar a população a não jogar bituca de cigarro na estrada e denunciar um bandido que esteja se movimentando para tocar fogo na mata; disponibilizar técnicos agrícolas para populações que utilizam agricultura rudimentar e de sobrevivência para não fazerem coivaras, não queimarem a mata nem os lixos dos monturos; desenvolver sistemas de alerta e obras para prevenir catástrofes. 

    Bem, esta não é uma discussão sem solução, temos uma gama de ações que deveriam e deverão ser tomadas pelos diversos níveis de governo, para além da discussão ideológica entre “os negacionistas e os crentes do clima”. Precisamos também transformar a já tradicional COP, teremos a COP 29 no Azerbaijão e a COP 30 em Belém, num encontro de aprofundamento do debate científico sobre o clima. O Brasil deve apresentar a sua agenda para o mundo e deixar claro a nossa agenda: Desenvolvimento e proteção ao meio ambiente. 

    Yuval Noah Harari escreve em seu livro Sapiens: “A revolução agrícola é um dos eventos mais controversos da história. Alguns pensadores declaram que ela pôs a humanidade no caminho da prosperidade e do progresso. Outros insistem que nos conduziu à perdição. Para estes, foi o momento decisivo em que os sapiens abandonaram sua simbiose com a natureza e aceleraram rumo à ganância e à alienação. qualquer que tenha sido o caminho, não há como voltar. A agricultura e o pastoreio possibilitaram um crescimento populacional tão rápido e radical que nenhuma sociedade agrícola complexa teria condições de se sustentar caso retornasse à caça e à coleta. Por volta de 10 mil a.C, antes da transição para a agricultura, o planeta abrigava aproximadamente de 5 milhões a 8 milhões de coletores nômades. Já no primeiro século da era cristã, só restavam entre 1 milhão e 2 milhões de caçadores-coletores (sobretudo na Austrália, na américa e na África), mas este número era insignificante quando comparado aos 250 milhões de camponeses”

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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