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    Wilson Ramos Filho

    Jurista, professor e escritor

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    O capitalismo que conhecemos hoje nasceu com as bombas de Hiroshima e Nagasaki

    A Little Boy, de plutônio, e a Fat Man, de urânio, mataram cerca de 250 mil civis japoneses quando já estavam derrotados, por mera perversão destruidora. O capitalismo que conhecemos hoje nasceu com aquelas explosões.

    Hiroshima e Nagasaki (Foto: Reprodução)

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    As desnecessárias detonações atômicas em Hiroshima e Nagasaki em 1945 marcaram profundamente os estadunidenses nascidos nos anos seguintes. 

    A Little Boy, de plutônio, e a Fat Man, de urânio, mataram cerca de 250 mil civis japoneses quando já estavam derrotados, por mera perversão destruidora. O capitalismo que conhecemos hoje nasceu com aquelas explosões. 

    Terminada a guerra a economia norte-americana pôde se desenvolver rapidamente por falta de concorrência, com a Europa devastada, gerando o consequente aumento da produção interna de bens de luxo e da sacralização das futilidades com a criação da sociedade de consumo. Nos anos cinquenta essa se fez acompanhar de uma nova rebentação, a demográfica, nas classes médias, em fenômeno que foi denominado como Baby-boom, explosão de bebês. Essa nova realidade estadunidense foi bem capturada pelos filmes hollywoodianos do período, com seus carrões, uma confortável vida burguesa plena de máquinas para tudo, simbolizando uma nova maneira de existir em sociedade. 

    Surge o American Way of Life, fundado no consumo, no egoísmo, no cristianismo culpabilizador, na hipervalorização das liberdades individuais e na arrogância decorrente da avara acumulação de dinheiro, como motivo para viver.

    Os babyboomers, a geração nascida depois das bombas nucleares destruirem o Japão, não conheceram outra maneira de existir em sociedade. Mas não estavam satisfeitos. 

    Muitos jovens não se conformavam com os valores daquelas relações sociais. Percebiam que não faziam sentido. Não queriam fazer parte daquilo que denominavam como o “sistema”. 

    Vários movimentos de resistência cultural surgiram dessas contradições, o Beatnik (Jack Kerouac e seu On The Road), o Rock n Roll, a valorização dos mais diversos espiritualismos individualistas, a fuga da realidade pelo consumo de drogas lisérgicas, como exemplos, que confluíram para as grandes mobilizações antibelicistas nos anos sessenta até a realização de grandes festivais da juventude como o de Woodstock, no início dos setenta. 

    O sistema engendrava os germes de sua própria destruição, imaginaram vários teóricos contemporâneos da época. Não era bom viver naquele tipo de sociedade, a juventude não aceitava viver naquelas condições, não se identificava com os valores caretas das gerações anteriores e não estava disposta a desperdiçar a vida para fazer dinheiro, para consumir, para engordar e morrer. O “sistema” teve que se reinventar. Para pior. 

    A década de noventa representou o triunfo do neoliberalismo que hoje, com Guedes, nos açoita. A falida Harley-Davidson, na nova ética que se impôs, lançou um sucesso de vendas, a moto fatboy, síntese nada sutil dos nomes das duas bombas nucleares, para enfrentar a concorrência japonesa no setor. O capitalismo se renovava, com requintes de crueldade. As consequências de suas políticas estão na raiz da eclosão das recentes revoltas antirracistas nos EUA. Quanto mais descontrolado e desregulado o capitalismo gera maiores contradições. 

    Vivenciamos no Brasil atual algo que, remotamente, nos remete àquele momento de irresignações que se generalizam na juventude yankee nos anos sessenta. Não é bom viver na realidade brasileira atual. A caretice não combina com a juventude. Nem as interdições. Não é agradável ser negro em uma sociedade racista. Não é admissível o machismo. Não são suportáveis as proibições, as culpabilizações, as insensibilidades e as discriminações. O futuro não existe. A realidade bolsonara repugna e gera insatisfações, principalmente entre os mais jovens. 

    De um lado, assistimos estarrecidos demonstrações de boçalidade insubmissa e desumana, como os playboys no Leblon sem máscaras nos bares, em individualismo coerente com a conversa entre as dondocas Bia Dória e Val Marchiori em São Paulo que bombou nas redes. A negação da pandemia é também a negação da humanidade. Morra quem morrer, disse o prefeito de Itabuna; temos que reabrir o comércio apesar das mil e quinhentas mortes, alteiam as vozes do empresariado. Não é bom viver assim. 

    De outro lado, nas periferias, ninguém mais aguenta essa maneira de viver em sociedade. Jovens não ligam para a morte e para a violência. Acostumaram-se. Não sabem viver de outra forma. Sempre foram vítimas do capitalismo e do aparato repressivo estatal. O glamour da vida bandida, como opção também individual ao “sistema”, se apresenta como mais sedutor que a merda de vida de seus pais, de suas comunidades. 

    A maneira bolsonara de existir em sociedade é insuportável, intolerável, inadmissível, repugnante. A realidade não é sedutora nem para os playboys cariocas, nem para os periféricos, nem para os jovens que se encontram entre esses dois extremos. Não é bom viver no Brasil desde as heróicas jornadas de junho de 2013 que detonaram o futuro que tínhamos. Nesses sete anos o país só piorou. Uma bomba. Ou várias. Explosão. Não somos e não seremos os mesmos. Não viveremos como nossos pais. 

    Wilson Ramos Filho (Xixo), doutor em direito, integra o Instituto Defesa da Classe Trabalhadora

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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