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Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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O cavalo do Rio Grande do Sul e a onça da Amazônia: críticas a Flávio Dino são fruto de preconceito

Ministro do STF não dá entrevista, mas encontrou na rede social um jeito de responder com elegância aos ataques da imprensa

Dino, o cavalo caramelo e a onça (Foto: Divulgação | Rosinei Coutinho - 29.fev.2024/SCO/STF)

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O ministro Flávio Dino não tem dado entrevista, apesar das críticas injustas que tem sofrido do chamado mercado e de seus porta-vozes na imprensa e no mercado.

É um comportamento que contrasta com a carreira política que construiu ao longo de anos no Parlamento e no governo do Maranhão. Quando era juiz federal, também se destacou pela discrição.

Em geral, é o que se espera de um magistrado. Dino, porém, não tem se manifestado apenas nos autos.

Em sua rede social, ele tem dito o que pensa, num tom que nem de longe lembra o de um político habituado a tribunas.

Para bom entendedor, pingo é letra.

Quando começaram as críticas sobre o impacto fiscal de sua decisão que autoriza crédito extraordinário para combate a queimadas, ele publicou duas fotos no Instagram.

Uma era a do cavalo caramelo sobre um telhado no Rio Grande do Sul, a outra mostra uma onça pintada entre árvores queimadas na Amazônia.

Na legenda, escreveu: “A Emergência Climática em 2024: o cavalo Caramelo, a onça Caramelo.”

Qual era a efetiva mensagem de Dino? Não é preciso falar com ele para entender que apresentava ao mundo (ou ao mercado e seus porta-vozes) a equivalência entre duas tragédias.

Por que, em um caso, houve comoção nacional, e, em outro, nem tanto?

Por que, na terra do cavalo caramelo, a liberação de mais de 40 bilhões de reais em crédito extraordinário foi até elogiada e, no caso da Amazônia e do Pantanal, houve uma enxurrada de críticas pela decisão que autoriza liberar 500 milhões?

É óbvio que, por trás das críticas, está o preconceito regional e étnico.

Dino poderia publicar a foto de uma gaúcha descendente de europeus com olhos azuis e outra de uma mulher ribeirinha do norte do País.

Ninguém tem coragem de dizer que, no fundo, o mercado e seus porta-vozes na imprensa têm preços diferentes para a vida humana. Como diria George Orwell, alguns são mais iguais do que outros.

Nesta quarta-feira, Dino voltou a se manifestar no Instagram. Desta vez, publicou a foto da Suprema Corte dos EUA e escreveu:

“No Caso Dred Scott, julgado em 1857, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou que escravizados não eram cidadãos daquele país. No caso Brown, deliberado em 1954, a mesma Suprema Corte determinou o fim da segregação racial nas escolas, superando a doutrina ‘separados mas iguais’”.

Em seguida, arrematou: “São lembranças de grande importância e atualidade quando analisamos temas concernentes a desigualdades sociais e regionais, que devem ser enfrentadas (artigo 3º, incisos I e III, da Constituição Federal).”

A postagem complementa a anterior, a da cavalo caramelo e a onça pintada (ou caramelo). Pela Constituição brasileira, enfrentar as desigualdades regionais e sociais não é só uma possibilidade, mas uma obrigação do Estado.

Para quem critica Dino por um suposto ativismo judicial ou a usurpação de outros poderes, ele respondeu com uma terceira postagem, desta vez no Blue Sky, com print publicado no Instagram:

“Tenho estudado sobre processos estruturais e as técnicas para boa execução das decisões judiciais daí derivadas. O Caso Brown (1954) nos EUA é importante, pois a intervenção do Judiciário foi decisiva para o enfrentamento ao racismo nas escolas. Há também ótimos exemplos no Brasil, alguns em curso”.

O caso Brown v. Board of Education, decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1954, foi um marco na luta contra a segregação racial. Ele desafiou a doutrina "separados, mas iguais", estabelecida no caso Plessy v. Ferguson em 1896, que permitia a segregação em escolas públicas.

No caso Brown, um grupo de pais de estudantes afro-americanos, liderados por Oliver Brown, argumentou que a segregação nas escolas era inerentemente desigual e prejudicial ao desenvolvimento das crianças.

A Corte, por unanimidade, decidiu que a segregação racial nas escolas violava a Cláusula de Igualdade da 14a. Emenda, reconhecendo que a segregação gerava sentimentos de inferioridade entre crianças afro-americanas. Essa decisão foi crucial para o movimento dos direitos civis, pois não apenas desmantelou a segregação nas escolas, mas também forneceu um impulso legal e moral para a luta contra o racismo em outras esferas da sociedade americana.

Nos primeiros anos, houve resistência de algumas cidades à adoção de medidas que colocassem crianças e adolescentes negros na mesma sala de aula dos brancos.

A Suprema Corte interveio e depois delegou a juízes locais que acompanhassem a implementação da medida.

Dino, no complemento da postagem, escreveu que, no Brasil, a implantação de decisões judiciais também são acompanhadas por magistrados.

Muitos dos porta-vozes do mercado acusam Dino de ativismo judicial por determinar o cumprimento de uma decisão do STF de março deste ano, em ação que deu entrada na corte em 2021.

Esses mesmos que atacam o ministro costumam ter os Estados Unidos da América como modelo de democracia. Ora, o que faz Dino agora em relação às queimadas é o mesmo que a Suprema Corte de lá fez há 70 anos.

Ele finaliza uma de suas postagens mais recentes assim:

“No acervo de processos estruturais em curso, há casos de políticas públicas sobre transparência em execução orçamentária, pessoas com deficiência, sistema penitenciário, demarcação de terras indígenas, políticas ambientais efetivas, entre outros. É curioso como debates de antigos períodos da Suprema Corte dos Estados Unidos agora se repetem no Brasil. Homenageio os doutrinadores que têm estudado o tema entre nós.”

A decisão de não dar entrevista não impede Dino de dar satisfação de seus atos diretamente ao público. Assim, ele não fica refém do jornalismo inepto ou desonesto.

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