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Marcia Tiburi

Professora de Filosofia, escritora, artista visual

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O coach é o pastor do neoliberalismo

"Surgirão nos próximos pleitos mais tipos como esse que misturam economia e religião num discurso de empoderamento", avalia Marcia Tiburi

Pablo Marçal (Foto: Reprodução/Instagram de Pablo Marçal via ABr)

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Max Weber disse que o capitalismo gera os corpos de que precisa para se manter. Assim, em seu processo histórico surgem profissões e profissionais adequados ao sistema a todo momento.

Uma das novas profissões do capitalismo em seu estágio neoliberal é a profissão de “coach”. Recentemente, um deles migrou da esfera do empreendedorismo e se tornou famoso como candidato a prefeito de São Paulo. Pode parecer apenas um reposicionamento profissional do campo da economia ‘empreendendorista’ para o campo da política, ou da impostura à demagogia se olharmos com lentes morais e políticas. De fato, o candidato em questão representou a caricatura da passagem do homem de negócios ao poder político – típica da política brasileira - que deveria ser tão proibida como a passagem que o setor religioso tem feito ao campo dos cargos eletivos. De fato, o candidato misturava em seu discurso a promessa de enriquecimento com a crença em Deus, no típico jogo da teologia da prosperidade.

Com a destruição da política reduzida à publicidade, surgirão nos próximos pleitos mais e mais tipos como esse que misturam economia e religião num discurso de empoderamento baseado na autoconfiança e na confiança em Deus. O que não fica claro para todos é que esses tipos agem contra a democracia se aproveitando de suas fragilidades, dentre as quais podemos contar a pobreza e a ameaça à laicidade.

O coach vende facilitações. Originalmente, “coaching” significa acompanhamento. Quando um trabalhador de uma empresa, seja líder ou subalterno, considera necessária uma orientação pessoal e profissional para assuntos pessoais, ele chama um coach que o escuta e lhe dá conselhos. O coach parece um psicólogo, mas pode ser também uma espécie de padre ouvindo confissões e fazendo sugestões e recomendações para alguém sobre como seguir na sua vida profissional. O coach não está preocupado com o todo da personalidade de alguém, como deve estar um psicólogo, pois o indivíduo como um todo e suas complexidades não importam na era do homo oeconomicus; nem determina penitências como o padre, pois a religião do capitalismo não precisa de penitências. O capitalismo já é a própria penitência. Ele é o inferno na terra e, para suportá-lo, é preciso confiar no próprio taco, ou seja, auto-iludir-se diariamente de que será possível sobreviver apesar dos pesares, que não são poucos. O poderoso engravatado que opera no mercado financeiro não precisa de Deus nesse processo, pois ele tem a tradição, a família, a propriedade, séculos de capital acumulado na forma de branquitude, educação, cultura e oportunidades infinitas. Mas o pobre que dirige uma motocicleta nas rodovias sob risco de vida e sem direitos precisa acreditar em Deus. Como Deus nem sempre ajuda, tudo fica ainda mais difícil. Parte-se então para algo mais direto que se oferece à sua frente pleno de crenças no poder pessoal. O velho individualismo burguês foi atualizado no “precariado” sobrecarregado da pseudo energia positiva do pensamento mágico. O coach vem a ser o que há de mais próximo do psicanalista, do padre, do “guru” ou do messias, o salvador da Pátria ameaçada para o pobre coitado que teve a sua capacidade de pensar sequestrada por um sistema que avança sobre o corpo maltratado e desesperado. O capitalismo neoliberal precisa do medo de cada um e do mascaramento desse medo através da confiança em si, para poder se manter em seu curso.

O capitalismo neoliberal não é apenas uma ideologia que oculta seu funcionamento, como acontece com toda ideologia, mas uma espécie de religião que precisa se instaurar na vida de cada um de modo ritual através da dedicação total ao trabalho – mesmo sem direitos e sem condições dignas - e do consumismo, ele mesmo transformado em projeto de vida. As igrejas do mercado com seus pastores – que vendem Deus e Jesus como se fossem um sofá novo em prestações das Casas Bahia -, nada mais são do que mercado da fé no contexto da fé no mercado. O coach é o pastor do neoliberalismo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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