O colapso da democracia brasileira: a deterioração do Sistema Partidário e Eleitoral e a necessidade de reformas estruturais
Sem essas reformas, a democracia brasileira continuará presa a um ciclo vicioso de superficialidade, manipulação e desinformação.
A democracia brasileira está à beira de um colapso enfrentando uma crise profunda, em que grande parte dessa deterioração se deve à fragilidade estrutural dos partidos políticos e do sistema partidário eleitoral. O sistema político, que deveria ser uma plataforma para o debate de ideias e a escolha de programas de governo coerentes, foi transformado em um palco de espetáculos midiáticos, marketing barato e culto à personalidade. Isso compromete a capacidade de os eleitores fazerem escolhas informadas e minou o papel dos partidos como mediadores da representação popular. É necessário constatar como o Brasil chegou a essa situação e como o fortalecimento dos partidos e a despersonalização da política podem ser soluções viáveis, para desfazer a crise política/democrática.
A crise atual no sistema partidário e eleitoral brasileiro não é um fenômeno novo, mas sim o acúmulo de uma série de problemas históricos. Durante a República Velha (1889-1930), o sistema político era fortemente dominado pelo coronelismo, no qual lideranças locais controlavam o voto de forma personalizada e autoritária. Após o fim da ditadura militar (1964-1985), a redemocratização trouxe a expectativa de um sistema mais aberto e plural. No entanto, o multipartidarismo que surgiu após 1988, ao invés de consolidar partidos com ideologias e programas claros, aqui excetuando-se apenas um ou dois, resultou em uma fragmentação excessiva, com siglas que frequentemente servem apenas para acomodar interesses regionais e oportunistas. Terminando com a vergonhosa articulação de interesses escusos, na manipulação legislativa, para fins de atender interesses particulares de parlamentares e membros do executivo, naquilo que veio a ser denominado por “Centrão”, agrupamento fisiológico de parlamentares no Congresso Nacional Brasileiro.
Esse processo é agravado pela cultura política brasileira, que historicamente tem favorecido o personalismo. Desde o período Vargas até as eleições presidenciais recentes, a figura do "salvador da pátria" tem sido recorrente. Candidatos são eleitos mais pela sua popularidade pessoal do que por representarem projetos coletivos ou programas partidários sólidos. Essa tendência resultou em uma democracia enfraquecida, na qual os partidos não conseguem atuar como vetores de transformação política e social.
Em contraste, muitos países com sistemas democráticos sólidos conseguiram superar essa crise de personalismo ao estruturar seus sistemas políticos em torno de partidos fortes e programas de governo claros. A Alemanha, por exemplo, adota um sistema de representação proporcional mista, no qual os partidos são obrigados a apresentar plataformas detalhadas para obter o apoio dos eleitores. O sistema eleitoral alemão exige que os partidos formem coalizões com base em programas, e os eleitores votam não apenas em indivíduos, mas também em ideias e soluções concretas. Essa organização favorece a despersonalização da política, pois os partidos, e não apenas os candidatos, são responsabilizados pelo cumprimento dos compromissos assumidos durante as campanhas.
Na Suécia, o sistema eleitoral também é centrado em partidos políticos sólidos, onde os eleitores votam principalmente em plataformas partidárias e menos em indivíduos. O sistema sueco favorece a formação de coalizões e alianças baseadas em compromissos programáticos, forçando os partidos a buscar consenso e a articular claramente suas propostas antes de cada eleição. Esse modelo se mostrou eficaz ao manter o debate público focado em políticas públicas e propostas de governança, ao invés de personalidades políticas carismáticas.
No Reino Unido, o sistema de Westminster, baseado na eleição de representantes locais para o Parlamento, também impõe um forte vínculo entre o partido e o eleitor. Embora candidatos individuais desempenhem um papel relevante, é a força do partido e suas propostas que predominam no debate eleitoral. Essa estrutura garante que a política seja mais programática e menos centrada em figuras públicas.
A despersonalização da política no Brasil é uma condição necessária para a recuperação da legitimidade democrática. Um dos principais problemas do sistema atual é que o debate eleitoral se concentra quase exclusivamente na figura dos candidatos, em vez de discutir os programas e propostas que eles representam. Essa ênfase no personalismo torna a política refém de celebridades e figuras carismáticas, enquanto os partidos são rebaixados a meros veículos eleitorais sem identidade programática.
O caminho para despersonalizar a política passa pelo fortalecimento dos partidos e a institucionalização do voto em programas de governo, ao invés de votar-se em pessoas. A proposta de um sistema em que o voto não seja dado diretamente a candidatos, mas a partidos que apresentem programas de governo detalhados, poderia transformar a dinâmica eleitoral no Brasil. Nesse modelo, os partidos que tivessem seus programas mais votados seriam responsáveis por indicar os ocupantes dos cargos no Executivo e Legislativo, baseados em critérios de competência e alinhamento com o programa aprovado nas urnas.
Uma das vantagens desse sistema é que ele criaria um vínculo mais direto entre as promessas eleitorais e a prática governamental. Se os partidos não cumprissem as metas e promessas de seus programas, poderiam perder o controle das funções para as quais foram indicados. Isso exigiria a adoção de uma cláusula de perda de mandato, que determinaria a destituição de políticos que se desviassem de maneira flagrante das diretrizes aprovadas pelos eleitores. Com essa medida, o controle democrático sobre os partidos e suas ações seria fortalecido, gerando um ciclo virtuoso de responsabilidade política.
A implementação de uma cláusula de desempenho rigorosa — como já existe em alguns países europeus com sistemas de voto proporcional — obrigaria os partidos a se comprometerem mais fortemente com suas plataformas, sob risco de perderem cargos e influência. Além disso, essa mudança traria um debate mais sério sobre políticas públicas, uma vez que os partidos teriam que disputar votos com base em programas de governo factíveis e detalhados, não em promessas vazias ou no apelo pessoal de figuras midiáticas.
Outro ponto que precisa ser atacado com veemência é o impacto destrutivo do marketing político desenfreado e das fake news no processo eleitoral. O Brasil tem visto o aumento alarmante de campanhas eleitorais transformadas em espetáculos de marketing, onde a substância política é suprimida em favor de uma narrativa cuidadosamente construída para apelar às emoções mais básicas do eleitorado. Pior ainda, a proliferação de notícias falsas e a manipulação desenfreada da opinião pública nas redes sociais comprometem o processo democrático em sua essência.
Nas eleições de 2018, o uso de fake news foi um dos fatores mais críticos na decisão final, criando um ambiente em que o debate político foi sufocado por mentiras e desinformação. Esse fenômeno corroeu a confiança nas instituições, dificultou a formulação de propostas reais e alimentou a polarização política extrema. É imperativo que haja uma regulação mais rígida sobre a atuação das redes sociais durante as campanhas eleitorais, impondo sanções severas para candidatos ou partidos que se beneficiem de desinformação deliberada.
Aquilo que se pronunciou com força, em 2018, retomou com uma força muito mais perigosa nessas eleições municipais de 2024, especialmente na análise do Pleito da cidade de São Paulo, em que para além de fake News e promoção midiática, via redes sociais, pode-se identificar, também, a infiltração de grupos criminosos organizados na disputa eleitoral subvertendo, assim, toda a ordem democrática, que admite a disputa antagônica de interesses políticos, mas não se pode ter por legítimo no espectro democrático, que os interesses da criminalidade esteja disputando um espaço político de atuação.
Agora, que se inicia 2025, os pré-candidatos à presidência, em 2026, começam a se despontar. E os nomes seguem a via da popularidade descasada de qualquer base de sustentação política/ideológica, qual viria em suporte a um coletivo de idéias debatidas e amadurecidas com segmentos sociais. Vêm na mesma linha em que se elegeu Bolsonaro, no Brasil e Zelensky e Milei, no exterior e a candidatura à prefeito da cidade de São Paulo de Pablo Marçal. É o que se conclui com o lançamento da pré-candidatura à presidência, do cantor Gusttavo Lima.
A regulamentação do uso das redes sociais, combinada com uma responsabilização clara dos partidos em relação ao cumprimento de seus programas de governo, seria uma estratégia dupla para mitigar o impacto negativo da desinformação e fortalecer a democracia.
O sistema político brasileiro, tal como está organizado, está falhando em entregar uma democracia de qualidade. A fragmentação partidária, o personalismo exacerbado e o uso desenfreado de marketing político e fake news estão minando a essência do processo democrático. A solução para esses problemas passa por uma reforma profunda do sistema eleitoral, com ênfase no fortalecimento dos partidos e na despersonalização da política.
A adoção de um modelo eleitoral centrado em programas de governo, como existe em sistemas mais robustos como os da Alemanha e da Suécia, garantiria que os eleitores pudessem votar em projetos e soluções concretas, e não em figuras midiáticas ou populistas. Além disso, a criação de mecanismos para jungir os partidos pelo cumprimento dos programas eleitos — como a cláusula de perda de mandato em caso de descumprimento — traria uma nova dimensão de responsabilidade ao processo político brasileiro.
Sem essas reformas, a democracia brasileira continuará presa a um ciclo vicioso de superficialidade, manipulação e desinformação. A mudança é urgente e necessária para que o Brasil possa construir uma democracia mais sólida, baseada em ideias e projetos de governo, e não no espetáculo vazio do personalismo político.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: