O colapso da pesquisa científica: um olhar sobre a censura nos EUA e no Brasil
No Brasil, de 2013 até as últimas semanas, ocorreram várias situações de censura e interferência política nos espaços acadêmicos
Março de 2025 trouxe revelações alarmantes da comunidade científica, especialmente sobre os recentes acontecimentos em uma conferência de pesquisa em Orlando, Flórida, conforme compartilhado por uma pessoa preocupada, cujo parente participou do evento do National Institute of Health (NIH). O que deveria ser um evento focado em avanços nas ciências neurológicas, especificamente sobre a pesquisa auditiva, transformou-se em um pesadelo para muitos pesquisadores.
No centro da controvérsia estava uma sessão dedicada a entender a "diversidade de disparo de aferentes na cóclea", que, apesar de seu foco científico, foi cancelada depois que alguns participantes interpretaram erroneamente o termo "diversidade" como parte de uma agenda de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI). Para piorar a situação, moradores do hotel que usavam chapéus MAGA (Make America Great Again) supostamente vandalizaram cartazes do evento. A situação se agravou ainda mais quando os pesquisadores foram informados de que suas oportunidades de pós-doutorado estavam sendo revogadas e que o financiamento previamente conquistado estava sendo retirado. As novas restrições, que também incluíam um bloqueio de comunicação dentro do NIH, atrasaram ainda mais as decisões sobre quais pesquisas críticas seriam financiadas, incluindo estudos nas áreas de câncer, doenças cardíacas e diabetes.
Este incidente é um lembrete claro da crescente tensão entre a ciência, a política e as agendas sociais. Pesquisadores nos EUA expressaram que este momento se assemelha a um "funeral para a área". Seu trabalho, anos de financiamento e oportunidades de carreira parecem estar por um fio devido à interferência política. O fechamento da comunicação e das decisões sobre pesquisas impacta diretamente a capacidade da comunidade científica de trabalhar de forma colaborativa e avançar com descobertas imparciais, ameaçando o cerne da liberdade de expressão e a busca pelo conhecimento.
Curiosamente, as preocupações levantadas na Flórida têm paralelos com uma tendência preocupante observada no Brasil ao longo da última década, uma situação que tem afetado progressivamente a comunidade de pesquisadores no país. No Brasil, de 2013 até as últimas semanas, ocorreram várias situações de censura e interferência política nos espaços acadêmicos, particularmente no que diz respeito à repressão de pesquisas controversas ou politicamente sensíveis. Esses problemas foram particularmente notáveis no contexto dos estudos ambientais e das ciências sociais, onde pesquisadores que estudavam questões como direitos indígenas, uso da terra e o impacto do desmatamento enfrentaram obstáculos crescentes.
Assim como a situação na conferência do NIH, os pesquisadores brasileiros se viram sob pressão para alinhar suas descobertas com as políticas governamentais, o que frequentemente envolvia limitar o acesso ao financiamento para projetos considerados politicamente desfavoráveis. As agendas de pesquisa foram estrategicamente alteradas, com certos temas sendo marginalizados devido ao potencial de criticar as ações do governo ou desafiar o status quo.
Um exemplo notável é a indignação pública em torno do corte de financiamento de projetos ambientais relacionados à Amazônia. Nos últimos anos, o financiamento para esses estudos críticos foi drasticamente reduzido, e acadêmicos que trabalhavam nessas áreas relataram crescente dificuldade para publicar suas descobertas, com alguns até recebendo ameaças pessoais por seu trabalho. A comunidade científica brasileira, assim como seus colegas norte-americanos, expressou temores de se tornar cada vez mais isolada do discurso científico internacional e ser negada a oportunidade de colaboração devido a barreiras políticas.
A interseção desses dois casos - um que ocorre nos EUA e o outro que se estende por mais de uma década no Brasil - revela uma tendência global preocupante: a erosão da liberdade acadêmica e a politização da ciência. Em ambos os casos, a comunidade acadêmica teve que navegar por um campo minado de pressões ideológicas que ameaçam redefinir a natureza da pesquisa científica. Seja o cancelamento de palestras de pesquisa em Orlando ou o corte de financiamento de estudos ambientais no Brasil, o efeito de congelamento sobre a investigação intelectual é inegável.
O fio condutor entre esses dois casos é a crescente influência de ideologias políticas sobre a pesquisa, o que, em última instância, mina a objetividade e a independência que deveriam caracterizar a investigação científica. Se essas tendências continuarem, é provável que o mundo enfrente um futuro onde a ciência não seja mais uma busca pela verdade imparcial, mas um campo de batalha para o controle político.
Como os eventos em Orlando demonstraram, e como as lutas contínuas no Brasil destacam, está se tornando cada vez mais difícil para os cientistas realizarem seu trabalho livremente, sem medo de repercussões políticas. Agora, mais do que nunca, é crucial que os indivíduos da comunidade científica - e o público em geral - reconheçam os riscos envolvidos na defesa da liberdade acadêmica, especialmente à medida que as linhas entre política e ciência continuam a se borrar.
Nas palavras da pessoa que compartilhou a história da conferência na Flórida: "precisamos usar essa plataforma para espalhar a palavra enquanto ainda podemos”. Se falharmos em reconhecer a gravidade desses eventos, logo podemos nos ver incapazes de compartilhar a verdade, assim como muitos pesquisadores nos EUA e no Brasil estão enfrentando hoje.
Referência: infográfico disponibilizado pela plataforma Observatória, projeto da Diadorim com apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos.
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