O Congresso Nacional não representa nem o povo, nem a Federação. É reacionário, amoral e aético
“Há uma sensação de apoio popular ao atraso legislativo. Equívoco. Há, na verdade, um grande mal-estar para a política”, escreve Costa Pinto
Na segunda-feira, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que se vende como aliado do Governo e posa de jurista (jurista de quermesse católica, esteja bem entendido!), espetou no Tesouro Nacional uma conta de R$ 10 bilhões. Ao renovar por 60 dias a vigência da Medida Provisória 1202 sem, contudo, revalidar o fim da desoneração da folha de pagamentos para cerca de 5.400 municípios brasileiros que têm menos de 156 mil habitantes, Pacheco descumpriu um acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e impactou vorazmente as contas públicas.
Ainda esta semana, o senador levará ao plenário da Casa que preside a proposta de emenda constitucional urdida por ele mesmo que criminaliza o uso de maconha e deixa de diferenciar para fins de abordagem policial e de aplicação de penas o usuário (dependente químico, ou não) do traficante de drogas. O dispositivo é um retrocesso absurdo a ser inscrito na legislação e uma clara afronta ao Supremo Tribunal Federal que está às voltas com um julgamento interrompido acerca do tema – com maioria quase forma em torno de tese diametralmente oposta à tendência punitivista, draconiana, socialmente perversa e inútil do Senado.
Na Câmara dos Deputados, o presidente do colegiado, Arthur Lira (PP-AL), sequestrou a agenda de administração orçamentária e negocia pontualmente, dia a dia, assunto a assunto, as prioridades de gestão do Governo. Avesso a se vender como aliado de um presidente da República cuja eleição combateu (sou um aliado de Jair Bolsonaro, dizia nos palanques de 2022 na sua Alagoas), aluga a lealdade às teses governistas a taxas nada módicas que lhe permitem conservar um poder imperial no Legislativo. Assim, os deputados têm atrasado sistematicamente a vigência de tópicos da Reforma Tributária já aprovada no Parlamento.
O Ministério da Saúde se vê refém das chantagens cotidianas assacadas por Lira e por sua tropa de choque entrincheirada nas legendas que compõe o gelatinoso “centrão” contra a ministra Nísia Trindade e o secretário-executivo da pasta Swedenberger Barbosa, em particular, e o Partido dos Trabalhadores, em geral. À guisa de uma cobrança direta de resgate, essa tropa de choque a ingovernabilidade e do anti-republicanismo aluga, lance a lance, o soerguimento das dificuldades que eles mesmos criam para o Governo na gestão das carências sanitárias vitais para a população. Como se não bastasse, a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou em Arthur Lira um risonho patrono para a causa infame da “anistia” urdida como panaceia destinada a favorecer os golpistas da intentona antidemocrática de 2023 e da tragédia que foram os “Anos Temer&Bolsonaro”.
O fato é simples e o diagnóstico, transparente: o Parlamento brasileiro, constituído por Câmara dos Deputados e Senado Federal, está fora da sintonia dos anseios da maioria do povo – que votou em Lula e o elegeu para um terceiro mandato presidencial em 2022 – e das urgências legislativas tão necessárias no processo de saída do fundo do poço institucional em que fomos atolados de 2016 a 2022. A um alto custo de latim, paciência e sanidade mental o vice-presidente Geraldo Alckmin, o ministro Fernando Haddad, as ministras Simone Tebet e Marina Silva, o Ministério da Justiça (nas administrações Lewandowski e Dino) e a Advocacia-Geral da União têm logrado êxito nas negociações com os parlamentares no intuito de desarmar as armadilhas deixadas pelos trágicos dois últimos “presidentes” da República e remontar, devolvendo-lhe institucionalidade, o Estado.
Outros ministros, porém, não conseguem avançar em suas negociações com deputados e senadores – seja porque são vítimas do desapreço congressual, seja porque não têm as manhas do uso das manhas e ferramentas do Parlamento, seja porque não dispõe da inesgotável paciência dos citados. Porém, não se pode negar que o Congresso Nacional não representa nem o povo, nem a Federação brasileira. Apresenta-se como uma instituição reacionária, amoral e aético nas pautas que prioriza e cínica na simbiose que estruturou com determinados setores da mídia tradicional. Em razão desse convívio simbiótico, expressado até na formulação das perguntas de pesquisas de opinião pública depois veiculadas com estardalhaço pelos próprios veículos que integram esse esgoto midiático, há uma sensação de apoio popular ao atraso legislativo. Equívoco. Há, na verdade, um grande mal-estar para a política. Isso é muito perigoso: é a véspera de grandes e vertiginosas mudanças – nem sempre para melhor.
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