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    Marilza De Melo Foucher

    Economista e jornalista. Colabora com o Brasil 247 e outros jornais no Brasil, é colaboradora e blogueira do Mediapart em Paris

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    O coronavírus retira a máscara da ideologia neoliberal

    Hoje com a crise sanitária provocada pelo Coronavírus, tanto o sistema econômico neoliberal como a sua ideologia não podem ser sustentáveis

    (Foto: Christian Hartmann/REUTERS)

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    Vou ousar uma reflexão sobre a relação da pandemia mundial do Coronavírus com a crise da globalização econômica. Sabe-se que a organização da governança mundial hoje se funda sobre a economia, que passa a ser predominante e prioritária acima do interesse do bem comum, tendo em vista que este modo imposto de governança provocou a morte brutal do Estado Providência. 

    Vou iniciar este texto de reflexão com algumas questões: Por que se fala que a pandemia vai afetar a economia mundial, no lugar de dizer que ela afetará a vida de milhares de humanos no planeta terra? 

    Por que não nos aproveitamos da expansão do Coronavírus para analisar a crise humanitária que estamos vivendo e suas causas? Como reagir diante dos riscos ambientais e sociais que impactam hoje o nosso modo de vida? 

    Por que não associamos a crise presente à governança mundial neoliberal e à globalização econômica desenfreada que ela provocou? Por que o Coronavírus expôs as dificuldades do Estado em proteger seus concidadãos? 

    Por que a rica Europa, que no passado construiu um Estado Providência dotado de um serviço público de saúde superior aos Estados Unidos, hoje se sente desmuniciada diante do Coronavírus? 

    Se o debate político pudesse ser ampliado fora da consequência econômica do Coronavírus e dos parâmetros que a globalização econômica impõe, talvez, as respostas nos levassem a repensar o nosso modo de produção, rever o sistema econômico e redesenhar um projeto de sociedade face à ameaça ambiental, de epidemias e de paz social, tendo em vista, a explosão das desigualdades sociais no mundo. Infelizmente, esses questionamentos parecem ainda fora da pauta dos fabricantes de opinião: jornalistas e comentaristas da grande mídia, analistas econômicos, políticos, executores que governam os países ricos e ditos emergentes.  

    Se ligamos a televisão podemos passar de um canal para outro em qualquer lugar do mundo, já que a internet permite essa interconexão entre diversos países. A abordagem sobre o Coronavírus é idêntica! O que prevaleceu como manchete foi a queda na bolsa de valores provocado pelo Coronavírus. A Bolsa se tornou o termômetro da governança mundial e a queda de seus valores apavora os adeptos do neoliberalismo mais que a própria pandemia hoje declarada pela OMS- Organização mundial de Saúde.  

    Lendo os principais jornais na França e no Brasil e assistindo os debates nos canais de televisão, os ângulos de análises são idênticos quanto às consequências econômicas. Por exemplo: a epidemia de coronavírus de Wuhan veio colocar os ponteiros na hora certa de modo drástico, as consequências econômicas dessa triste situação já são observáveis: uma recessão histórica na China, que infelizmente se espalhará por todo o planeta. Mudo de canal e leio um artigo na internet: "Essa crise demonstra a extrema vulnerabilidade de um sistema no qual a participação da China hoje atinge 20% da produção industrial mundial", confirma Daniel Cohen, chefe do departamento de economia da Normal Sup.    

    O deslocamento de grandes multinacionais, dos grandes grupos industriais para a China mostraram o cinismo do mundo dos negócios, isento de qualquer patriotismo. Pouco lhes importava a destruição das indústrias locais, nem tão pouco o desemprego de massa provocados pela desindustrialização de seus países. O cinismo desses grandes capitalistas chega a esquecer o passado político da China e eles passaram a saudar o pragmatismo do capitalismo de Estado! 

    Quando houve a crise de 2007/2008, pela primeira vez as grandes potências perceberam que a bola especulativa navegava pela rede mundial de computadores numa velocidade tal que os trilhões de dólares e euros se evaporam em segundos! Por falta de regulação mundial a economia virtual se entupiu de vírus e os Bancos pediram a intervenção do Estado! Só o doutor Estado podia curar a insanidade dos mercados especulativos. Seus dirigentes na época pareciam ter consciência da desordem mundial, onde eles foram os principais protagonistas. Todavia, depois de injetar recursos públicos para recuperar os Bancos, os governos sucessivos foram contaminados por outro vírus muito mais potente: O neoliberalismo econômico se transformou em ideologia neoliberal! As instituições do Estado há décadas fragilizadas permaneceram imóveis diante de uma sociedade em plena mutação e em um mundo globalizado.  

    Anticorpos contra o vírus da ideologia neoliberal: Solidariedade e Fraternidade 

    Hoje com a crise sanitária provocada pelo Coronavírus, tanto o sistema econômico neoliberal como a sua ideologia não podem ser sustentáveis. 

    Apresentam um grande risco de desestabilização da nossa sociedade. Torna-se imperativo mudar esse sistema e colocar o ser humano no centro de tudo. Tanto por razões éticas como por razões de sustentabilidade da nossa sociedade. Os poderes políticos podem e devem agir nessa direção. Daí torna-se urgente redefinir o papel do Estado que nos últimos anos na Europa e América Latina foi enfraquecido pelo lobby da governança mundial das agências internacionais. O Estado deve se fortalecer para responder aos desafios da crise estrutural deixada pela ideologia neoliberal. Esta pandemia revela a necessidade de restaurar o Estado Providência diante da crise humanitária que hoje estamos vivendo. 

    A recessão econômica (2008/2009) teve sua origem na especulação do capital financeiro, hoje a crise ataca a economia real, a vida de milhares de pessoas que correm rico de serem contaminadas por um vírus e o risco de morte por falta de atendimento médico necessário, tanto na Europa, Estados Unidos como na América latina. Esperamos que o continente Africano seja poupado desta catástrofe humana.  

    Na França o número de leitos e serviços de urgência dos hospitais foram afetados pela diminuição drásticas de recursos públicos. Aliás, a França que detém um modelo social ímpar na Europa, infelizmente, vem sofrendo ataques permanente nesses últimos anos, que ameaçam a manutenção de seus serviços públicos fundamentais, principalmente, na área de saúde. Já há mais de um ano os médicos, enfermeiras, pesquisadores se mobilizam para protestar contra a política neoliberal do governo Macron e denunciam a deterioração dos hospitais públicos! Assim, os funcionários dos hospitais ficaram incrédulos com as contradições do discurso solene de Macron e o resultado prático de suas políticas:  

    Diante da "mais grave crise de saúde que a França conheceu em um século", Emmanuel Macron elogiou, quinta-feira, 12 de março, o Estado de Providência e, mais particularmente, o hospital público. E diz sem piscar: “O que essa pandemia já está revelando é que a saúde gratuita, independentemente de renda, carreira ou profissão, nosso estado providência de bem-estar não são custos ou encargos, mas nosso bem precioso, ativos essenciais quando o nosso destino é atacado ". 

    Em nome da eficácia econômica muitos hospitais na França foram fechados, as verbas para o funcionamento dos hospitais foram reduzidas, assim como foram cortados recursos para as pesquisas científicas. Há pouco meses todos os chefes de serviços dos hospitais públicos na França se demitiram coletivamente em protesto às políticas neoliberais do governo Macron.  

    Vale lembrar que o neoliberalismo como ideologia vê a competição como a principal característica das relações humanas. Ao apostar no individualismo essa ideologia retira a noção do dever coletivo e dos valores comuns. De um modo frontal, esta ideologia afirma a supremacia da economia e do mercado sobre os valores humanos. Valoriza o interesse egoísta em detrimento do dever coletivo. O egoísmo prevalece face à solidariedade.  

    Hoje, a angústia do futuro se alimenta dos problemas reais que todos sentem, as epidemias que se proliferam, o desemprego, o aumento de precariedade, a diminuição do poder de compra, o colapso da ascensão social, a aposentadoria, a falta de moradia para as camadas mais pobres, e todos os demais problemas causados pela globalização exclusiva. Nesse sentido, a esquerda humanista deve se unir para buscar respostas para essas angústias que hoje são também globalizadas! A esquerda deve se articular mundialmente, voltar ao internacionalismo, no sentido de traçar estratégias conjuntas levando em conta essas mudanças, adaptar-se constantemente às novas demandas e aspirações de nossos concidadãos, orientando-as ao progresso, à justiça, à fraternidade, à igualdade.  

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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