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    Gilbergues Santos Soares

    Historiador e cientista político e professor do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Especialista em História do Brasil República, com ênfase na ditadura militar e em democracia, suas instituições e em nossa cultura política pretoriana

    17 artigos

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    O dilema do Capitão América ou o falso impasse da extremosa destra

    De que adianta ser livre, se não me sinto seguro?

    Renato Feder (à esq.) e Tarcísio de Freitas (Foto: Flávio Florido/Seduc-SP)

    Benjamin Franklin dizia que “os que abrem mão da liberdade essencial, por um pouco de segurança temporária, não merecem nem liberdade nem segurança”. Um dos “Pais Fundadores” dos Estados Unidos da América, Franklin fez parte do “iluminismo estadunidense” que defendia princípios liberais, republicanos e federalistas, se contrapunha à autoridade centralizadora, absoluta, e aos privilégios da aristocracia, mesmo que fosse o (in)feliz proprietário de algumas pessoas escravizadas. Se vivesse no Brasil, Franklin seria chamado de comunista e a juventude (hitlerista) do Movimento Brasil Livre (MBL) o mandaria para Cuba. Nosso apressado processo político-social involutivo não aceita que se defenda sequer ideias do liberalismo burguês.

    Muitos brasileiros aceitam trocar este sistema de procedimentos democráticos que temos por uma ditadura, desde que ela promova crescimento econômico, segurança pública e combate à corrupção. Isso me faz recordar as histórias do Capitão América e o dilema que ele enfrentava quando, para combater o “mal maior” (leia-se comunismo), precisava limitar as liberdades do povo que defendia. Faz-me lembrar, também, os totalitarismos europeus da metade do Século XX.

    Hitler prometeu aos alemães um país desenvolvido, rico, com pleno emprego, sem as muitas limitações do pós 1ª Guerra, livre dos males da corrupção e da violência. Prometeu entregar ao povo uma potência do mundo capitalista bastando “apenas” que, em troca, os germânicos renunciassem a suas liberdades políticas. Assim foi feito e o resultado bem sabemos qual foi! Sugiro, então, refletirmos sobre a relação custo/benefício de se renunciar à liberdade em troca de segurança pública. Como e por que incautos de toda sorte negam suas liberdades para, supostamente, terem segurança? Por que tantos aceitam graciosamente o dilema do Capitão América?

    Sigo tentando entender a mãe de todas as contradições que é o fato de brasileiros usarem procedimentos democráticos, como liberdade de expressão, para pedirem o fim da democracia. Por que conviver com o paradoxo de aceitar tão bem o procedimento chamado eleição (que no Brasil é panaceia para todos os males) e a ideia de que só uma ditadura resolve problemas? Por que procedimentos democráticos e entulhos autoritários coexistem pacificamente ou não?

    Sigo propondo a reflexão. Porque viver numa situação sub-ótima, num sistema que tem forma democrática e substância autoritária, onde o poder das armas não se submete ao poder político? Pelo contrário, é este que busca se afiançar naquele. Porque não lutamos por consolidação democrática? Porque supomos que eleições podem tudo resolver? Porque ainda acreditamos no subterfúgio hipócrita de que “se as coisas vão mal basta trocar o governante nas próximas eleições”? Eleições em profusão pouco adiantam se não estamos dispostos a cumprir os mecanismos institucionais que permitem que os que descumprem as leis sejam responsabilizados com pressupostos penais que causem punibilidade. Como esse revezamento de nomes e siglas nos governos pode ser solução única para nossos males? Porque nos contentamos com tão pouco?

    Em "Capitalismo, Socialismo e Democracia" o cientista político austríaco Joseph Schumpeter se refere à democracia como um método por onde se escolhe os que decidem, que dá ao cidadão o poder de substituir um governo por outro, para que ele próprio se proteja dos riscos dos escolhidos se tornarem uma força inamovível. Dizia ele: "A democracia significa apenas que o povo tem a oportunidade de aceitar ou recusar os homens que a governam". Devemos nos contentar com isso? Não, é insuficiente! Mas, se não consolidarmos nem isso, como avançaremos para um sistema que contemple aspectos mais amplos do funcionamento de um Estado que seja a um só tempo legal e legítimo, e, portanto, de direito e democrático? Ainda despertaremos para o fato de que nosso sistema político não passa nem no grosso filtro desse modelo minimalista de democracia?

    A democracia, como sistema e cultura política, é cara apenas ao ocidente e, mesmo assim, somente onde as revoluções burguesas vingaram e as ditaduras totalitárias serviram como contraste. A democracia tem valor universal, do contrário a luta pelos direitos humanos não se daria em lugar nenhum do mundo. Como expectativa, possibilidade ou algo que o valha, lembro o clássico “A Democracia na América”, onde Alexis de Tocqueville afirma que democracia é o somatório (em doses iguais e sem hierarquias) de liberdade e igualdade.

    Mas, de forma realista, serve a descrição minimalista procedural do cientista político Scott Mainwaring que diz que democracia é o regime que (1) promove eleições competitivas, livres e limpas; (2) que pressupõe cidadania adulta e abrangente; (3) que protege liberdades civis e direitos políticos; (4) onde governos eleitos de fato governam e militares são controlados pelos civis. Proponho, um simples exercício. Verifiquemos se esses quatro itens são de fato praticados em nossa sociedade. Se a resposta for sim, ótimo!, vivemos em uma democracia minimamente consolidada. Mas, se a resposta for NÃO, sugiro começarmos a ler tudo que pudermos sobre ditaduras.

    Inevitavelmente a resposta será NÃO, por isso lembro que o fascismo não é discreto, não pode ser. Ele tem que ser histriônico. É pelo barulho que faz que a extremosa destra ganha adeptos, pois é sendo odiosa e violenta com seus adversários que angaria seguidores e transforma simpatizantes em militantes. E é com seus governantes praticando a necropolítica e acabando com direitos humanos, sociais e políticos que nós vamos conhecendo mais e melhor seu modus operandi. Foi assim nos quatros anos de Jail Bozo e seus asseclas no governo federal. Foi assim com Donald Trump na presidência dos EUA, que culminou com a invasão ao Capitólio. E foi assim com Hitler e Mussolini, claro. Vejamos que o 08\01, no Brasil, foi a pura expressão de uma política golpista que só sabe se expressar pelos signos da violência.

    Podemos ver do que a extremosa é capaz quando ela governa. Cinicamente, o governador bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas, destinou R$ 10,00 para um projeto de Educação em Direitos Humanos e Cidadania e tornou a Secretaria de Logística e Transportes na Secretaria de Políticas para a Mulher, como se fossem a mesma coisa. Ele disse que estava “extremamente satisfeito” com a ação da ROTA, que chacinou quase 20 pessoas no Guarujá, e ainda disse que as denúncias feitas pela população, sobre torturas sofridas por pessoas da comunidade de Vila Bahiana, são “narrativas”. Não custa lembrar do ex-governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, que dizia que “polícia vai mirar na cabecinha e … fogo”. Esses facínoras monstruosos lembram a SS nazista fuzilando judeus durante a 2ª Guerra Mundial.

    O Fascismo não gosta de pessoas sendo educadas para cidadania, por isso mesmo o secretário de Educação de São Paulo, Renato Feder, anunciou  que não utilizará 10 milhões de livros em 2024, que será usado material digital ao invés dos livros do Programa Nacional do Livro Didático do MEC. A extremosa destra gosta mesmo é da morte, por isso bolsonaristas gostam tanto de armas, idolatram torturadores como Ustra, violentam seus adversários e comemoram chacinas e pandemias, pois é quando podem se livrar dos que tanto odeia.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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