TV 247 logo
      Pedro Desidério Checchetto avatar

      Pedro Desidério Checchetto

      Psicologo Clínico, Pesquisador em Psicologia Social e Professor Universitário. Doutorando em Psicologia Social pela PUCSP/URV - Espanha

      11 artigos

      HOME > blog

      “O ENEM não vai te deixar rico”: quando a escola pública perde seu sentido simbólico

      "A escola, que durante décadas foi vista como a principal aposta para “vencer na vida”, parece cada vez mais distante dos horizontes juvenis"

      Aluno em sala de aula (Foto: Arquivo Agência Brasil)

      Nos últimos anos, a frase “o ENEM não vai te deixar rico” virou bordão entre influenciadores e jovens das periferias. O que está por trás desse enunciado não é apenas um desabafo — é um sintoma. Um sintoma da corrosão simbólica da escola pública como caminho de ascensão social. Um sintoma da precarização da educação, do trabalho e dos sonhos.

      A escola, que durante décadas foi vista como a principal aposta para “vencer na vida”, parece cada vez mais distante dos horizontes juvenis. E não é por acaso. A promessa de que o estudo levaria ao ensino superior e de lá a uma vida mais digna já não se sustenta diante da realidade concreta: jovens que concluem a faculdade continuam enfrentando desemprego, subemprego e informalidade. Muitos voltam a trabalhar como entregadores, motoristas de aplicativo ou vendedores — agora com diploma na mão.

      Segundo o DIEESE, mais de 1 milhão de brasileiros com ensino superior trabalham como lojistas ou vendedores, e outros 150 mil atuam como motoristas ou entregadores. Ao mesmo tempo, cresce o número de jovens que sonham em se tornar influenciadores digitais: 75% dos brasileiros entre 14 e 25 anos desejam viver da internet, segundo a startup INFLR.

      Esse descompasso entre expectativa e realidade cria uma frustração difusa — e perigosa. Não só porque alimenta a ideia de que estudar é “perda de tempo”, mas porque desloca a culpa do sistema para o indivíduo. Se você fracassa, a culpa é sua. A precarização das condições de vida é apresentada como responsabilidade pessoal, e o sucesso, como questão de “esforço” e “foco”.

      É nesse vácuo de perspectivas que ganham força os discursos do “coach”, os cursos de enriquecimento rápido e o culto à ostentação. Influenciadores, cantores e criadores de conteúdo desfilam carros de luxo, viagens e promessas de dinheiro fácil — tudo isso como suposta prova de que é possível “vencer sem estudar”. Essa estética do sucesso imediato ocupa o imaginário juvenil onde o Estado e a escola falharam.

      Como psicólogo, tenho atendido professores da rede pública exaustos, adoecidos, sem reconhecimento e sem tempo sequer para planejar aulas. Muitos estão em burnout, tentando manter um mínimo de dignidade em um sistema que os empurra para a automatização e o descaso. A precarização da escola não afeta apenas os estudantes — afeta também quem luta diariamente para manter esse espaço vivo.

      A escola pública, nesse cenário, vai deixando de ser espaço de pertencimento. O jovem pobre não se vê mais como alguém digno de investimento, cuidado ou futuro. Não é só evasão escolar: é negação de lugar.

      Quando um jovem diz que o ENEM não vai deixá-lo rico, ele não está rejeitando o saber. Ele está denunciando um modelo de sociedade que prometeu tudo e entregou muito pouco. A tarefa que nos cabe — como educadores, pesquisadores, militantes e cidadãos — é reconstruir o sentido público da escola. Recolocar o futuro no horizonte da juventude. E lutar para que o estudo volte a ser caminho, e não frustração.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

      ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

      ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

      iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

      Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: