O "erro" de Darwin
Darwin errou ao escolher a palavra evolução para batizar sua teoria. Tivesse ele escolhido a palavra adaptação, talvez não tivéssemos hoje tanto mal entendido
No dia 4 de abril de 1832, o HMS Beagle aportou no cais do Rio de Janeiro. A bordo estava um jovem inglês de 23 anos recém completados, aspirante a pastor da Igreja Anglicana. Na viagem, além da Bíblia, acompanhava-lhe como livro de cabeceira The Principles of Geology, doado por seu amigo e mentor intelectual Charles Lyell, o autor.
Na comunidade inglesa residente no Rio de Janeiro à época, o jovem fez amizade com um inglês proprietário de uma fazenda na região norte do hoje estado do Rio de Janeiro, mais precisamente no munícipio de Conceição de Macabú. No dia 8 de abril o jovem partiu, em uma comitiva de 7 pessoas para uma cavalgada até a fazenda. Atravessaram a baía da Guanabara em uma canoa a vela, desembarcaram em Niterói, provavelmente na Ponta da Areia, cruzaram a vila passaram pelos locais hoje conhecidos como Piratininga e Itaipu, transpuseram a serra da Tiririca e dormiram a primeira noite às margens da lagoa de Maricá.
O “passe” da Serra da Tiririca feito pela comitiva é hoje conhecido como “Caminho de Darwin”. Continua sendo uma trilha muito frequentada por trilheiro amantes da fauna e da flora e também por ciclistas de mountain bike, grupo no qual me incluo. De vez em quando cruzo o "passe" de bicicleta de Niterói para Maricá, e no sentido inverso.

No segundo dia de viagem, continuaram pelo litoral, passando por Ponta Negra e depois por Jaconé. No início da praia de Jaconé, Darwin descreveu uma formação rochosa que classificou como beach rocks. Hoje, esta formação está no centro de uma disputa ambiental, posto que há um projeto para a construção de um terminal da Petrobras exatamente onde ela está localizada. O restante da viagem de aproximadamente um mês está descrito no Diário de Darwin que foi publicado sob o título de The Voyage of the Beagle”.

Após este preâmbulo, vamos ao tema deste artigo. Quem sou eu para questionar a essência da obra de Darwin, não é isto que farei. O “erro” (entre aspas porque não sei se dá para chamar de erro, como se verá no final deste artigo) que eu acho que Darwin cometeu foi de forma e não de conteúdo.
Eu acho que ele não escolheu bem o nome de sua Teoria - se é que foi ele mesmo que deu este nome e não o Thomas Huxley (seu amigo mais darwinista do que o próprio).
Vejamos o significado da palavra EVOLUÇÃO no idioma nativo de Darwin. O Dicionário Oxford Thesaurus (ed. 2006) que possuo diz o seguinte: Evolution: development; advancement; growth; rise; progress; expansion; evolvement; transformation; adaptation; modification; revision (o negrito em development é original do dicionário). Notem que o próprio dicionário Oxford da ênfase à palavra Desenvolvimento como sinônimo de Evolução. Quase no final aparecem as palavras Transformação, Adaptação e Modificação como sinônimos de Evolução. Estas 3 palavras, muito mais do que a palavra Desenvolvimento são chaves para se entender o processo de Seleção Natural descrito pela chamada Teoria da Evolução das Espécies.
Em Português, vejamos as entradas genéricas fornecidas pelo dicionário Houaiss para Evolução: (1) ação continuada, realização contínua e prolongada de alguma atividade; seguimento, curso. (2) sequência contínua de fatos ou operações que apresentam certa unidade ou que se reproduzem com certa regularidade; andamento, desenvolvimento, marcha.
Nos sinônimos, Houaiss oferece as seguintes opções: desenvolvimento e marcha. Nada sobre Transformação, Adaptação ou Modificação.Com estas definições para a palavra Evolução tornou-se muito fácil para o senso comum jogar todo o peso semântico no sentido de Desenvolvimento.
O conceito de Desenvolvimento é muito recente no mundo ocidental e está intimamente ligado ao conceito de Progresso introduzido no inconsciente coletivo pela Sociedade Industrial e pelo Capitalismo.
Desenvolvimento e Progresso significam que os processos relacionados a eles se dão em forma de seta sempre em um único sentido. Antes da Revolução Industrial e do Capitalismo, o comum era pensar nos processos em forma de círculos, com repetições constantes.
Desta forma, pensar a Seleção Natural com o conceito de Desenvolvimento e Progresso na cabeça leva a erros de interpretações clássicas do senso comum e da pseudociência segundo as quais a evolução acontece sempre em seta, com início, meio e fim.
Baseados nesta interpretação, o senso comum e a pseudociência veem a espécie humana como a “cereja do bolo” da Evolução Biológica, ou seja, o estado mais evoluído de todos os animais. Nada mais errado! A Seleção Natural como pensada por Darwin jamais chegou a tal conclusão.
Para Darwin, a Evolução Biológica não tem nenhuma linha privilegiada de descendentes, tampouco um fim previsível. O presente não é o fim do processo de Seleção Natural e nenhum momento no passado foi um estágio intermediário para que as espécies hoje viventes atingissem o atual estágio.
Na Seleção Natural não existem etapas, não existe início, nem meio, nem fim, não existem seres mais desenvolvidos e seres menos desenvolvidos. Existem apenas seres tentando se adaptar da melhor maneira possível para sobreviver no ambiente em que vivem.
O estágio presente, como qualquer estágio no passado representa apenas o melhor resultado adaptativo possível para as espécies sobreviventes. Hoje, nós humanos não somos um estágio intermediário para algo mais evoluído que virá no futuro, assim como, a Lucy, a famosa Australopithecus afaresis, não foi um estágio intermediário entre o ancestral comum nosso e dos chipanzés e o Gênero Homo, que no momento é representado por uma única espécie, a dos Homo sapiens.
Tanto nós, quanto Lucy e seus congêneres, somos e fomos as formas mais adaptadas pela Seleção Natural para vivermos nos nossos respectivos ambientes.Entender a Seleção Natural como uma seta em função do peso semântico dado ao conceito de Desenvolvimento e do Progresso cai como uma luva para o senso comum e para a pseudociência e reforça a ideia religiosa de que a espécie humana é especial, diferente das outras espécies, representando a ponta na seta da Evolução Biológica.
Para os pseudocientistas da Teoria do Inteligent Design, deus pode até não ter criado o homem do barro, mas, “desenhou” a evolução para que esta desembocasse inexoravelmente em nós, humanos, a “cereja do bolo”. Os defensores do Inteligent Design dizem que a Teoria da Evolução Darwiniana corrobora o conceito de criação. De três uma (ou as três combinadas), ou estas pessoas nunca leram, ou se leram, jamais entenderam a Seleção Natural, ou, se entenderam, distorcem-na para apresenta-las aos seus clientes, não habituados a questionar, da forma como lhes convém.
Dito isso, penso, muito humildemente, que Darwin cometeu um erro em ter escolhido a palavra Evolução para batizar sua teoria. Tivesse ele escolhido a palavra Adaptação, talvez não tivéssemos hoje tanto mal entendido, ou mesmo, tanta distorção proposital sobre como a Seleção Natural realmente opera.
Os linguistas dizem que a língua é um organismo vivo, portanto, também em mutação. Pode ser que em meados do século XIX o peso semântico da palavra Evolução ainda não estivesse centrado em Desenvolvimento e Progresso. Se esse fosse o caso, Darwin não teria errado em escolher o nome Evolução, todavia, o fato é que hoje a Evolução Biológica da Seleção Natural de Darwin é vítima do conceito de Desenvolvimento e Progresso introduzido no inconsciente coletivo pela Sociedade Industrial e Capitalista.
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