O Escárnio como Arma: Quando a Violência Simbólica Se Torna Política
O riso pode ser um gesto de humanidade e partilha, mas também pode operar como ferramenta de opressão
O riso pode ser um gesto de humanidade e partilha, mas também pode operar como ferramenta de opressão. Quando líderes populistas e figuras de poder ridicularizam corpos vulnerabilizados, zombam da dor alheia ou reforçam estereótipos violentos, eles não apenas expressam desprezo: legitimam e normalizam a violência. Jair Bolsonaro, Donald Trump, Elon Musk e Steve Bannon são exemplos de como o escárnio se torna estratégia política para reforçar desigualdades e abrir caminho para agressões reais.
A recente interrupção abrupta de uma audiência no Congresso dos Estados Unidos, após o deputado republicano Keith Self insistir em misgenderizar (neoverbo que explica o esquecimento voluntário ou não do pronome requerido) a deputada trans Sarah McBride, ilustra como essa tática opera. Ao se recusar a reconhecê-la corretamente, Self não apenas a desrespeitou pessoalmente, mas reafirmou um discurso político que nega a existência de pessoas trans. Esse tipo de violência simbólica, quando vindo de espaços institucionais, reforça e legitima ataques cotidianos contra a população trans, mostrando que o escárnio não é apenas retórico, mas um instrumento de poder.
A zombaria como estratégia política
Jair Bolsonaro exaltou a memória de um torturador, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, transformando-o em herói. Donald Trump, sem qualquer pudor, imitou os movimentos de um repórter com deficiência para ridicularizá-lo diante de uma plateia em delírio. Bolsonaro, mais uma vez, fingiu sufocar e se debater ao imitar uma pessoa morrendo de Covid-19, enquanto o Brasil acumulava centenas de milhares de mortes pela pandemia. Elon Musk fez um gesto associado ao nazismo, prontamente repetido por outro expoente da extrema direita, Steve Bannon. Nenhum desses gestos foi ingênuo. São a confirmação de que o fascismo não apenas sobrevive, mas também se reinventa no teatro político.
A destruição do diálogo
Em Como conversar com um fascista, Márcia Tiburi nos alerta sobre a impossibilidade de um diálogo real com aqueles que operam no campo da violência. O discurso fascista não se propõe a debater, mas a dominar. A zombaria é um código de pertencimento: ao rir da dor de outrem, o indivíduo reafirma seu lugar na hierarquia autoritária.
A ascensão do autoritarismo contemporâneo não se dá apenas pelo medo, mas também pelo riso. Um riso cínico, cruel, que pavimenta o caminho da indiferença.
A manipulação da ignorância e a proliferação de desinformação tornam esse fenômeno ainda mais perigoso, pois a opinião pública se acostuma ao absurdo e o aceita como normalidade. Os episódios mencionados fazem parte de uma estratégia maior: tornar o discurso de ódio aceitável. A cada piada que minimiza um crime, a cada gesto que ridiculariza uma minoria, a cada fake news que distorce a realidade, uma camada de aceitação é acrescentada ao edifício do autoritarismo. Quando nos damos conta, a violência já não está apenas no discurso, mas na prática, e seu enfrentamento se torna cada vez mais complexo.
Se tivéssemos agido quando esses gestos e discursos foram expostos ao mundo, talvez o destino fosse outro. Mas, em vez disso, nos limitamos à indignação.
Eles testaram os limites, desafiaram o inaceitável e, como ninguém os deteve, seguiram adiante, transformando o riso cruel em arma de dominação. O humor fascista não é uma forma de liberdade de expressão. É um cálculo frio e meticuloso para desumanizar grupos específicos, anestesiar a sociedade e, por fim, justificar violências concretas. Como resistir a isso? Talvez seja essa a maior lição: reconhecer quando a conversa chegou ao fim e a luta por direitos deve tomar outro caminho. Porque o fascismo não se debate; se combate.
https://www.nytimes.com/2025/03/11/us/politics/sarah-mcbride-keith-self-transgender.html
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