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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    O Escorpião Bolsonarista e o “Relatório” da Extrema-Direita dos EUA

    Extrema-direita bolsonarista aplaude agressões que parlamentares trumpistas e Elon Musk estão cometendo contra as instituições democráticas do Brasil

    Elon Musk (Foto: Gonzalo Fuentes / Reuters I Reuters)

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    Antes de tudo, é preciso afirmar que o texto do “relatório” do Committee on the Judiciary and the Select Subcommittee on the Weaponization of the Federal Government é de uma pobreza intelectual abissal. O “relatório” em si tem apenas umas 8 páginas, o resto (mais de 530 páginas) é mera transcrição de decisões da justiça brasileira, algumas com traduções para o inglês, mas a maioria apenas em português, o que indica que o público-alvo prioritário parece ser o brasileiro. Uma tentativa clara de interferir na política interna brasileira.

    A parte, assim digamos, “analítica” do “relatório” é fortemente baseada no artigo de Jack Nicas e André Spigariol, intitulado “To Defend Democracy, Is Brazil’s Top Court Going Too Far?”, que foi publicado, em setembro de 2022, no The New York Times. 

    Não há, portanto, nada de novo, original ou de significativo no “relatório” da extrema-direita parlamentar dos EUA, um somatório confuso e pobre de acusações mentirosas e ofensivas ao Brasil, ao seu poder judiciário e à sua democracia.

    Não há sequer a compreensão de que, no Brasil, há separação e independência dos poderes. Na ficção fascistóide produzida, o ministro Alexandre de Moraes é classificado como um “animal político”, com intenções de se tornar presidente da República, e que estaria em conluio com Lula. Ignorância, mentira e preconceito. Nada de novo, no reino parvo e fraudulento da extrema-direita.

    O que chama a atenção no “relatório” é, em primeiro lugar, a pretensão imperial da extrema-direita dos EUA de considerar que a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, com a interpretação dada por Trump e aliados, é “universal” e tem de ser imposta a outros países. 

    Assim, lê-se no “relatório” que: essas violações da Primeira Emenda e os ataques aos princípios norte-americanos mais fundamentais a liberdade civil – liberdade de expressão – são profundamente preocupantes. Mas muitas vezes eles empalidecem em comparação com como alguns governos estrangeiros estão a corroer valores democráticos básicos e a sufocar o debate nos seus países. Na promoção de sua supervisão legislativa, o Subcomitê Selecionado recebeu testemunho sobre como os governos de outros países, incluindo Canadá, França e Brasil, procuraram censurar o discurso online. Estes exemplos de governos estrangeiros reprimindo a liberdade de discurso no exterior serve como um alerta severo aos americanos sobre as ameaças representadas pelo governo censura aqui em casa. Eles também ajudam a informar os membros do Comitê e do Subcomitê Selecionado trabalho legislativo para combater a censura governamental e promover a liberdade de expressão.

    Por conseguinte, eles julgam que governos estrangeiros estariam, de alguma forma convoluta, sob sua “supervisão legislativa”, o que é um total absurdo e uma clara agressão à soberania do Brasil e de outros países.

    Saliente-se que muitos países democráticos têm uma legislação concernente à liberdade de expressão que difere da norte-americana, ou ainda, da distorcida interpretação da extrema-direita dos EUA sobre ela. 

    Na Alemanha, por exemplo, a negação do Holocausto ou qualquer tipo de apoio e elogio ao nazismo são punidos com cadeia. A União Europeia aprovou, em 2023, uma forte legislação sobre as redes sociais e as plataformas digitais, a Digital Services Act (DSA)-Lei de Serviços Digitais- a qual pune, com rigor, a propagação de fake news e de discurso de ódio. Aliás, o X, o covil digital da extrema-direita apoiada por Elon Musk, está sendo processado, na UE, com base nessa legislação. Ao que se saiba, não há agressões de Elon Musk a juízes e procuradores de Bruxelas.

    Quem defende uma liberdade de expressão “absoluta,” está, na realidade, defendendo a liberdade para suprimir a liberdade dos outros. A liberdade para mentir, difamar e atacar, com violência, aqueles de quem se discorda. A liberdade para anular ou destruir o outro. Era assim que o nazismo funcionava, com o binômio Goebbels- Sturmabteilung (SA).

    Outra coisa que desperta a atenção no caso do “relatório” tange ao fato da divulgação de muitos documentos oficiais sigilosos, o que é, evidentemente, um crime.

    Observamos que a lei estadunidense pune, com rigor, a difusão pública de documentos sob sigilo. Tal difusão pode ser punida com até 10 anos de cadeia. Porém,  a punição pode ser bem maior, caso a difusão seja feita para autoridades estrangeiras. Basta ver o que aconteceu com Chelsea Manning e Julian Assange, processados com base na Lei de Espionagem de 1917.  Edward Snowden teve de fugir para a Rússia. 

    Muito embora as informações divulgadas no “relatório” da extrema-direita não sejam sensíveis, sua propagação intencional por parlamentares dos EUA não deixa de ser uma agressão ao Brasil, particularmente ao seu poder judiciário.

    Algumas das informações veiculadas não dizem respeito a decisões do Ministro Alexandre de Moraes no STF, mas a trinta e sete decisões do Tribunal Superior Eleitoral, que condenaram perfis e pessoas que divulgaram informações sabidamente falsas sobre urnas eletrônicas e o sistema eleitoral do Brasil, que difamaram candidatos, que atacaram a Ordem dos Advogados do Brasil e que até mesmo fingiram ser das FARC para expor uma suposta conexão com candidatos do PT. Um festival dantesco de mentiras e de ódio, destinado a veicular a ideia de que as eleições estavam sendo fraudadas, com o conluio do STF e do TSE, e que, portanto, o golpe se justificava.

    Agora, imaginem se fosse o contrário? Se parlamentares brasileiros tivessem divulgado um “relatório” acusando juízes da Suprema Corte estadunidense de “censura” e “ditadura”, com base em mentiras, informações propositalmente truncadas, e sustentado em documentos sigilosos dos EUA? Não seria isso considerado escandaloso, naquele país? Não haveria consequências?

    Aqui, no entanto, a extrema-direita bolsonarista aplaude essas agressões que os parlamentares trumpistas e Elon Musk, um confesso defensor de golpes de Estado, estão cometendo contra as instituições democráticas do Brasil.

    Afinal, a intenção dessa turma “libertária” é a de impor sanções contra o Brasil, com a alegação disparatada de que o nosso país seria uma “ditadura”. Uma acusação curiosa e cínica, vinda de quem, há muito pouco tempo, tentou dar um golpe no Brasil. Até mesmo viajam, com dinheiro público, para defender essa traição no exterior. O objetivo último, obviamente, é intentar, de novo, o golpe fracassado. Não desistem e nunca desistirão dos golpes e da ditadura. 

    Não tem jeito. O golpismo, a devoção a ditaduras militares, o elogio à tortura, o ódio, a intenção de destruir os discordantes e o uso desavergonhado das mentiras estão no DNA do bolsonarismo, que nunca escondeu sua aversão à democracia e às suas instituições civis.

    De onde se espera, daí é que sai tudo mesmo. Como na famosa fábula, o escorpião bolsonarista sempre envenenará e intentará matar a rã da democracia que o carrega nas costas. 

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    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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