O establishment pressiona Trump
O chamado establishment estadunidense teme uma perda de projeção dos interesses dos EUA no mundo
Trump, como se sabe, deseja implantar, no cenário internacional, uma política externa protecionista, no plano econômico, e isolacionista, no plano diplomático.
Entretanto, isso não é do agrado do chamado establishment estadunidense, que teme, com razão, uma perda de projeção dos interesses dos EUA no mundo.
Alguns scholars conservadores, ligados historicamente ao Partido Republicano, vêm manifestando essa preocupação, procurando influenciar a equipe de Trump.
Na Foreign Affairs, foi publicado artigo bastante elucidativo a esse respeito. O artigo é intitulado The National Security Imperative for a Trump Presidency- How His Administration Can Shore Up the Foundations of American Power.
A peça é assinada por Kori Schake, uma scholar, que teve uma carreira distinguida no governo estadunidense, tendo trabalhado no Departamento de Estado dos EUA, no Departamento de Defesa dos EUA e no Conselho de Segurança Nacional na Casa Branca, na época do governo Bush filho. Ela também lecionou em Stanford, West Point, na Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, na Universidade de Defesa Nacional e na Universidade de Maryland.
Ela é ligada ao Partido Republicano e tem influência dentro do chamado Deep State.
Pois bem, ao contrário de Trump, Kori Schake, assim como outros scholars republicanos, veem essa tendência ao isolacionismo como um perigo para os interesses estadunidenses.
Segundo Kori Schake: “eu defendo um renascimento do "internacionalismo conservador", uma abordagem que estenderia o poder dos EUA no exterior e a influência dos EUA em instituições internacionais como a OTAN, para impedir agressões estrangeiras que poderiam, de outra forma, perturbar a economia dos EUA.”
Muito embora Kori Shacke reconheça que essa diretriz não é atraente para o trumpismo, ela afirma que “alguns princípios do internacionalismo conservador serviriam aos objetivos de Trump de maneiras econômicas e politicamente alcançáveis. Em particular, sua administração estaria bem-posicionada para promover dois objetivos cruciais que a administração Biden (e a campanha presidencial de Kamala Harris) negligenciaram: restabelecer a dissuasão estratégica e aumentar os gastos com defesa.’
Também afirma ela que, “desde sua chegada há uma década no cenário político nacional, Trump desconstruiu o Partido Republicano e o reconstruiu à sua imagem. O GOP não é mais o partido de figuras como o senador Mitt Romney e o falecido senador John McCain (para quem trabalhei), ambos os quais fizeram candidaturas presidenciais malsucedidas em plataformas republicanas tradicionais”
“Em seu lugar estão figuras como JD Vance, companheiro de chapa de Trump, e Josh Hawley, o senador republicano do Missouri, que se apegam mais ao estilo de política populista de Trump.”
Entretanto, reconhece Schake , “è certo e apropriado que Trump agora tenha a chance de promulgar as políticas com as quais fez campanha e a latitude para responder aos eventos conforme eles acontecem, apoiado por um gabinete e uma burocracia do poder executivo que sejam receptivos à sua direção.”
Trump precisa ser bem-sucedido, alegam esses scholars.
Mas tornar a presidência de Trump bem-sucedida não significa simplesmente adotar suas ideias por atacado, sustentam esses scholars.
Qualquer nova administração precisa conciliar sua retórica de campanha abrangente com as realidades do comportamento do mercado, restrições fiscais e as ações dos adversários dos EUA.
No caso de Trump, argumenta Kori Schake, a abordagem imprevisível e até errática do ex-presidente à tomada de decisões pode levar a escolhas de política externa que reduziriam o poder americano e aumentariam o risco de conflito.
Segundo Kori Schake, a dissuasão estratégica dos EUA sofreu sob o presidente Joe Biden. A retirada vergonhosamente malfeita das forças dos EUA do Afeganistão e a timidez de seu apoio à Ucrânia, diante das ameaças russas de escalada, recompensaram os que desafiaram os princípios de segurança dos EUA.
No mandato de Biden, os adversários dos EUA se tornaram cada vez mais “descarados” em suas provocações e aumentaram a cooperação entre si. Washington, enquanto isso, não ofereceu uma resposta adequada.
Em relação à Ucrânia, por exemplo, Schake considera que os Estados Unidos deveriam “correr mais riscos para garantir que a guerra da Rússia fracasse”. Segundo ela, a estratégia de Biden de distribuir lentamente estoques de armas aliadas “telegrafa” aos adversários dos EUA “os limites do apoio de Washington e a fragilidade de seu compromisso com o sucesso de Kiev.”
De acordo com Schake, “Washington deveria gastar menos tempo se preocupando com o que a Rússia poderia fazer e mais tempo fazendo a Rússia se preocupar com o que os Estados Unidos poderiam fazer.”
A autora sugere que Washington, sob Trump, deveria alertar o Kremlin de que, a menos que as forças russas se retirem do território ucraniano, os Estados Unidos fornecerão à Ucrânia tudo o que ela precisa para não apenas retomar suas terras ocupadas, mas também desafiar o governo do presidente russo Vladimir Putin.
A mensagem de Washington deveria ser que, se a Rússia atacar um país da OTAN ou usar uma arma nuclear, Estados Unidos enviarão suas próprias tropas e reunirão seus aliados da OTAN para fazer o mesmo para defender a Ucrânia e caçar todos os oficiais russos que deram e executaram as ordens.
Esses scholars consideram, ademais, que “o fracasso dos Estados Unidos na Ucrânia também está criando problemas de dissuasão em outras partes do mundo.”
Segunda essas avaliações, a China estaria observando atentamente se estratégia russa de enfrentar o interesse ocidental na guerra se mostra eficaz, “o que levanta a perspectiva de que a China possa adotar uma estratégia semelhante em busca de suas ambições de governar Taiwan e absorver as zonas marítimas de seus vizinhos.”
Isso poderá levar a uma luta no Pacífico com a China.
Os Estados Unidos também devem, sustenta Schake, reabastecer munição e defesas aéreas, modernizar suas forças nucleares e criar redundâncias em seus canais de comunicação.
Para tornar tudo isso possível, o governo Trump deve avançar com um plano nos moldes daquele que Roger Wicker, o senador republicano do Mississippi, propôs, o qual que aumentaria os gastos com defesa para mais de cinco por cento do PIB.
Os críticos dessa abordagem argumentam que os Estados Unidos não podem arcar com mais gastos com defesa.
Isso é manifestamente falso, segundo Schake. Washington criou mecanismos de gastos emergenciais durante a crise financeira e a pandemia; hoje, o país enfrenta um déficit de defesa de consequência semelhante.
Argumentos contra aumentos de gastos com defesa frequentemente citam o aumento da dívida nacional — mas mesmo que a dívida seja inquestionavelmente um problema, os gastos com defesa não são sua causa principal: programas de direitos como Previdência Social, Medicare e Medicaid são. Ou seja, o problema, segundo essa visão belicista, seriam os gastos sociais.
Em seu primeiro mandato, Trump, para seu crédito, manteve-se fiel às ideias que defendeu em sua campanha e manteve a fé no que os eleitores endossaram.
Apesar de sua aparente atração pela teoria do “louco das relações internacionais” — o historiador Lawrence Freedman descreveu Trump como "encantado com sua própria imprevisibilidade e impulsividade" — o ex-presidente na verdade tem visões políticas bastante previsíveis, considera Schake. Ele acha que a economia globalizada e a imigração são ruins para os trabalhadores americanos e que os aliados tiram vantagem dos Estados Unidos. Ele admira líderes autoritários, e as tarifas são seu golpe favorito.
Dadas essas visões, é improvável que alguns elementos da política externa republicana tradicional ressurjam sob Trump, alega a autora.
O livre comércio está fora de questão no futuro previsível, embora, de acordo com uma pesquisa do Chicago Council de 2023, três quartos dos americanos considerem o comércio internacional bom para a economia.
O governo Trump certamente evitará acordos comerciais multilaterais e fará acordos bilaterais com tarifas pesadas e focados em restringir o acesso ao mercado dos EUA e nivelar o equilíbrio comercial. Também é improvável que Trump valorize alianças.
Mas o apoio americano virá com maiores expectativas de aliados, em termos de gastos com sua própria defesa e alinhamento com as políticas dos EUA. Eventualmente, no entanto, Trump pode vir a apreciar a necessidade de alianças saudáveis se os Estados Unidos quiserem reunir poder militar e político suficiente para confrontar a convergência de seus adversários.
Em ambos os gastos com dissuasão e defesa, por outro lado, o governo Trump pode estar pronto para abordar vulnerabilidades gritantes desde o início.
Durante a campanha, Trump prometeu: "Eu diria a Putin, se você não fizer um acordo, vamos dar [a Zelensky] muito. Nós vamos [dar à Ucrânia] mais do que eles já receberam se for preciso.” Transformar essa promessa em política ajudaria muito a restabelecer a dissuasão americana, considera Zacker.
A disposição de Trump em seu primeiro mandato de tomar medidas ofensivas, como atacar o comandante iraniano Qasem Soleimani em janeiro de 2020 e fazer com que tropas americanas atacassem mercenários russos na Síria em fevereiro de 2018, sugere que ele poderia mais uma vez usar a força militar dos EUA propositalmente.
Unir essa determinação ao investimento nas defesas americanas poderia melhorar drasticamente a segurança nacional dos EUA — em outras palavras, restaurar a paz por meio da força, alega Schake.
Como se vê, há gente influente no Partido Republicano e no establishment estadunidense que pode mudar o rumo do suposto pacifismo trumpista.
Afinal, o complexo industrial-militar tem poderosos interesses próprios.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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