O exemplo de Nathalia Urban: jornalista tem que contar o que os poderosos querem esconder
Ela me indicou fonte para reportagem investigativa e mandou mensagem de apoio e estímulo. Tinha 1m57 e, moralmente, era uma gigante
Nathalia Urban tinha 36 anos, três a menos que o meu primogênito. Mas eu não a via como filha, a via como uma jornalista íntegra, sempre ao lado dos oprimidos, como convém àqueles que se dedicam verdadeiramente a esta profissão tão difícil, em que somos atacados por contar o que os poderosos querem esconder.
Minha admiração por ela cresceu quando vi sua entrevista a Leonardo Attuch, na série Grandes Jornalistas. “Ótimo ser chamada de grande jornalista. Assim como Breno Altman falou da altura dele, eu tenho 1 metro e 57… Então, eu nunca fui acusada de ser grande em nada”, disse, espirituosa.
Depois, sua estatura moral aumentou ainda mais quando eu a vi emocionada falar sobre o youtuber PC Siqueira, com quem ela teve um relacionamento e que morreu depois que foi vítima de um ataque sórdido da Polícia Civil de São Paulo, que o acusou de pedofilia, sem nenhuma prova.
Acusação amplificada pela mídia, inclusive por aqueles que ele imaginava serem seus amigos. Nathalia contou que se ofereceu para entrevistá-lo, mas ele preferiu que ela não se envolvesse, já que era muito atacada por suas posições corajosas e seria ainda mais atacada se lhe desse voz.
“Ele falava que o que mais doía era o fato de pessoas que ele considerava amigos na vida pessoal dele terem abraçado essa campanha de ódio, para não perder o deles”, afirmou.
Entrevistei Nathalia uma vez, juntamente com Brian Mier, que seria uma espécie de irmão mais velho, responsável por indicá-la ao 247, pelo brilhantismo que a jornalista sempre demonstrou.
Tive oportunidade de interagir com ela quando apresentei o Bom Dia 247, durante o plantão de fim de ano. E é sempre um privilégio dividir o mesmo espaço com uma pessoa inteligente como ela, muito próxima do tipo ideal no jornalismo. Íntegra, corajosa e com grande repertório cultural e informativo.
A coragem foi o resultado das circunstâncias que a vida lhe impôs. Era filha de mãe solo, que a teve com 18 anos de idade e lhe deu nome Nathalia porque o parto foi em 25 de dezembro, como ela mesma contou. Passou a infância com duas mulheres fortes. Além da mãe, a avó.
“Isso foi uma coisa que me ajudou muito a me entender como feminista desde muito cedo, porque eu via o preconceito que a sociedade tinha com a minha mãe por ela ser mãe solo”, afirmou.
“Passei muito tempo morando com mulheres mais velhas, mulheres independentes, mulheres fortes, que sempre disseram para mim que eu teria que trilhar um caminho meu, não esperar nada de homem, não esperar nada dos outros, fazer por mim”, acrescentou.
Nathalia tinha de quatro para cinco anos de idade quando a mãe se casou, e foram morar em João Pessoa, na Paraíba. Sua relação com o padrasto não era boa e, por isso, quando a mãe morreu, aos 38 anos de idade, de câncer nos ossos, Nathalia foi morar sozinha em São Paulo, onde estudou na PUC, transferida da Universidade Federal da Paraíba.
“Eu tive uma relação muito complicada com o meu padrasto. Tanto é que, quando minha mãe faleceu, eu saí de João Pessoa meio por causa disso, e segui minha vida, e sigo hoje sem assim ter um contato tão próximo com família. Eu considero família os meus amigos, as pessoas que eu tenho dentro do meu coração, aquela coisa de parente mesmo eu não tenho tão próximo”, disse, com uma sinceramente incomum.
O interesse pelas causas sociais surgiu quando ainda estava no ensino médio, através de um professor de História, Mário Romero, que lhe deu aulas sobre as revoltas populares. “Minha primeira paixão foi Canudos”, contou. Ela se preparava para uma vida acadêmica quando descobriu que, em suas veias, corria o sangue da jornalista, não da professora e pesquisadora universitária.
O jornalista Brian Mier a conheceu e a indicou para ser analista de assuntos internacionais do 247. Nesta quarta-feira, o publisher do veículo, Leonardo Attuch, o agradeceu pela indicação.
“Nathalia deixa um vazio gigantesco e um exemplo para o jornalismo brasileiro. Tomara que ela possa inspirar novas gerações de jornalistas. Ela realmente é uma pessoa única, e o Brian é que pôde fazer essa aproximação. Brian, muito obrigado”, disse Attuch.
Na convivência profissional que tive com Nathalia Urban, um oceano nos separava, literalmente, mas havia um elo, a busca pela verdade factual. Recebi algumas mensagens dela, em que me indicava fontes para investigação jornalística.
A última foi há alguns meses: “O meu querido amigo/camarada (omito o nome) tem me contado várias coisas preocupantes em relação a um oficial da Aeronáutica, possivelmente golpista, e que mora no exterior e também trabalha como jornalista. Eu pedi para ele vir falar com você, eu acredito que isso é algo que tem que ser investigado. E sei que ninguém é melhor nisso do que você.”
A dica era quente, pois indica infiltração em meios acadêmicos, como alguns pesquisadores me contaram, com indícios de conexão com a Abin paralela.
Muito obrigado, Nathalia. Você se foi muito cedo, mas eu gostaria de lhe dizer que temos um compromisso: continuaremos a honrar a nossa profissão, a “melhor profissão do mundo”, como dizia Gabriel García Marquez. Com integridade, coragem e sempre denunciando o opressor.
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