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    Jorge Folena

    Advogado, jurista e doutor em ciência política.

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    O factoide da anistia bolsonarista

    "Os fascistas nunca estiveram e nunca estarão em busca da paz", escreve Jorge Folena

    Atos Golpistas de 8 de janeiro de 2023 (Foto: Joedson Alves/Agência Brasil)

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    A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, comandada por uma deputada bolsonarista, foi empregada para lançar mais um factoide para animar os fascistas e seguidores do ex-presidente inelegível.

    Às vésperas do sete de setembro foi anunciado que, na semana seguinte, no dia 10/09/24, seria levado à votação na CCJ o relatório do Deputado Rodrigo Valadares (partido União/SE), sobre a constitucionalidade e juridicidade do projeto de lei 2.858/2022, de autoria do Deputado Major Vitor Hugo, ex-líder do governo anterior, e diversos outros projetos de lei apensados (PLs 2.954/22, 3.314/23, 5.643/23, 5.793/23, 2.162/23, 3.312/23 e 1.216/24), todos com encaminhamento de anistia em favor dos golpistas que atentaram descaradamente contra o Estado Democrático de Direito.

    Diante das muitas fragilidades políticas, jurídicas e até mesmo morais existentes nos referidos projetos de lei, que, em certa medida, não beneficiariam o arquiteto-mor do golpe (o ex-presidente), o relator, após longa justificativa de necessidade de “pacificação política”, propôs no final de seu relatório um substitutivo de projeto de lei pelo qual ficarão anistiados todos os que participaram, direta ou indiretamente, dos atos golpistas que culminaram 8 de janeiro de 2023, em Brasília, inclusive com efeitos para eventos subsequentes e anteriores àquela data.

    O substitutivo propõe também, de forma muito casuística, a modificação  substancial da tipificação de  diversos delitos previstos hoje na lei dos crimes contra o Estado Democrático de Direito (lei 14.197/2021), a fim de atingir até mesmo interpretações jurisprudenciais, já consolidadas pelo STF, quanto à tipificação e conduta diante do “crime de multidão” (crime multitudinário). 

    Fica claro que o relator advoga uma anistia, ampla, geral e irrestrita em favor exclusivo dos fascistas, que disseminaram e continuam disseminando ódio, destruição e morte pelo país. Como exemplo recente, tivemos um prefeito do Rio Grande do Sul, que, ao ser fotografado ao lado do ex-presidente, disse que o ministro “Alexandre de Moraes merecia a guilhotina”. 

    Entendo que qualquer projeto de lei de concessão de anistia para os violadores da Constituição é inconstitucional na essência e, assim, é imoral, indigna e antidemocrática qualquer discussão a esse respeito, por representar um atentado às instituições políticas.

    O mais grave, porém, é o Parlamento brasileiro consentir com discussões sobre este tema, uma vez que as ações dos golpistas foram dirigidas diretamente contra os Poderes de República, entre eles o próprio Legislativo, que teve suas instalações atacadas e destruídas pelos fascistas no fatídico 8 de janeiro de 2023.

    Assim, é lamentável que a maioria parlamentar permita que deputados fascistas, golpistas e arruaceiros possam, livremente  e sem qualquer reprimenda por violação ao decoro, debater sobre a possibilidade de anistia para os que atentaram contra o  Estado Democrático de Direito, princípio fundamental da Constituição de 1988, do qual o Congresso Nacional deveria ser o maior defensor.

    Importante lembrar que bolsonaristas são ardorosos defensores da última ditadura brasileira (1964-1985), constando sempre em suas manifestações públicas os pedidos de “intervenção militar”, imposição do “AI-5” (o famigerado Ato Institucional número 05, de 13/12/1968, o mais duro e autoritário implantado pela ditadura no país), o fechamento do parlamento e do STF.

    Os fascistas brasileiros não perdem nenhuma oportunidade de expressar, sem vergonha ou escrúpulos, o seu desejo de reimplantar uma ditadura no Brasil e repetir os atos autoritários praticados pelos militares ao longo dos vinte e um anos em que imperaram as perseguições, torturas, assassinatos e desaparecimentos; e que também favoreceu o enriquecimento ilícito para muitas pessoas que serviram ao regime e dele se serviram, utilizando a estrutura do Poder Público. 

    Este era o objetivo final da grande organização criminosa formada no Brasil, segundo apurado pelas investigações em curso realizadas pela Polícia Federal. E golpe de Estado foi  o que se tentou desde 1º de janeiro de 2019 (data da posse do ex-presidente) até o dia 8 de janeiro de 2023, que fracassou. Porém o grande líder do movimento golpista não foi preso até hoje, mesmo que preventivamente, nem foi processado criminalmente, e assim continua a circular livremente, disseminando ódio e pedindo anistia para si. 

    Ao contrário do que manifestou o deputado-relator do projeto de lei de anistia para os bolsonaristas, o país não esteve diante de “manifestações pacíficas”, até porque os fascistas não desejam paz. Como exemplo, lembremos os ataques às instituições que proferiram no ultimo sete de setembro, na avenida Paulista.

    Assim, não passa de retórica a justificativa apresentada pelo relator de que “A ‘pax’ social pretendida por todos nós passa por pacificar o país”. Ora, na verdade, para que alcancemos a paz social, precisamos, isto sim, colocar os fascistas na cadeia! 

    Vale dizer que os atos golpistas não foram meramente políticos, praticados por “cidadãos indignados”, como defendem os bolsonaristas; suas ações, em particular a partir da derrota nas urnas, no segundo turno da eleição presidencial, em 30/10/2022, foram um desrespeito flagrante à soberania popular, expressada pela maioria do povo brasileiro, constituindo-se em graves atos de desobediência civil e caracterizando-se, sobretudo, como condutas criminosas, previstas no Código Penal brasileiro, a partir da nova lei dos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

    Ou seja, a massa golpista, conduzida e incentivada por seu chefe (que covardemente foi se esconder no exterior), tinha a clara noção (dolo) de que estava praticando graves delitos criminais, sujeitos a duras sanções previstas no Código Penal. Seus integrantes apostavam na derrubada da ordem constitucional vigente para introduzir uma ordem autoritária, conforme os interesses e princípios por eles defendidos, e pensam que, com a anistia, ficarão livres dos atos criminosos praticados em desacordo com a Constituição de 1988.

    Assim, ao contrário do que sustenta o relator do projeto de lei na CCJ da Câmara dos Deputados, que “os atos de 08 de janeiro de 2023 foram tratados com rigor excessivo”, além da Constituição, o que foi agredido em maior escala foi a vontade da maioria do povo brasileiro, que elegeu Lula da Silva num processo eleitoral livre e direto, de acordo com as regras vigentes. Sinceramente, causa indignação assistir que o Parlamento admita esse debate, cujo objetivo é relegar ao esquecimento todos os atos criminosos praticados pelos golpistas bolsonaristas, num claro desrespeito à Constituição de 1988.

    Quando se propõe essa anistia, como consta no projeto de lei 2.858/2022 e no substitutivo do relator da CCJ da Câmara dos Deputados, objetiva-se única e exclusivamente “apagar da lembrança, esquecer o que ocorreu” em relação a todas as ações que culminaram no 08/01/2023, como as reuniões promovidas no Palácio do Planalto para conspirar contra as eleições e a autoridade do TSE.

    Os crimes planejados incluíam o fechamento ilegal de rodovias; a tentativa de impor o caos com o desabastecimento de energia, mediante a derrubada de torres de eletrificação; tentativa de promoção de motim militar, com algazarras organizadas de forma permanente em portas de quartéis do Exército; os atos terroristas praticados em 12/12/2022, com incêndio de veículos e bens públicos em Brasília, em que pessoas poderiam ter morrido; a tentativa de explodir o aeroporto de Brasília às vésperas do Natal de 2022, que poderia ter causado uma tragédia com milhares de vítimas; e tudo o mais que ocorreu no fatídico dia 8 de janeiro, na Praça dos Três Poderes, que, inclusive, contou com o apoio logístico e a escolta de policiais do Distrito Federal e militares golpistas, entre estes o comandante da Marinha do governo anterior, como registrado nos depoimentos dos seus colegas ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica.

    Os bolsonaristas golpistas imaginam que seja possível obter anistia e apagar tudo da memória nacional, mas isto será impossível de ocorrer, assim esperamos, ao menos juridicamente, como explicado acima.

    Mas, infelizmente, sob o aspecto da História do país, o factoide da anistia aos golpistas é mais uma lamentável tentativa de “acordão”, promovida pelos representantes de grande parcela da classe dominante brasileira, que ainda consente com tais equívocos por interesses negociais mesquinhos, em detrimento dos interesses da classe trabalhadora.

    Os fascistas estão a serviço exatamente da exploração neoliberal, que pretende desregulamentar, financeirizar e privatizar todas as riquezas possíveis do país, em favor de um projeto de concentração de capital que beneficia somente os muito ricos, em detrimento da maioria da população, da soberania e do desenvolvimento equitativo do Brasil.

    O deputado relator do parecer e autor do substitutivo diz, com descaramento, que  “a anistia é um instrumento utilizado normalmente para garantir alívio e pacificação política” e que (...) “a história do Basil demonstra a sempre presente polarização política brasileira, sendo o instituto da anistia o meio hábil para a pacificação da população”.

    Ora, os fascistas nunca estiveram e nunca estarão em busca da paz; ao contrário, defendem abertamente a violência, a disseminação do ódio e da mentira e querem ver a deposição dos ministros do STF; tanto é que 153 deputados bolsonaristas requereram o impeachment do ministro Alexandre de Moraes no Senado Federal e muitos fascistas defenderam abertamente a sua prisão, como foi apurado pela Polícia Federal.

    Assim, a paz somente virá com a responsabilização e a prisão dos fascistas que organizaram, financiaram e atuaram na tentativa de golpe de Estado e desrespeitaram a vontade da soberania popular. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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