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      Pepe Escobar

      Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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      O funeral que selou a inquebrantável aliança do Hezbollah

      O funeral de Hassan Nasrallah, em Beirute, converteu-se em um poderoso testemunho do duradouro espírito de resistência, escreve Pepe Escobar

      Uma pessoa com a bandeira do Hezbollah pendurada nos ombros observa durante o dia de uma cerimônia pública de funeral dos falecidos líderes do Hezbollah Hassan Nasrallah e Hashem Safieddine, que foram mortos em ataques aéreos israelenses no ano passado, no Camille Chamoun Sports City Stadium, Beirute, Líbano, 23 de fevereiro de 2025 (Foto: REUTERS/Mohammed Yassin)

      BEIRUTE – São cerca de 13:30 de domingo, 23 de fevereiro. No interior do imenso Estádio da Cidade do Esporte, pelo menos 100 mil pessoas trajando preto e envoltas nas bandeiras amarelas da resistência prestam homenagem enquanto os caixões dos falecidos  secretários-gerais do Hezbollah Hassan Nasrallah e Hashem Safieddine começam um lento percurso em torno da arena.

      De repente, uma formação triangular de caças de combate F-15 e F-35 israelenses  corta os céus, em um sobrevoo tão baixo quanto aeronauticamente possível. Em qualquer outro país, em uma ocasião tão fúnebre, esse seria um tributo aéreo à cerimônia realizada no solo.  

      Mas aqui é o Líbano – uma nação pressionada pelos suspeitos de sempre, cujo exército nacional é proibido de comprar caças de combate  de alta tecnologia ou qualquer outro tipo de defesa aérea significativa. O espetáculo aéreo israelense, como seria de se prever, foi mais uma provocação  – que, por sinal, voltou-se instantaneamente contra os perpetradores. 

      O estádio inteiro – e mais o milhão de libaneses reunidos em volta dele – conseguiram abafar o som dos agentes provocadores, em uma cacofonia de  insultos e xingamentos. 

      Prevaleceu a zombaria, e não a ira. O que vocês vão fazer? Bombardear a nós todos de uma só vez, como fizeram com Sayyed Nasrallah em 27 de setembro de 2024? Estamos aqui e estamos prontos. Manda ver, covardes! 

      “Morte a Israel,” eles gritavam, em um mar de punhos golpeando o ar “Labayka ya Nasrallah” (“a seu serviço, ó, Nasrallah”), eles rugiam a uma só voz.

      Os responsáveis, obviamente, não captaram a mensagem, pois o patético espetáculo aéreo de Hasbara foi reencenado menos de uma hora depois, e recebido com gritos ainda mais altos de escárnio e desafio. 

      Por sinal, engenheiros libaneses confirmam que o ataque da Força Aérea de Israel que despejou dezenas de bombas sincronizadas no comando do quartel-general  subterrâneo do Hezbollah, em Dahiye, o subúrbio ao sul de Beirute, para assassinar o líder da resistência,  só seria possível com o uso de know-how de inteligência/satélite de alta tecnologia dos Estados Unidos. 

      As informações de inteligência que facilitaram o ataque maciço só poderiam ter sido coletadas por pessoal no solo.

      A inteligência de Israel pode se gabar de ter a capacidade de se infiltrar em alguns núcleos da férrea disciplina interna do  Hezbollah, e também de possuir todo o aparato de tecnologia americana necessário à realização de operações indo desde provocações pueris até o Fogo do Inferno. Mas quando se trata do que realmente importa – o campo de batalha – o exército de ocupação de Israel não passa de um bando de maricas. 

      Mestres em Destruição 

      O que nos traz à absurda devastação infligida por Israel ao sul do Líbano com sua fracassada “invasão”. As forças de ocupação, por 66 dias, tentaram desesperadamente penetrar no território, mas foram incapazes de avançar mais que uns poucos quilômetros além da fronteira, antes de recuar imediatamente para suas zonas seguras. 

      Esse padrão de perdas diárias enfureceu as lideranças de Israel, que tentaram compensar essa deficiência lançando ataques aéreos desproporcionais e indiscriminados em todo o Líbano. Os números variam, mas pelo menos 4.800 libaneses foram mortos em batalhas e ataques de mísseis no sul do país, a maioria deles civis. 

      Sem ganhos tangíveis e com a total desmoralização das tropas israelenses na fronteira libanesa, Tel Aviv literalmente suplicou a Washington que firmasse um acordo de cessar-fogo com o Hezbollah.  

      O que abriu espaço para a verdadeira e bem testada especialidade de um exército covarde: a vingança.

      Nada nos prepara para testemunhar os restos da destruição insana  perpetrada pelos israelenses em latitudes específicas do sul do Líbano – de Maroun al-Ras a Odaisseh – e a maior parte desencadeada após o acordo de cessar-fogo. 

      Maroun al-Ras fica no alto de um morro, com uma estratégica vista para a Palestina, ao fundo. Ela é agora um caso clássico de como Israel destrói totalmente uma aldeia a fim de não a salvar. 

      Maroun al-Ras, parte de uma união de municipalidades de  Qalaa, abrigava cerca de 600 unidades residenciais com entre 2.500 e 3.000 habitantes.  Durante o cessar-fogo, os israelenses – que não tiveram competência para ocupá-la durante a guerra – voltaram e destruíram tudo, usando desde bombas camufladas para explodir casas, até arrasar estradas e arrancar árvores. 

      Uma caminhada pelas ruínas de  Maroun al-Ras é o epítome  do Beco da Desolação: uma espécie de microcosmo de Gaza, lugares igualmente impróprios à vida. Mas a resistência está por toda a parte  – das bandeiras do Hezbollah e incontáveis retratos de mártires locais devidamente homenageados às primeiras escavadoras começando a retirar as pilhas de detritos. 

      Odaisseh, bem na fronteira palestina, é um caso igualmente horripilante. Mais uma vez, o exército israelense não conseguiu capturar a cidade após dois meses de luta feroz com o Hezbollah. Mais uma vez, o cessar-fogo foi usado para uma Operação Vingança.  Odaisseh, hoje, foi reduzida a terra arrasada.   

      Em todos esses casos, a mídia do OTANistão não deu sequer um pio, e não houve qualquer condenação vigorosa, e muito menos ação, por parte das Nações Unidas.  

      Diferentemente de  Maroun al-Ras, de onde se pode ver a Palestina ocupada à distância do alto do morro (em primeiro plano veem-se terras libanesas roubadas), os limites de Odaisseh ficam bem em frente a um ponto de controle de fronteira da potência ocupadora/invasora. Um grupo de ocupadores apontou suas armas contra nós durante nossa visita.  Mas o bando mais numeroso era o dos que espreitavam por trás do muro, tremendo de medo. 

      Tel Aviv, como seria de se prever, continua a violar o cessar-fogo que tanto pediu: suas tropas permanecem como invasoras em cinco posições no alto de morros no sul do Líbano, e sua força aérea continua a realizar ataques por todo o país. 

      Vistas como peças de um mosaico, a provocação aérea de domingo, aliada à destruição sem sentido de aldeias do Sul do Líbano, ilustram o que, na melhor das hipóteses, deve ser visto como uma Máquina de Vingança Mortífera posando de estado-nação. 

      Mas a resistência, agora corporificada na memória e no exemplo de Sayyed Nasrallah, se recusa a se intimidar. Não é por acidente que ele é e continuará a ser reverenciado por todo o mundo árabe, pelas terras do Islã e pela Maioria Global. 

      E daí que o presidente e o primeiro-ministro do Líbano não compareceram à cerimônia fúnebre de domingo? Eles não passam de fantoches. O importante é o que foi selado nessa cerimônia extraordinariamente comovente: “Nós somos a aliança”. O grito de guerra da resistência não será abafado”. 

      Em seu último discurso, em 19 de setembro de  2024, o dia seguinte ao ataque terrorista israelense contra os pagers e walkie-talkies do Hezbollah, e apenas oito dias antes de seu assassinato por 85 bombas americanas de uma tonelada, Nasrallah descreveu o inevitável futuro:    

      “A hora do ajuste de contas chegará, mas apenas nós iremos determinar sua natureza, sua escala, sua localização e sua execução – no círculo o mais restrito possível. Pois estamos no cerne da batalha mais precisa, mais sensível, mais profunda e mais decisiva”. 

      Tradução de Patricia Zimbres

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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