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    Aldo Fornazieri

    Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

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    O golpismo e o limite da tolerância

    "Bolsonaro e os bolsonatistas, Nicolas Ferreira, Pablo Marçal, Bruno Engler e tantos ouros precisam ser combatidos como intolerantes"

    Jair Bolsonaro durante participação em evento em Goiânia, 04/04/2024 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

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    Todo o Brasil já sabia que Bolsonaro e a cúpula bolsonarista haviam conspirado para dar um golpe para permanecer no poder e evitar a posse de Lula. A preparação desse caminho foi longa: começou com discursos e atos golpistas desde o início do governo Bolsonaro e culminou com o 8 de janeiro, quando as sedes dos três poderes foram invadidas e depredadas. Ataque às eleições, motociatas, manifestações, reuniões, convocação de embaixadores, bloqueios de estradas e ruas, acampamentos em frente a quarteis do exército foram momentos articulados de incitação permanente ao golpe. Dois dias se destacam nesse processo: o dia 12 de dezembro de 2022, com a diplomação de Lula, quando distúrbios e tentativas de atentados sacudiram Brasília, e o dia 15 de dezembro, quando os golpistas planejaram desfechar atos violentos contra Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, com a subsequente instalação de um gabinete de gestão de crise golpista.

    Esse último episódio, no qual se revelou o planejamento do assassinato do presidente, do vice e do ministro do STF, só veio à tona na última semana, alguns dias após o atentado contra o STF perpetrado por Francisco Wanderlei Luiz. Pelo que foi divulgado até agora, a Polícia Federal fez um trabalho de investigação muito consistente, com fartas provas materiais, para denunciar Bolsonaro e mais 36 integrantes da cúpula golpista, incluindo os generais Braga Neto e Augusto Heleno. 

    A cúpula golpista foi denunciada por três crimes: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e participação em organização criminosa. A soma total das penas pode chegar a 28 anos de prisão. Passado o espanto inicial das revelações sobre o plano golpista, o assunto caiu numa certa normalidade. Nenhuma grande mobilização ocorreu. As manifestações de repúdio também não fugiram muito à normalidade. 

    Os democratas e as esquerdas perderam várias oportunidades de derrotar politicamente o bolsonarismo e o golpismo desde a posse de Lula. O 8 de janeiro foi a mais efusiva e evidente. Por incrível que pareça, os progressistas e as esquerdas escolheram permanecer numa pacata posição de defensiva, assumindo a retórica da normalidade democrática, quando não da necessidade de pacificação, numa circunstância histórica em que a extrema-direita move uma guerra permanente contra o governo e contra tudo o que é progressista.

    O defensivismo resultou numa estrondosa derrota nas eleições municipais. Que Lula, como presidente e como chefe de Estado, promova o discurso da paz, da concórdia, da civilidade democrática e da união, tudo certo. Mas ele não pode se esquecer nunca do paradoxo de Maquiavel: “o príncipe guerreiro em incrédulo deve proclamar a paz e a fé”. Proclamar a paz e a fé não significa deixar de fazer a guerra. E Lula deveria instruir o seu estado-maior, os seus “exércitos”, a promoverem a guerra política contra o bolsonarismo, contra o golpismo e contra o extremismo de direita. 

    Ocorre que estado-maior (o comando das esquerdas) não é constituído por “generais” de campo, mas por “generais” de gabinete. Parafraseando Júlio César: são generais sem exércitos e os grupos militantes e ativistas são exércitos sem generais. 

    O fato é que há bastante tempo, as esquerdas e os progressistas delegaram a tarefa de combater o golpismo ao STF, ao TSE e, agora, à Polícia Federal. Que as instituições do Estado Democrático façam sua parte e cumpram a Constituição, é louvável. Que as esquerdas e os progressistas se furtem de impor uma derrota política ao bolsonarismo e ao golpismo, é criticável. 

    Este é o momento de derrotar o golpismo. A derrota precisa abranger três aspectos: o jurídico, o político e o moral. O jurídico implica no julgamento e na condenação dos golpistas. O político significa numa forte ofensiva política para desnaturalizar o discurso golpista, que se manifesta em várias narrativas e expressões retóricas. O moral implica na denúncia permanente do caráter criminoso do golpismo e em ações e manifestações que visem deslegitimar não só o golpismo, mas a natureza fascista, antipopular e anti-direitos do bolsonarismo golpista. 

    Em que pese a perspectiva da cúpula golpista ser presa, há, contudo, um grande risco. Se os democratas e as esquerdas não fizerem sua parte, a extrema-direita pode assumir uma nova ofensiva pela anistia e pela libertação dos presos, com todo tipo de argumento mentiroso

    Impor uma derrota política e moral ao golpismo significa deslegitimar o discurso de que o 8 de janeiro não passou de uma depredação de prédios públicos. Significa denunciar a bandeira da anistia como uma bandeira de estímulo ao golpe, à violência e à impunidade. Significa não aceitar a minimização dos atos de 12 de dezembro de 2022 e o recente atentado contra o STF. Significa denunciar os acampamentos diante dos quartéis como apelo e incitação golpista aos militares. Significa desmascarar os bloqueios das estradas e de ruas como atos atentatórios ao Estado de Direito. Significa imputar os golpistas a qualificação de terroristas por terem cometido atos violentos e por planejarem o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. As narrativas golpistas precisam ser deslegitimadas no Congresso, nas redes e nas ruas. 

    Os progressistas e as esquerdas precisam ser tolerantes apenas com aqueles que são tolerantes, que querem dialogar, buscar consensos a partir do reconhecimento das diferenças. Com os intolerantes não se pode ser tolerante. Convém lembrar o paradoxo da tolerância de Carl Popper: “tolerância ilimitada levará ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância até àqueles que são intolerantes, se não estamos prontos para defender a sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, juntamente com a tolerância”.

    Popper não está dizendo que se saia por aí a brandir ideias intolerantes. Mas cobra uma ação combativa quando os intolerantes agem para destruir a tolerância, a democracia, a liberdade, os direitos e o Estado de Direito. Se for necessário é preciso usar a força do Estado de Direito para coibir a intolerância. Não há meio termo nisso: ou a intolerância é combatida ou ela destruirá a tolerância. 

    Ele acrescenta: “Devemos afirmar que qualquer movimento que prega a intolerância está fora da lei, e considerar criminoso o incitamento à intolerância e perseguição, da mesma forma que é criminoso o incitamento ao homicídio, ao rapto e ao reavivar da escravatura”. Falta essa clareza e essa firmeza aos progressistas e às esquerdas. 

    Bolsonaro e os bolsonatistas, Nicolas Ferreira, Pablo Marçal, Bruno Engler e tantos ouros precisam ser combatidos como intolerantes. Não se pode aceitar as teses, discursos e práticas fascistas e golpistas desses segmentos como algo legítimo e normal na democracia. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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