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    Gilbergues Santos Soares

    Historiador e cientista político e professor do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Especialista em História do Brasil República, com ênfase na ditadura militar e em democracia, suas instituições e em nossa cultura política pretoriana

    17 artigos

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    O Incrível Exército "verdeleone"

    (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

    Tinha lá meus 15 anos quando assisti “O Incrível Exército de Brancaleone” (L'armata Brancaleone, 1966), filme italiano dirigido por Mario Monicelli, que satiriza costumes medievais, inspirado em “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes. A história se passa no século XI quando o nobre Brancaleone, que não tem uma lança para dar num inimigo, cria um exército andrajoso para lutar por terras que pensa serem suas. Ele vaga pela Europa com seu “exército”, num pangaré, se deparando com a peste, bruxas, bárbaros, sarracenos e bizantinos. Depois, quando cursava História na Universidade Federal da Paraíba, víamos esse filme estudando as relações de classe e o poder da Igreja Católica no Feudalismo. Lembro de um professor que se referia ao Exército brasileiro como a “armada Brancaleone”, pois nossa força nunca foi lá de meter medo em outros exércitos.

    O portal chinês Sohu.com classificou o Exército brasileiro como o “mais falso e vazio do mundo e sem ambição”. O site trouxe um artigo mostrando que, em média, 30% dos gastos militares da maioria dos países vão para aquisição de armamentos e equipamentos. Informou, também, que as Forças Armadas do Brasil investem 1,3% dos seus gastos militares com armas e equipamentos e que o resultado disso é uma força com “fraca eficácia de combate e armamento atrasado”.

    O Sohu.com apontou, ainda, que o Exército destina 80% de seus gastos militares para pagamento de salários, aposentadorias e pensões. Claro, não falou que parte considerável dos gastos militares são destinados para que se mantenham privilégios de uma casta de generais que nunca participou sequer de um exercício de guerra, nem tratou da farra das pensões destinadas às filhas dos generais, muito menos dos gastos com picanha, whisky, viagra e próteses penianas.

    O Sohu.com aponta três fatores para o Exército investir mal e porcamente em armamentos e equipamentos, considerando o Brasil um "país frouxo": 1) não se sente pressionada geopolítica e estrategicamente pelos seus vizinhos; 2) não sonha ser potência militar, muito menos competir com EUA por hegemonia regional (mesmo que quisesse, não poderia ou não se atreveria); 3) não precisa desenvolver suas Forças por não ter inimigos estratégicos ou imaginários. Tal qual a armada brancaleônica, em busca de poder e glória para seu nobre comandante, os objetivos dos militares são muito específicos, em geral se dão em torno de “questões internas”.

    Outra coisa que o Sohu.com não fala é que o Exército mais parece um partido político, descuidado da segurança das fronteiras do país, dedicado em ser linha de frente dos muitos golpes, intervenções e quarteladas que já tivemos e que passou 21 anos governando o país através de uma ditadura que prendia, torturava e matava. O historiador Carlos Fico nos lembra que “todas as rupturas institucionais brasileiras foram feitas por militares, mais particularmente pelo Exército”.

    Agora mesmo vimos como os militares são descolados da realidade das relações (de poder) internacionais. O presidente do Superior Tribunal Militar, ministro Joseli Parente Camelo, disse a Josias de Souza numa entrevista ao UOL, que o preconceito de militares com Lula deve-se ao medo do fantasma do comunismo. Pode o poder armado ter medo de  fantasmas e do comunismo, duas coisas que muitos nem acreditam que possa existir?! Depois, quando os chineses dizem que nosso Exército é o "mais falso e vazio do mundo", militares ficam com raiva. Tal qual Brancaleone, que acreditava em bruxas e em magias, os militares seguem crendo em fantasmas, mas porque isso?

    Na verdade, o preconceito dos militares em relação a Lula, ao PT e a esquerda têm outras explicações, pois Lula NUNCA foi ideologicamente comunista. Primeiro, temos questões de classe. O Exército ficou contra os trabalhadores quando se aliou a burguesia nacional e ao capital internacional, para darem o golpe de 1964. Em “1964: A conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe”, o historiador uruguaio René Armand Dreifuss chama essa aliança de “processo político e ideológico através do qual os interesses multinacionais associados e seus intelectuais, empresários, políticos e militares assumem o controle do Estado”. (DREIFUSS, 1987, p. 106).

    Temos a questão ideológica e de valores, pois o Exército é por definição conservador, reacionário, positivista e de direita. E temos a questão política, pois ele se comporta, desde os tempos do Tenentismo, como um partido que precisa intervir nas instituições e na realidade social, econômica e política do país. O jornalista Fabio Victor, em “Poder Camuflado – os militares e a política, do fim da ditadura à aliança com Bolsonaro”, cita a revista “A Defesa Nacional” (1913) para mostrar que o foco nas questões internas vem de longe: “O Exército precisa preparar-se para a sua função conservadora e estabilizadora dos elementos sociais em andamento. Ele deve estar pronto para corrigir perturbações internas”. (VICTOR, 2022, p. 277).

    Militares não têm medo de Lula, têm raiva! Eles o tratam como inimigo porque foi o PT que propôs enquadrá-los num ordenamento que os impedisse de agir como poder moderador da República. Fabio Victor traz uma resolução do Diretório Nacional do PT (2016) que defende “reformulação do papel das Forças Armadas (para) aplicar as recomendações da Comissão Nacional da Verdade sobre direitos humanos e a alteração dos currículos das escolas oficiais, expurgando valores antinacionais e antidemocráticos como o elogio ao golpe de 1964 e ao regime militar que então se estabeleceu”. (VICTOR, 2022, p. 351). Na verdade, o Exército brasileiro não quer ser uma força bem armada, prefere seguir sendo uma infantaria brancaleônica.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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