O jangadeiro
Era nos bares que a vida acontecia. Em suas mesas surgiram ideias de poemas, livros, jornais, shows, peças e filmes. Planejou-se até a derrubada da ditadura
Rio - A Ipanema dos anos 50 e 60, começava no ‘Bar 20’ e terminava no bar ‘Jangadeiro’, na Praça General Osório.
Era nos bares que a vida de Ipanema acontecia. Em suas mesas surgiram ideias de poemas, livros, jornais, shows, peças teatrais e filmes. Planejou-se até - pasmem! - a derrubada da ditadura.
Entre os mais famosos, tinha o ‘Bar 20’, na divisa entre Ipanema e Leblon; o ‘Mau Cheiro’, que tinha esse nome porque os pescadores limpavam o peixe na calçada; o ‘Zeppelin’; o ‘Veloso’, que, na verdade, se chamava ‘O Botineiro’, mas ninguém nunca chamou assim; e tinha o ‘Jangadeiro’ que viria a ser, talvez, o mais concorrido ‘point’ carioca.
O ‘Jangadeiro’, quando foi inaugurado, em 1935, chamava-se ‘Bar Rhenania’ e ficava na Rua Visconde de Pirajá, 80, ao lado do antigo Cinema Ipanema, na Praça General Osório. Era famoso pelo chucrute, bife com fritas e o chope bem tirado na pressão.
Em 1942, durante a 2ª Guerra Mundial, submarinos alemães começaram a afundar navios brasileiros. Em represália, um grupo de jovens nacionalistas, entre os quais o jornalista João Saldanha, Aristides - irmão dele - Sinhozinho, Hans, Rudolf Hermanny e o ator Silveira Sampaio, invadiram e destruíram o bar.
Victor Fleischer, um austríaco que comprou o bar de seu fundador, o alemão Müller, em 1938, não tinha a menor simpatia pelo nazismo. O azar de “Seu” Victor foi ser conterrâneo de Hitler e o bar ter o nome de uma região histórica da Alemanha.
Após a reconstrução, o nome germânico foi retirado da fachada. O bar passou a se chamar Jangadeiro. Nome de uma rua próxima, a Jangadeiros (no plural).
A Partir daí, uma nova geração de boêmios começou a frequentar o local. Eram nomes como Rubem Braga, Gláucio Gil, Millôr Fernandes, Fernando Sabino, Vinícius de Moraes, Lúcio Rangel, Otelo Caçador, Tônia Carrero, Roberto Menescal, Carlinhos Lyra, Tom Jobim, Joaquim Pedro de Andrade e Vinicius de Moraes, entre outros.
O bar foi durante muitos anos a “sede” e a concentração da Banda de Ipanema, fundada na segunda metade dos anos 60. Suas mesas eram frequentadas por Jaguar, Ziraldo, Albino Pinheiro e Ferdy Carneiro que comandavam a banda. A banda, trazendo à frente uma faixa – Yolhesman Crisbeles - saía do Jangadeiro, percorria as ruas do bairro e voltava ao bar.
No boteco, reuniam-se jornalistas, intelectuais, músicos, poetas e cachaceiros de várias gerações. Na época, os bares tinham uma importância singular para os artistas. Era nos bares que se reuniam os principais personagens da “Esquerda Festiva” (termo cunhado pelo jornalista Carlos Leonam) de Ipanema.
Cada bar tinha o seu público específico. Assim, os escritores e os jornalistas se reuniam no Zeppelin; os músicos no Veloso; o Mau-Cheiro era frequentado pelo pessoal do Cinema Novo e o Jangadeiro era o reduto do pessoal da Banda de Ipanema.
O ‘Jangadeiro’ não era só um bar. Era um estado de espírito, uma filosofia de vida. Era um boteco simples, com cadeiras de palha e piso de ladrilho branco. Foi palco do cinema novo, da bossa nova e da Banda de Ipanema.
Bem de frente ao bar, na Praça General Osório, havia um minúsculo teatro (Aurimar Rocha) que de tão pequeno era chamado 'Teatro de Bolso', onde Leila Diniz começou sua carreira como atriz.
Nele, outro personagem fez relativo sucesso. Era “Barbado”, um boêmio de quatro patas que batia ponto no 'Jangadeiro'. Cachorro de estimação dos frequentadores, chegou a participar da peça “Ratos e Homens”, de John Steinbeck.
A peça entrou para os anais da história de Ipanema, por causa de uma cena inusitada. No enredo da peça havia uma cena em que ‘Barbado’ atravessava o palco. Para realizar a cena foi montado um esquema entre o pessoal do teatro e os garçons do ‘Jangadeiro’.
Os frequentadores, após darem de comer ao 'Barbado', não lhe davam água, mas sim chope, que era servido numa vasilha metálica, exclusiva do cão.
O cão virou alcoólatra.
O ator Antônio Pedro contou que o garçom Ratinho ficava encarregado de alimentar o ‘Barbado’ até a hora do espetáculo. Na cena do ‘Barbado', o cão-ator era colocado de um lado do palco e a vasilha com chope do outro. Ao avistar a vasilha, ‘Barbado’ atravessava, tranquilamente, o palco e ia encher o ‘focinho’ do outro lado, atrás das cortinas.
‘Barbado’ jamais faltou a um espetáculo durante toda a temporada.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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