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    Gustavo Conde

    Gustavo Conde é linguista.

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    O mundo encantado de Tabata Amaral

    "Uma jovem que poderia liderar de fato uma revolução política conceitual nas periferias do país, foi logo "descoberta" e abduzida pelos deslumbramentos tacanhos e despolitizados que grassam nas escolas particulares", diz o colunista Gustavo Conde, sobre o papel da deputada Tabata Amaral na cena política brasileira

    (Foto: Agência Câmara)

    Acabo de ler a entrevista da Tabata Amaral para a Folha de S. Paulo.

    Como diria Andy Warhol, trata-se um discurso "profundamente superficial". É uma experiência diferente ler o que Tabata pensa. Não são clichês, são fragmentos de clichês.

    Não há propriamente uma voz ali, mas um amontoado de sentenças de autoajuda, fé e palestra motivacional. O sujeito gramatical foi esmagado - e realmente parece ter um "financiador-fiador" na sua reconstrução "facial".

    Tabata pede licença a 'si mesma' de maneira intermitente para dizer coisas mais à esquerda ou mais à direita. Há uma insegurança estrutural no seu discurso.

    Psicanaliticamente, há ainda mais marcas interessantes. Ela diz o tempo todo que "não há ninguém por trás dela". Há mais de cem anos, a psicanálise já catalogou esse gesto como denegação. Ou seja: há - e ela presta constas a esse "alguém" no ato mesmo de enunciar.

    É flagrante.

    Há, também, um aspecto simplório em seu discurso. Uma curiosa falta de sofisticação retórica para quem alardeia curso de ciência política e astrofísica em Harvard. Vazios gramaticais, regência trôpega, inadequações na seleção lexical.

    Destaque-se que todos esses traços podem lhe ser positivos, como se fossem uma certa busca deliberada pela fala popular.

    Mas soam artificiais.

    Certamente, ela teria a resposta certa na ponta da língua para o fato de eu, um desconhecido e obscuro linguista, lhe dedicar atenção crítica: eu só estaria dizendo isso porque ela é "mulher".

    Eis mais um traço perturbador em sua dicção. Todas as críticas que lhe são imputadas só grassam na cena pública porque ela "é mulher".

    Nem Dilma Rousseff nem Jandira Feghali nem Gleisi Hoffmann nem Manuela D'Ávila, mulheres espancadas diariamente pela imprensa e pela elite machista brasileira, passam a vida dizendo que as críticas que lhes são dirigidas são em função do gênero (quem diz isso, no caso dessas mulheres, é a opinião pública democrática).

    O vitimismo de Tabata, portanto, também é digno de atenção.

    Eu diria que a deputada é um 'relato de caso'. Seu texto e seu discurso podem figurar pelos próximos 20 anos de pesquisa em linguística, como um testemunho contundente do vazio político que tomou conta de toda uma geração.

    São marcas espetaculares, meridianas, que facilitam o trabalho do pesquisador em linguagem.

    Há uma ressalva importante a se fazer, no entanto. Tabata é de origem humilde. Há marcas fortíssimas em seu discurso dessa origem, de um letramento "conquistado", não de "berço".

    São muitos elementos que a colocam no topo da instrumentalização política. Ela é realmente uma "vítima", mas não do sistema misógino. Ela é vítima do voluntarismo elitista, que a sequestrou.

    Uma jovem que poderia liderar de fato uma revolução política conceitual nas periferias do país, foi logo "descoberta" e abduzida pelos deslumbramentos tacanhos e despolitizados que grassam nas escolas particulares, essa estética "Disney" que formata reputações acadêmicas, num festival de promiscuidade entre professores, pais e, no caso de Tabata, financiadores muito conscientes de como abortar uma promessa de liderança.

    Tabata, no entanto, não é mais uma "estudante". É vacinada, maior de idade e deve buscar as condições para se desvencilhar do aprisionamento ideológico no ultra liberalismo, esse mosaico de ideias fracassadas que fundamentam todo o atraso político digno de desprezo que devasta a economia brasileira neste momento.

    Ela merece respeito, porque, talvez, suas intenções realmente não sejam as piores.

    Deixo alguns trechos de sua entrevista para a Folha para degustação dos leitores.

    Com vocês, Tabata Amaral:

    "Vou ser uma aliada quando achar que as pessoas estão corretas."

    "O conhecimento salva, olhar os dados, ouvir as pessoas, é o melhor caminho. Quando faz isso, a resposta às vezes está na esquerda, às vezes na direita."

    "Os partidos são uma barreira para a renovação da democracia."

    "A gente só conhece duas pessoas que foram mortas por defenderem suas ideias: Ceci Cunha e Marielle Franco."

    "O presidente da República publicou um vídeo dizendo que eu não passava de um rostinho bonito, na página oficial dele. Isso é grave, eu sou uma deputada federal tem de ser respeitada."

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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