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      Pedro Maciel

      Advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007

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      O novo CEO do império e os feudatários patéticos

      A democracia liberal é incapaz de “entregar” o desejado Estado de bem-estar social

      (Foto: Reuters)

      Encontrei o Beto no Ventura Mall, não o via desde a 8ª série.

      O Beto é um “coleguinha” da escola estadual Gustavo Marcondes, lá no Taquaral, onde estudei da 4ª à 8ª séries; ele era “bom de bola” (jogávamos futebol de salão nas quadras da Lagoa do Taquaral, pois a escola não tinha quadras na época e as aulas de educação física aconteciam lá).

      Encontrá-lo trouxe lembranças de um tempo de grandes descobertas, protegidas pela ingenuidade da infância e instigadas pela curiosidade corajosa da pré-adolescência; lembramos do passe-escolar; dos ônibus da CCTC; que não tínhamos “uniforme escolar”, mas um avental branco no qual era bordado no bolso o brasão da escola; rimos muito de todas as nossas certezas.

      Foi no Gustavo Marcondes que descobri, graças à professora de Educação Moral e Cívica, que a Política pode mudar algumas coisas  no mundo; aprendemos a levar à Dona Therezinha, diretora da escola, as demandas dos alunos, desde que o pedido fosse feito “de maneira formal, através de um oficio da diretoria do Centro Cívico”; disputamos as eleições e vencemos (talvez a minha militância política tenha começado no Gustavo Marcondes aos doze anos e não no movimento secundarista a partir do 2º colegial no Vitor Meireles como eu sempre digo).

      Conversamos também sobre Ponte Preta, nossa paixão, e depois demoradamente refletimos sobre a inflexão à direita que acontece no mundo; sentamos para um café na Kopenhagem.

      Lamentamos esse giro à right e, em alguns lugares, à far right; concordamos que a ascensão da direita e extrema-direita no mundo pode ser compreendida comparando-a com o período entre-guerras (de 1918 e 1939), época que gestou o fascismo e o nazismo.

      No período entre-guerras, enquanto os EUA viviam o “boom industrial”, na Europa, destruída pela guerra, a miséria era grande; o tratado de Versalhes e a Liga das Nações impuseram grande e injusto sofrimento à Alemanha, derrotada na guerra.

      Do sofrimento do povo alemão nasceram: desencanto, revanchismo, ultranacionalismo anti-liberal e o desejo do expansionismo militar; o desencanto criou o ambiente necessário para a ascensão de lideranças carismáticas e messiânicas.

      Se no período entre-guerras o desencanto com a democracia liberal criou as condições para a ascensão de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar, atualmente os povos de todo o mundo estão desencantados com a mesma democracia liberal, guardiã do capitalismo.

      Fato é que a democracia liberal é incapaz de “entregar” o desejado Estado de bem-estar social, pois ela existe para garantir o processo de acumulação de riqueza nas mãos de poucos, não para distribuir a riqueza produzida.

      O atual sentimento de desencanto foi percebido pela extrema-direita, que passou as últimas décadas construindo a versão, aceita e tida como verdade, de que: “a esquerda é a causa de todos os males”, o anticomunismo está presente novamente, como na época do nazismo.

      Essa narrativa é aceita como verdade pelos ressentidos e desencantados, mesmo que não guarde nenhuma conexão com a realidade, especialmente se pensarmos que o mundo bipolar deixou de existir há quase quarenta anos e, se as coisas não estão boas, a responsabilidade é do capitalismo.

      Falando do capitalismo, Beto e eu chegamos à posse de Trump, o 47º Presidente dos Estados Unidos da América. As imagens da posse reafirmaram o conhecido caráter imperial e messiânico do qual a extrema-direita estadunidense se orgulha.

      Foi uma festa do Império, para a qual foram convidados apenas aqueles que farão parte, direta ou indiretamente, de um governo imperial, de forte inspiração no Nazismo alemão e que atenderá aos interesses do (a) mercado financeiro e (b) das grandes plataformas como “X”, Facebook, Instagram, dentre outras.

      Alguns parlamentares brasileiros, feudatários do Império, estiveram por lá, para assistir a posse, mas apenas passaram vergonha; foram barrados e assistiram o evento na calçada, na neve ou em alguma TV no hotel ou telão de rua, tudo pago com dinheiro público do contribuinte brasileiro; os parlamentares de extrema-direita, além de cafonas, ignorantes e mentirosos, são como tumores malignos com enorme capacidade comunicacional.

      O fato é que o mundo mudou e nós da esquerda, que acreditamos num mundo onde os direitos coletivos devem conviver em harmonia com os direitos individuais, não sabemos como dar eficiência à nossa militância num mundo que é grandemente digital, perdemos a capacidade comunicacional (ou nos tornamos tão arrogantes que deixamos de ouvir o povo?).

      Assistir as imagens da posse do novo CEO, Chief Executive Officer, do Império  me levou de volta ao livro “Império”, de Michael Hardt e Antonio Negri, um livro audacioso que busca reconceituar as bases do pensamento político, econômico, filosófico, cultural e antropológico a partir de uma perspectiva pós-moderna.

      Os autores, um italiano e um estadunidense, propuseram um inovador mapa conceitual do mundo contemporâneo, reinterpretando os conceitos e significados de Estado, política, soberania, globalização, além de visitarem autores fundamentais como Espinosa, Marx, Maquiavel, Foucault, Deleuze, Guattari, dentre outros.

      O livro é de 2001, li e reli apaixonado, mas a sua sequência: “Multidão: guerra e democracia na era do Império”, que ainda está lá na minha interminável pilha de “leituras pendentes”, aliás a minha vida é uma interminável lista de pendências, que coexistem ao lado de erros de todas as naturezas.

      Defendo a ideia de que nós da esquerda “perdemos o bonde da História”, não sabemos mais o que fazer e o Livro de Hardt e Negri pode dar alguns bons caminhos e boas pautas.

      Foi bom encontrar o Beto, relembrar da escola “Gustavo Marcondes”, das aulas de educação física no Taquaral, do Centro Cívico e da coragem que tínhamos, aos doze anos, de levarmos reivindicações à D. Therezinha, nossa diretora.

      Boas lembranças e algumas reflexões.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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