O "olavismo" nos movimentos sociais: uma contaminação perigosa
Nascido em Campinas a 74 anos, Olavo de Carvalho vive nos Estados Unidos desde 2005. Já se apresentou como astrólogo e agora se arvora filósofo e professor sem, contudo, jamais ter concluído o segundo grau. Um desocupado que vive de golpes e hoje ganha fortuna com “ensinamentos” para indivíduos iletrados, ressentidos pela nulidade das suas vidas que (por isso) se sentem legitimados para desprezar tudo que não conseguem compreender: a ciência, a história, a economia, o direito, a filosofia e, acima de tudo, todos os seres humanos que não são exatamente como eles.
Malandro, Olavo descobriu e repassa um método que tem agradado seus seguidores. Quando não dominar um assunto ou quiser afirmar sua opinião sobre algo, ainda que não tenha a menor noção do que está falando, seja agressivo, xingue, fale palavrões, invente interpretações e narrativas acerca do fato em discussão, procure nas redes sociais qualquer tipo de argumento que legitime seu ponto de vista, independentemente da fonte: acima de tudo, desqualifique seu interlocutor ou interlocutora. Valem rótulos reducionistas como comunista, feminista, globalista; acusar o oponente de racismo reverso, heterofobia, cristianofobia, questionamento da trajetória pessoal, profissional ou acadêmica da pessoa ou do grupo do qual ele ou ela fazem parte.
Essa forma de elaboração permite o pensamento monolítico, que não admite controvérsia, o raciocínio lógico, o conhecimento de história e serve pra qualquer teoria, mesmo as mais tresloucadas. O êxito do método é o fato de elevar a auto estima de quem o adota ao nível da mais impressionante arrogância, permitindo a indivíduos profundamente ignorantes nivelarem sua limitada visão de mundo às elaborações teóricas sofisticadas e fundamentadas, uma vez que tudo se resumiria a “opiniões” e “narrativas”.
O imenso sucesso do olavismo entre aqueles que se auto classificam de direita (a sua maioria sem ter a menor noção do que isso significa), todavia transbordou para outros agrupamentos sociais e suas metástases cancerosas podem ser percebidas em inúmeros seguimentos; mesmo naqueles que se tornaram os alvos preferenciais dos assumidamente seguidores do delinquente.
É fato que, principalmente a partir do movimento Black Lives Mattergrandes empresas e a mídia corporativa perceberam que negros e demais excluídos são um interessante mercado consumidor e, por isso (e somente por isso) começaram a abrir mais espaço para esse segmento nas empresas e na mídia corporativa. Certamente existe um lado positivo, por tirá-los da invisibilidade e garantir mais e melhores empregos para pessoas historicamente marginalizadas. Por outro lado, existe a cooptação de lideranças que, graças à sua luta contra as discriminações, conquistam reconhecimento social e por vezes, muito rapidamente o transformam em riqueza pessoal, abandonando as demandas coletivas que fizeram com que se tornassem referência. Além disso, setores políticos conservadores, que têm em seu DNA o racismo, o machismo e a LGBTfobia, oportunisticamente cooptam essas lideranças, cuja ascensão econômica e política passam a ser exibidas como “prova” de não preconceito; da validade da democracia racial e da meritocracia.
Assim, estas lideranças e anônimos tornados celebridades graças às redes sociais, aderem à lógica empresarial, a movimentos conservadores e aceitam a inserção subalterna, individual, em detrimento da inclusão coletiva, que propugnavam. Um dos caminhos trilhados é a redução desse tipo de luta a pautas identitárias, recusando o seu caráter de luta de classes e se materializando na má utilização de frases como “Estamos por nossa própria conta”, de Steve Biko, para justificar saídas individualistas.
E é na defesa da cooptação que a tática olavista torna-se útil, pois interdita o debate e serve para legitimar toda forma de apropriação das pautas coletivas em proveito individual, uma vez que tudo giraria em torno do empoderamentode pessoas pertencentes a grupos historicamente discriminados. Para tanto, seguindo a cartilha de Olavo, desprezam ou demonstram ignorância do caráter de lutas antissistema e subversivo desses grupos e desqualificam o interlocutor, atribuindo as críticas a questões pessoais ou subordinação à “lógica da esquerda”, que seria tão ou mais racista que a direita.
O preocupante é que esse tipo de discurso agressivo, performático, supostamente transgressor, tem a função de naturalizar o adesismo, a cooptação e pavimenta o caminho que leva ao desvirtuamento do caráter revolucionário que esses movimentos sempre tiveram, desidratando o seu potencial de transformação coletiva.
O “olavismo” que se espraia entre importantes setores dos movimentos sociais, para além de um método condenável de debate, representa um forte escudo para os mercadores do movimento e um instrumento útil para legitimar a traição.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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