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    Emir Sader

    Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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    O Oriente como invenção do Ocidente

    "Aquele que era o Outro do Ocidente, criado para espelhar sua força, passa a ser um fantasma muito real, que assusta o Ocidente", analisa Emir Sader

    Donald Trump, dos Estados Unidos, e Xi Jiping, da China (Foto: REUTERS / KEVIN LAMARQUE)

    O Oriente era quase uma invenção europeia, um lugar de romances, de seres exóticos, de memórias, de paisagens, de experiências notáveis. Era o Outro, o que não era o Ocidente, uma definição por exclusão.

    Que incluía países tão distintos, como o Japão e o Afeganistão, a Síria e a China.

    O livro Orientalismo, de Edward Said, é uma das obras essenciais do mundo contemporâneo. Um autor especial. Palestino, tornou-se professor de literatura comparada da Universidade de Columbia. E, além disso, um grande pianista.

    Um dia, na livraria em frente à Universidade de Columbia, justamente buscando seus livros, eis que eu o vejo ao meu lado. Nos tornamos amigos, fui ao seu Departamento, depois nos correspondemos sempre. Ele aceitou vir ao Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Mas ficou doente e morreu antes de poder vir.

    Seu livro é uma das minhas leituras preferidas. É uma crítica concreta do eurocentrismo que marca quase todas as obras históricas ocidentais. 

    Ele evidencia como a imagem do oriental era degradante na literatura ocidental. “A mente oriental abomina a precisão. Carência de precisão, que facilmente degenera em insinceridade, é na verdade a principal característica da mente oriental”, diz um. Mas, pior: os orientais são simplórios, desprovidos de energia e de iniciativa, muitos dados a adulações de mau gosto, intriga, simulação e maus tratos dos animais. Os orientais são incapazes de andar em uma estrada de calçamento. São mentirosos inveterados, letárgicos e desconfiados, em tudo se opõem à clareza, integridade e nobreza da raça anglo-saxônica. 

    As limitações dessas visões são as de desconsiderar a humanidade das outras culturas. O orientalismo é uma influente tradição acadêmica, uma doutrina imposta ao Oriente, porque este era mais fraco com o Ocidente. 

    Desde a Segunda Guerra e, de modo mais observável, após uma das guerras árabe-israelenses, o árabe muçulmano tornou-se uma figura na cultura popular do Ocidente. Significa uma importante mudança na configuração internacional de forças. 

    O fato de serem fornecedores de petróleo para o Ocidente faz com que exista certa cautela na desqualificação dos árabes e da sua cultura, sem nunca desaparecer.

    O ressurgimento da China como potência econômica coloca outro elemento incômodo para a cultura ocidental. Um país que, com certa rapidez, superou economicamente os Estados Unidos, obriga a considerar não apenas a força econômica, mas a história e a cultura chinesas. A China tornou-se o principal adversário dos Estados Unidos, na concepção geopolítica deste país. 

    Quando, nos Estados Unidos, desapareceu a ideia de que as novas gerações viveriam melhor que as anteriores, foi um golpe duro na autoconfiança dos norte-americanos. Ao mesmo tempo que a China revela uma autoconfiança de que o futuro lhe pertence, reverteu as relações de força entre os dois países, e entre o Ocidente e o Oriente.

    Ao mesmo tempo, os aliados tradicionais dos Estados Unidos, a Europa e o Japão, também entram em decadência, enquanto os Brics potencializam a força da China e da Rússia. 

    O Oriente assim, deixa de ser um amálgama de forças inexpressivas para ganhar identidades próprias, fortes, articuladas entre ei. A dinâmica econômica e política transfere para regiões e zonas do Oriente as decisões fundamentais no mundo contemporâneo.

    Aquele que era o Outro do Ocidente, criado por este, para espelhar sua força, passa a ser um fantasma muito real, que assusta o Ocidente e reforça sua decadência.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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