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    Jean Menezes de Aguiar

    Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

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    O patético, incompetente e criminoso 8/1/23

    Há no patético, sempre, o trágico. Erros de cálculos primários; decisões iludidas; crenças defeituosas em falsos sistemas de garantia e salvação

    (Foto: Joedson Alves/Agência Brasil)

    Algumas incompetências humanas são apenas trágicas. Alguns crimes são também vergonhosos. Algumas cabeças continuam estúpidas. É apenas dar nome aos bois.

    Vivendo-se uma sofisticada era digital, arejada por moderníssimas democracias, uma provinciana liderança e seus obedientes, de um mondrongo Brasil bestializado e criminoso intenta nada mais que o patético. Isto mesmo. O 8/1/23 em Brasília. Assim, arrasta uma horda crédula de que sua romeirização ideológica anularia uma eleição oficial, e, de quebra, daria um criminoso golpe de Estado.

    O filósofo F. Schiller, século XVIII, designava como patético ‘o que deriva de um objeto ameaçador em si mesmo, para a natureza física do homem, portanto doloroso’. Parece não haver outro conceito para a idiotice humana de 8/1/23 senão este, o ‘patético’, inclusive por sua via antropofágica ou bumerangue, em que fatores como prejuízo financeiro, vexame, burrice e, claro, prisão, eram desde sempre a quadra de consequência mais óbvia.

    Há no patético, sempre, o trágico. Erros de cálculos primários; decisões iludidas; crenças defeituosas em falsos sistemas de garantia e salvação. Assistir, como mero expectador, ao modo patético de alguém é deprimente. Quer-se ajudar, tirar a pessoa daquilo, dizer – não, não faça isto! Já ser efetivamente o agente que pratica o ato, estima-se, é atravessar o portal do inferno e, de quebra, sentir a vergonha e a dor schillerianas.

    Sobre a incompetência há estudos sábios, ou divertidos. Não se precisa invocar Boyle, cientista do século XVII que elencou os 10 princípios básicos pelos quais uma hipótese será boa ou excelente, para se perceber que a retrógrada hipótese de um golpe-de-Estado-tá-ok?, envolvendo especificamente aqueles criminosos escolhidos para a operação, e então encalacrados até o pescoço, seria um desastre.

    Todos os golpes pós-1950 em todo o Cone Sul e região foram feitos por criminosos militares, nunca por criminosos civis. Esta ficou sendo a marca internacional de o que se passou a chamar de Republiquetas. Os franceses, noutra ótica, cunharam a expressão Terceiro Mundo. Os tais e vários golpes de Estado na região deram certo justamente pelo criminoso uso da força pelas Forças Armadas, pagas pelo povo, contra o povo.

    Este segundo quesito, no 8/1/23, da incompetência – principalmente a que se alia à burrice- é imbatível. Produz autoestragos desastrosos, atinge inocentes, causa danos às próprias famílias e amigos. O terrorista brasileiro – lembra o Vampiro Brasileiro, de Chico Anísio- que tentou explodir Brasília, por exemplo, quando saiu de casa foi advertido pelo filho, de 16 anos de idade, que aquilo que ia fazer poderia dar problema. Percebe-se que o rapaz é muito melhor que o envergonhante – e criminoso- pai.

    Quanto ao terceiro quesito, o crime em si, as autoapelidadas ‘pessoas de bem’ sempre exigiram que lugar de criminosos seja na cadeia. Isto quando não teorizam, após se orgulharem de seu indefectível lado cristão, que ‘bandido bom é bandido morto’. É o moralismo exemplarista ao qual punir, e se possível matar, é a meta.

    Mas uma coisa se aproveita desses aí: lugar de criminoso perigoso é, sim, mesmo, na cadeia. Sejam traficantes, assaltantes, homicidas, sequestradores ou a patriotagem do 8/1/23 que explode, depreda, rouba etc. Assim, todos esses aí têm seus lugares vips onde tinha que ser: no sistema carcerário.

    Ninguém que minimamente saiba ler, no caso o Código Penal, por mais bolsonarento que seja, poderá discutir que o que houve em 8/1/23 foi, técnica e juridicamente, crime. Para quem tem dúvida de o que seja ‘crime’, a questão é simples. Está no primeiro artigo do bom e velho Código Penal: ‘Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção’.

    Ou seja, para que se fale, juridicamente, em ‘crime’ exigem-se basicamente dois fatores: fato típico (comportamento humano consubstanciado em conduta, resultado, nexo de causalidade e enquadramento) e antijuridicidade (relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico). Em regra, não mais se exige o elemento da punibilidade.

    Qualquer estudante de Direito Penal 1, na faculdade, aprenderá que o 8/1/23 envolveu não um, mas diversos crimes, graves, e, por isso, apenados com sistema fechado de encarceramento, a reclusão.

    Repare-se ainda que no caso do 8/1/23 tanto a imprensa quanto o próprio governo em geral centraram-se apenas, pelo menos até agora, nos cinco crimes visíveis e mais fáceis de prova, os de: associação criminosa armada (art. 288), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L), tentativa de golpe de Estado (art. 359-M), dano qualificado (art. 163, III) e deterioração de patrimônio tombado (art. 165).

    Imagine-se, por exemplo, o que não foi roubado e furtado qualificadamente, das gavetas, mesas e gabinetes oficiais, pelas tais ‘pessoas de bem’, quase todas com mochilas. Mochilas? Sim e pois é, basta rever imagens. E ainda tem a turma do dinheiro, a que financiou o patético golpe. Deve estar há um ano dormindo às custas de remédio, pois, já percebeu, a fatura vem aí.

    Grande parte da imprensa ainda tem dificuldade em nominar criminosos presos em flagrante, como foi o caso de 8/1/23. Opta por contorcionismos eufemistas como ‘vândalos’ e ‘baderneiros’. Quase ‘peraltas’ e ‘meninos levados’. Mas há nome próprio para o que se assistiu na TV, para todos aqueles ali: meramente criminosos.

    Derrotar esta gente, regularmente pela lei e pelo processo penal, como está sendo o caso, não dá prazer, é mera necessidade funcional e democrática do Direito, e valor para futuras gerações. Esperando que o exemplo sirva de exemplo.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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