O poder e a assombração
'Recomendar o voto nulo é um gesto político necessário', escreve o colunista Milton Alves sobre a disputa em Curitiba (PR)
A campanha eleitoral caminha para a derradeira semana, de uma acirrada disputa entre duas candidaturas das direitas — a velha direita neoliberal, mesclada com o bolsonarismo institucionalizado e o lavajatismo, e a extrema direita, também bolsonarista, versão mais messiânica e estridente, estilo Pablo Marçal. Ou seja, o atual vice-prefeito Eduardo Pimentel (PSD) e a jornalista Cristina Graeml (PMB), ambos tributários e serviçais das mesmas castas políticas e econômicas dominantes na cidade. Só para lembrar: ele e ela, marcharam juntinhos na última disputa presidencial ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Dito isso, é necessário ir mais adiante na caracterização política e ideológica das duas candidaturas, se há mesmo alguma diferença essencial ou mesmo algum pendor democrático qualitativo que justifique a necessidade de indicar o voto nele ou nela.
Gente de esquerda e progressista passou a enxergar, no segundo turno, virtudes e até uma afetada exaltação do que seria a vocação de um imaginário compromisso civilizatório, com o bem comum, então representado pelo candidato governista. Já ela, representaria a danação mais atroz, uma espécie de rainha diaba, a ser jogada de volta para as profundezas dos círculos infernais retratados por Dante Alighieri. Um maniqueísmo típico em processos eleitorais de alta intensidade.
Mas deixando de lado os prolegômenos, e indo para os finalmentes, como diria o saudoso prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu. Vejamos algumas pistas na busca do critério da verdade.
Ele e ela, vestígios e sombras
Ele, Pimentel, já é o poder, é o representante do consórcio governista que controla o governo estadual e a prefeitura — que privatiza agressivamente os ativos patrimoniais do Estado [na próxima mira, a Celepar e o nosso sistema público de dados], que promove as escolas de adestramentos cívicos militares, que vende as escolas públicas estaduais, que fez o pedágio mais caro do país, que bolsonarizou a PM/Rone [ quase 2 mil mortes de pobres nos últimos anos], que deixou os professores estaduais à míngua. Um consórcio governista amigo do agronegócio, predador da natureza do Paraná, que massacra e rouba as terras indígenas, amigos do peito da família Bolsonaro –, e que tem como candidato a vice-prefeito um militante bolsonarista raiz, o ex-deputado Paulo Martins, que nutre um ódio doentio contra as organizações sindicais e os direitos dos trabalhadores. Além disso, não esqueçamos, a presença do delinquente Deltan Dallagnol.
Ela, Graeml, uma jornalista da obscurantista Gazeta do Povo, que foi amestrada pelas teorias de Olavo de Carvalho, militante das facções extremistas do bolsonarismo, defensora das teses conspiracionistas e negacionistas sobre as vacinas e o papel da Ciência. Uma outsider de ultradireita que navegou no discurso antissistema, explorando demagogicamente a intuição popular contra o atual sistema político oligárquico e excludente, e o desgaste das instituições, que aos olhos do povo servem somente para defender os privilégios dos ricos e poderosos. Com uma candidatura improvisada pelo nanico PMB, e um candidato ao cargo de vice-prefeito mais enrolado em falcatruas que nó de marinheiro.
Ele, um filhote de uma longeva oligarquia política e econômica, que vem de Lunardelli & Pimentel e mais Slaviero. Gente branca, rica, o poder. E com parentes que apareceram na lista suja do trabalho escravo, em 2017.
Ela, a assombração, uma militante política nefasta, que ganhou notoriedade nas redes sociais pregando o atraso, o ódio reacionário contra os pobres, negros, a diversidade e pelo fim das políticas públicas e dos programas de inclusão social, que deve ser duramente combatida e desmascarada.
Ela, como Pablo Marçal em São Paulo, não é a candidata preferida do establishment, da Direita que manda de fato, que maneja o poder, em conluio com os donos do dinheiro. O “andar de cima” em Curitiba já fez a sua escolha. O empresariado, os partidos de direita e centro-direita e as corporações profissionais mais poderosas preferem uma vitória de Pimentel. Claro, é evidente, que uma vitória da Graeml também seria metabolizada rápida e facilmente por essa gente do poder. Até porque os programas de governo são semelhantes e os explorados são os mesmos de sempre. Um dado: as últimas pesquisas de opinião indicam uma ligeira vantagem de Eduardo Pimentel.
Ele e ela, são as duas faces da mesma moeda: do fascismo e do neoliberalismo, em Curitiba e no Paraná, representam no curto e médio prazo projetos políticos e visão de país antagônicos e distintos dos defendidos pelas forças populares e democráticas.
Neste sentido, é mais um erro político de setores de esquerda e progressistas que defendem a tese do voto no candidato de Ratinho e Bolsonaro, um pretenso voto pelo “mal menor” ou de “redução de danos”. O estrago já foi feito no primeiro turno, quando a esquerda apoiou um candidato de direita, o ex-prefeito Luciano Ducci (PSB), abrindo o caminho para a disputa entre as direitas no segundo turno.
No primeiro turno, a maioria da população rejeitou as candidaturas apresentadas, 46% do eleitorado disse de alguma forma “não”, e se ainda somarmos os votos da pífia candidatura apoiada pela direção do PT (cerca de 19%), é cristalina a rejeição dos curitibanos (as). É com esse sentimento difuso de rejeição da população aos velhos grupos políticos dominantes na cidade, que a esquerda e os progressistas precisam abrir canais de conexão e diálogo, politizando a intuição popular e realizando, ao mesmo tempo, uma luta política e cultural contra a extrema direita, que tenta capturar a bronca do povo diante do sistema político-partidário e das desgastadas instituições de estado.
Portanto, recomendar o voto nulo no próximo domingo, dia 27, é um gesto político necessário, de defesa e preservação da integridade das nossas forças para os futuros embates. Nem Pimentel, nem Graeml, vote nulo.
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