O poema feminista que está fazendo extrema direita querer cassar uma deputada
Cynara Menezes, do Jornalistas pela Democracia, comenta o pedido de cassação da deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP) após a leitura de um poema na tribuna, e diz que "o problema, no fundo, é que os deputados não entenderam o poema. Ao falar 'sou puta', o que a poeta Helena denuncia, na verdade, é o ponto de vista do homem em relação à mulher e ao direito dela de ser LIVRE"
Por Cynara Menezes, para o Socialista Morena e para o Jornalistas pela Democracia - É, para quem tem mais que dois neurônios, um protesto feminista sobre como o machismo vê a mulher. Mas a leitura do poema da mineira Helena Ferreira pela deputada estadual Isa Penna, do PSOL, na tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo, levou um deputado de extrema direita a pedir a cassação da colega por “quebra de decoro”.
Isa recebeu o apoio imediato de lideranças do PSOL.
O deputado Douglas Garcia (PSL), o mesmo que insultou uma colega trans, Erica Malunguinho, também do PSOL, e levou uma advertência do Conselho de Ética, é o autor do pedido de cassação. Na manhã desta sexta-feira, ele incitou seguidores no twitter ao ódio em massa contra a deputada, utilizando a hashtag #IsaPennaQuebrouDecoro.
Outro nome da jovem extrema direita, o deputado federal Filipe Barros, também do PSL, se somou aos ataques contra Isa Penna no twitter, de forma machista e ofensiva.
O problema, no fundo, é que os deputados não entenderam o poema. Ao falar “sou puta”, o que a poeta Helena denuncia, na verdade, é o ponto de vista do homem em relação à mulher e ao direito dela de ser LIVRE. É claro como água. Foi isso que a deputada, que é feminista, quis transmitir. Onde está a quebra de decoro nisso?
Isa Penna contou ao site que se sente “identificada” com o poema, que leu num livreto durante um congresso do partido e ficou na memória. “Eu amo poemas, e este super me chamou a atenção. É um poema forte, né? Impactante.”
Encontrei essa outra leitura do poema no youtube da Ana Clara Preta. Bonito, não?
Leia você mesmo e entenda como a indignação e o escândalo da extrema direita em torno do poema lido pela deputada Isa Penna não passam de um misto de falso moralismo, antifeminismo –e burrice.
Sou puta, sou mulher (Helena Ferreira)
Quando uso a boca vermelha
Meu salto agulha
E meu vestido preto.
Sou puta
Mordo no final do beijo
Não fico reprimindo desejo
E nem me escondo na aparência de menina.
Sou uma puta de primeira
Acordo às 6:30
Pego ônibus debaixo de chuva
Não dependo de salário de macho
E compro a pílula no final do mês.
Sou uma puta com P maiúsculo
Dispenso o compromisso
Opto pela independência
Não morro de amor
Acordo sozinha
Cresço sozinha
Vivo na minha
Bebo em um bar de esquina
Vomito no chão da cozinha.
Sou uma putinha
Passo a noite em seus braços
Mas não me prendo no laço
Que você quer me prender.
Sou puta
Você tem o meu corpo
Porque eu quis te dar
E quando essa noite acabar
Eu não vou te pertencer
E se de mim você falar
Eu não vou me importar
Porque um homem que não me faz gozar
Nunca terá meu endereço.
E não é gozo de buceta
É gozo de alma
É gozo de vida
É me fazer sentir amada
Valorizada
E merecida
E se de puta você me chamar
Eu vou agradecer.
Porque a puta aqui foi criada
Por uma puta brasileira
Que ralava pra sustentar os filhos
E sofria de racismo na feira
Foi espancada e desmerecida
E mesmo sofrida
Sorria o dia inteiro
Uma puta mulher ela foi
E puta também eu quero ser.
Porque ser mulher independente
Resolvida
Segura
Divertida
Colorida
E verdadeira
Assusta os homens
E os machos
Faz acontecer um alvoroço.
Onde já se viu mulher com voz?
Tem que ser prendada e educada
E se por acaso for “amada”
Tem direito de ser morta pelo parceiro
Cachorra adestrada pelo povo brasileiro
Sai pelada na revista
Excita
Dança
Bate uma
Cai de boca
Mama ele e os amigos
E depois vai ser encontrada num bueiro
Num beco
Estuprada
Porque tava de batom vermelho
Tava pedindo
Foi merecido
E se foi crime “passional”
Pobre do rapaz
Apaixonado estragou a própria vida.
Por isso que eu sou puta
Porque sou forte
Sou guerreira
Não sou reprimida
Nem calada
Sou feminista
Sou revoltada
Indignada
E sou rotulada assim
Como PUTA!
Então que eu seja puta
E não menos do que isso.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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