O potencial das favelas
É preciso abraçar a transformação de Medellín como uma prova viva, recente e exuberante de que favela não é problema. Favela é potência
Sou um filho da favela. Justamente por ter nascido no Caramujo, em Niterói, há muito tenho a consciência viva, muito além do discurso político, do quanto a favela tem a oferecer ao desenvolvimento brasileiro. Muitas pessoas de boa fé já têm hoje essa compreensão, mas a grande questão, que percorre as décadas de êxodo e abandono dos pobres, tem sido como ativar o potencial econômico das comunidades.
Essa é uma pergunta que traz inquietude aos cidadãos inconformados com nossa desigualdade escandalosa. Foi ela que empurrou minha curiosidade para fora do Brasil em busca de experiências bem-sucedidas que pudessem apontar para a luz no fim do túnel. Com essa ideia na cabeça fui à cidade colombiana de Medellín junto com a Cufa (Central Única das Favelas) e outras lideranças.
Há muito se fala sobre a experiência de pacificação e urbanização das favelas colombianas, e então rumamos para lá, ávidos por aprender com as ações que transformaram a vida das favelas, das cidades e de toda a Colômbia.
Medellín, de cara, surpreende pela beleza e arborização. Logo que chegamos, subimos até a Moravia, que já foi conhecida como uma das favelas mais violentas da Colômbia. Tivemos a grata oportunidade de ver que os tiros e o medo ficaram no passado, pois o lugar hoje é uma explosão de cultura e educação. Para provar que outro mundo é possível, o que as lideranças locais fizeram foi investir pesadamente na infância. Apostaram todas as fichas na educação em tempo integral dentro da comunidade. Vimos e ouvimos o som inesquecível de uma escola de música clássica, com crianças e jovens desenhando um novo horizonte com instrumentos musicais.
Ainda mais impressionante é a Comuna 13, a mais famosa das 16 comunas (distritos) que compõem a cidade. Já esteve entre as áreas mais letais do mundo, mas hoje, por suas vielas, circulam diariamente centenas de turistas. Eles sobem as escadas rolantes (sim, escadas rolantes!) para admirar os muros grafitados e tatear a incrível transformação.
A Comuna 13 reduziu drasticamente as taxas de crimes ao desenvolver projetos sociais inovadores e, o que é mais importante, permanentes. É o contrário do que vemos há décadas por aqui. O Complexo do Alemão, por exemplo, ostenta no teleférico parado a tragédia de nossas descontinuidades. Os problemas continuam os mesmos, atravessando décadas de promessas e projetos interrompidos. Não é apenas de obras que a transformação precisa, mas principalmente de persistência nas ações de natureza social e educacional.
A defesa de políticas públicas específicas para as comunidades nos levou a lançar este ano na Câmara dos Deputados a Frente Parlamentar em Defesa das Favelas e Respeito à Cidadania. O processo foi desenvolvido junto à Cufa, ouvindo quem vive nesses lugares e entende suas questões para a formulação de políticas de desenvolvimento. Dessa convivência nascerão projetos de lei sobre segurança, urbanização, empreendedorismo e educação.
O salto colombiano leva até o mais cético dos mortais não só a entender, mas principalmente a acreditar que é possível encontrar soluções e mudar a vida das pessoas. Promover a dignidade e empoderar as favelas são os investimentos de maior retorno possível para o presente e o futuro das cidades brasileiras. É preciso abraçar a transformação de Medellín como uma prova viva, recente e exuberante de que favela não é problema. Favela é potência.
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