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    Emiliano José

    Jornalista e escritor

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    O povo brasileiro e a terceira via

    "A terceira via procura desesperadamente um nome para chamar de seu, e até agora não encontra porque nenhum deles cresce a ponto de se viabilizar", analisa Emiliano José

    Urna eletrônica (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

    Um mérito há nessa discussão em torno da chamada terceira via: desnudar interesses, revelar de modo claro o cenário da luta de classes no Brasil. Sei: não parece elegante falar assim num cenário onde a boa intenção fala em frente ampla para derrotar Bolsonaro. Não, não me creiam contra alianças largas para enfrentar um inimigo comum. Foi assim com a ditadura, quando isso se reclamou, e foi uma tese política vitoriosa, e capaz de derrotar o autoritarismo. 

    Agora, nesse quadro, alguém acredita pra valer possam os adoradores do deus mercado juntar-se às forças de esquerda? Com que programa mínimo esquerda e os representantes do grande capital iriam pras ruas? E nem de ruas eles querem saber. E vamos combinar? Essa terceira via tem, a rigor, a rigor, unidade com o atual presidente quando se trata de política econômica.

    Essa terceira via daria alguma palavra contra o acelerado, permanente processo de privatização em curso? Ao contrário, ela o defende de modo entusiástico. A Petrobras vai sendo destruída, Paulo Guedes diz da perspectiva de entregá-la ao mundo privado, e não há uma palavra contrária dos rapazes desse meio. Defenderia políticas públicas voltadas às melhorias de condições de vida do nosso povo? Não, tem aprovado todas as leis destinadas a favorecer o grande capital e a piorar a existência das maiorias – a boiada vai passando com o apoio enfático da terceira via, o País vai regredindo um século em relação a direitos sociais.

    E a fome voltou, assolando hoje segundo diz a mídia mais de 40 milhões de pessoas, um número sabidamente subestimado. E a terceira via não quer, por obviedade, o impeachment do presidente. A fala antinegacionista não esconde a concordância com as linhas básicas do programa neoliberal do atual governo, tão destrutivo.

    Gostaria, juro, gostaria muito ver classes dominantes envolvidas com pautas democráticas, mesmo fosse um gesto parcial para esse momento de nossa história, contrariando sua caminhada recente, uníssona, ao lado do impeachment da presidenta Dilma e depois perfilada para Bolsonaro. Defendo: bem-vindos todos os convertidos à democracia. No povo brasileiro, é fácil constatar milhões de pessoas compreendendo o erro cometido nas eleições de 2018, e dispondo-se a votar em Lula. A terceira via, no entanto, não quer Lula em nenhuma hipótese. E ela conta com a simpatia inequívoca dos principais meios de comunicação do País, cuja partidarização é por demais conhecida. A Rede Globo chega a promover debates sobre as eleições presidenciais, excluindo deles a participação de Lula, a despontar como favorito em qualquer pesquisa.

    A terceira via procura desesperadamente um nome para chamar de seu, e até agora não encontra porque nenhum deles cresce a ponto de se viabilizar, colocar-se como alternativa real à presidência da República. Tem contradições com Bolsonaro, mas nunca a ponto de se aproximar de Lula. E não é capaz, por seus interesses de classe, de formular um programa capaz de responder à angústia, ao sofrimento de milhões de pessoas desempregadas e famintas e de um País inteiramente subordinado às nações capitalistas centrais, de modo especial aos EUA. 

    Teremos de ir conformando, como creio está acontecendo, um bloco histórico democrático-popular, o mais amplo possível, capaz de levar à frente um programa apto a enfrentar os desafios de um País seriamente avariado pelas políticas destrutivas do atual presidente. Capaz de enfrentar de peito aberto nossa obscena desigualdade. Não creio que possamos fazer comparações aligeiradas com o período da ditadura. Ali, de fato, houve manifestações de setores do capital, a cobrar a volta à democracia, e a possibilitar uma frente ampla, amplíssima. A campanha das Diretas Já foi o ápice dessa unidade, e ao final, embora as diretas não fossem vitoriosas, foi a pá de cal na ditadura, encerrada em 1985. As eleições de 2018 deram a vitória a um presidente de extrema-direita, e em torno dele, já se disse, as classes dominantes se uniram, o programa neoliberal unificou-as.  Esse bloco histórico democrático popular, a unir a esquerda e todos os setores democráticos, insisto, está ganhando densidade. Às vezes, não com a rapidez desejada pelo ânimo voluntarista presente em muitos de nós, ou em todos nós. Temos pressa, é verdade. Mas a impaciência ajuda pouco. Firmeza e serenidade, o momento reclama.

    Recentemente, o respeitado jornalista Franklin Martins falava com propriedade sobre o povo brasileiro. Prognosticava uma reação das maiorias, as mais prejudicadas, a sofrer as pesadas consequências das políticas bolsonaristas. Disse uma coisa interessante, fundamental: o povo brasileiro, de modo geral, não sai reagindo de primeira. Quando reagiu assim, se lascou, tornou-se bucha de canhão. O povo olha, vê se os adversários estão divididos, se é ou não chegada a hora da luta aberta. Está chegando essa hora, e as pesquisas estão claramente indicando a preferência por Lula, não por acaso – sabe, o povo sabe, quem pode enfrentar os desafios da Nação, e já começa a se movimentar. Tem alguma coisa vindo, como diz Martins. 

    Claro, vou e volto: esse bloco democrático popular não deve se fechar. Quem sabe, alguns setores das classes dominantes, sentindo a força dessa articulação, percebendo o desastre Bolsonaro, não vendo surgir nenhum nome viável de terceira via, se juntem ao bloco. Sabem: Lula tem lado, e é o do povo, mas não é de excluir. Serão bem-vindos. Agora, o próximo governo, fruto dessa luta, certamente com Lula à frente, têm missões essenciais: enfrentar a desigualdade, distribuir renda, recuperar direitos, e colocar o Brasil novamente na cena mundial. Dessas missões, não poderá abrir mão.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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