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    Miguel Paiva

    Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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    O povo no museu

    Colunista Miguel Paiva lamenta a situação de "moradores de rua dormindo sob a proteção das marquises do MAM, Museu de Arte Moderna do Rio". "Até agora o governo não fez nada nem para a população", afirma. "O neoliberalismo aplicado ao país não suporta a natural contestação da democracia", acrescenta

    (Foto: Miguel Paiva)

    A foto da capa do Globo de hoje, quinta-feira, 23 de janeiro é bastante significativa na situação atual do Brasil. Ela mostra vários moradores de rua dormindo sob a proteção das marquises do MAM, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Forte, não? Pessoas que não têm onde dormir se abrigando sob a proteção de um dos maiores símbolos da cultura brasileira, esta também sem teto. Cultura e população abandonadas num país que pouco se importa com ambos. 

    Até agora o governo não fez nada nem para a população. Nenhum decreto, que eles tanto gostam, visa a melhoria da qualidade de vida da população. Nenhuma medida, nenhum discurso, nenhum gesto. Com a cultura a mesma coisa, só retaliações, limitações, censuras e demonização. 

    É muito triste constatar o que restou do país que vínhamos construindo. Pobreza e alienação andam juntas. Pessoas dormindo debaixo da marquise de um museu em crise mostra isso. E talvez seja exatamente isso que eles querem. O neoliberalismo aplicado ao país não suporta a natural contestação da democracia. Precisa se impor pelos decretos e pelas atitudes econômicas arbitrárias com intenção bem clara. Tirar o pouco que cada pobre ainda consegue reduzir e transferir para os mais ricos. O dinheiro que sobra fica iludindo os que o disputam através de uma luta meritocrática totalmente injusta. Quem pega o que sobra é quem já tem um pouco e com isso eles enganam os trouxas. 

    Dizem que dando mais dinheiro para quem já tem aumentam as possibilidades de emprego para quem não tem. Estímulo aos serviços informais, à uberização das atividades, ao vale tudo para sobreviver. Resultado: gente dormindo ao relento, aumento da violência e um país que cada vez mais se afasta do desenvolvimento para cair na paralisia progressiva de quem não tem mais nada a oferecer.

    O povo acaba achando que é tudo vontade de deus. Bolsonaro continua com a preferência dos eleitores e esses mesmos eleitores esperam um milagre divino para melhorar suas vidas. Bolsonaro fala muito de deus e coloca tudo em suas mãos. O povo cai nessa conversa porque, explicando a equação, não tem cultura para absorver, não tem educação, não tem escola, não tem futuro, não tem esperança. Só mesmo deus e parece que deus, para eles, está em contato permanente com Bolsonaro.

    Triste panorama o que se apresenta. Enquanto os museus , os teatros, os cinemas e as livrarias estiverem fechando ou entrando em falência, o povo vai estar cada dia mais abandonado nas ruínas do que sobrar. Que a cultura, nesses tempos sombrios sirva pelo menos para abrigar quem não tem teto. É um destino meio avesso e meio inesperado para a cultura brasileira, mas não deixa de compensar, pelo menos de forma irônica, o abandono que estamos vivendo.

    Aqui perto de onde moro tem uma moradora de rua bastante conhecida. Faça sol ou chuva ela está sempre coberta de roupas. Provavelmente não toma banho e caminha sempre com a cabeça abaixada. Ela circula entre a classe média do bairro e causa espanto quando entra no supermercado para comprar. É verdade. Ele vai ao supermercado fazer compras. Escolhe o que quer e paga no caixa. As pessoas, preconceituosas e acomodadas se afastam com olhares de horror para aquele ser estranho. Pode ser estranho hoje mas, a cada dia pela frente, veremos mais pessoas parecidas. Estamos nos tornando um bando de morcegos ao inverso, que circulam pelos becos e avenidas de dia e acabam dormindo debaixo do teto do museu quando a noite chega.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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