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    Vijay Prashad

    Historiador, editor e jornalista indiano. Escritor e correspondente-chefe da Globetrotter. Editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research.

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    O povo palestino será livre

    "Qualquer tentativa de retratar o que aconteceu como um 'ataque' ou 'terrorismo' é um disfarce para o terrorismo do Estado ocupante", escreve Vijay Prashad

    Manifestação pró-Palestina em São Paulo (Foto: Paulo Pinto / Agência Brasil)

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    Por Vijay Prashad, do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social - Nesta semana, de 14 a 18 de outubro, o Dilemas da Humanidade reuniu lideranças políticas, ativistas e intelectuais orgânicos de todo o mundo para discutir os problemas centrais da humanidade e fortalecer as propostas para enfrentá-los. Reunidos em Joanesburgo (África do Sul), os participantes assistiram, horrorizados, à escalada da guerra genocida de Israel contra o povo palestino. Em 17 de outubro, no 11° consecutivo de bombardeio, Israel surpreendeu o mundo ao bombardear o hospital árabe al-Ahli, na Cidade de Gaza, onde milhares de civis estavam recebendo tratamento médico e buscando abrigo contra os ataques. De acordo com a estimativa inicial do Ministério da Saúde de Gaza, mais de 500 pessoas foram mortas, embora esse número certamente aumentará nos próximos dias. Um dia antes do massacre, o Conselho de Segurança da ONU teve a oportunidade de aprovar uma resolução pedindo um cessar-fogo em Gaza, o que poderia ter evitado o bombardeio ao hospital. Essa resolução, entretanto, foi bloqueada pelos Estados Unidos, Reino Unido, França e Japão.

    Durante a sessão de abertura da conferência Dilemas da Humanidade, em meio ao que muitos chamaram de uma segunda Nakba, Arwa Abu Hashhash, integrante do Partido do Povo Palestino, fez um discurso inflamado sobre o ataque ao seu país. A carta desta semana contém seu discurso, que foi atualizado em 18 de outubro para refletir os números e as fontes atuais.

    Permita-me falar em nome da delegação palestina que deveria estar entre nós agora, mas não pôde comparecer devido às circunstâncias difíceis e ao bloqueio sufocante que o povo palestino está sofrendo atualmente. Neste momento, quando me dirijo a vocês, o povo sitiado de Gaza e da Palestina está enfrentando uma operação genocida das forças de ocupação fascistas sionistas. Pelo 12° dia consecutivo, a máquina de guerra israelense continua a massacrar os palestinos, resultando na morte de crianças, mulheres, jovens e idosos. Desde 7 de outubro, mais de 3.400 palestinos, muitos deles crianças, se tornaram mártires. Dezenas de famílias foram completamente eliminadas do registro civil depois que várias gerações se tornaram mártires, e houve uma terrível destruição da infraestrutura, incluindo hospitais, escolas, mesquitas, igrejas, prédios do governo e centros de mídia. Isso levou ao deslocamento de mais de um milhão de pessoas de Gaza de suas casas, além de um cerco sufocante e uma tentativa de matar de fome os mais de 2 milhões de habitantes da região, cortando todos os alimentos, medicamentos, combustível, água e eletricidade.

    O genocídio do povo palestino hoje tem o apoio inequívoco das potências imperialistas do mundo, principalmente dos Estados Unidos e de alguns países ocidentais aliados. Esses países estão fazendo uma tentativa terrível, porém inútil, de redefinir a essência do conflito palestino-israelense como uma questão de terrorismo, comparando o povo palestino e sua resistência ao Estado Islâmico e colocando o Hamas e o povo palestino como uma coisa só dentro do que eles chamam de “Guerra ao Terror”. Em seu esforço deliberado para estabelecer essa narrativa, essas potências visam primeiramente legitimar as mortes e os crimes cotidianos cometidos por Israel. Eles procuram cegar o mundo em relação à verdade por trás do conflito em andamento e continuam a ignorar e a fugir da realidade de que a causa palestina é uma questão de libertação nacional.

    Ao nos reunirmos hoje em todo o mundo para discutir a crise do sistema capitalista – para que possamos propor alternativas para superar esse sistema e formular uma alternativa socialista – nos deparamos com uma das tarefas mais fundamentais, que exige que identifiquemos com precisão as ferramentas desse sistema. Para entender a natureza do conflito em curso na Palestina hoje, é crucial entender a ocupação israelense na região árabe e do Magrebe como uma ferramenta fundamental e uma base militar avançada que atende aos interesses dos imperialistas na região e garante seu controle e hegemonia. Isso faz parte da batalha de ideias que enfatizamos repetidamente em nosso trabalho contínuo com os Dilemas da Humanidade.

    Israel, que não existia há 75 anos, foi um Estado estabelecido por meio de um dos atos mais violentos de limpeza étnica da história moderna, com o apoio inabalável do imperialismo britânico na época e, mais tarde, do imperialismo estadunidense, juntamente com a França e outras forças imperialistas europeias. À medida que essas potências imperialistas buscavam se apoderar dos recursos de nossa região e explorar sua riqueza, seus interesses convergiam com os do movimento sionista, que se propunha a resolver os problemas dos judeus na Europa estabelecendo o Estado de Israel e colonizando as terras palestinas, despejando seu povo.

    Essas forças imperialistas, com os Estados Unidos à frente, continuaram a apoiar e a justificar a agressão brutal diária do Estado de Israel contra os palestinos. Essa agressão inclui o roubo de terras, a demolição de casas, a construção de colônias ilegais e a prisão, detenção, humilhação e morte de jovens, mulheres e idosos inocentes na Palestina todos os dias.

    Israel, depois de tomar a maior parte da Palestina em 1948 e deslocar quase 800 mil palestinos – a grande maioria da população na época – [em um ato de limpeza étnica conhecido como Nakba] reocupou o que restava da Palestina histórica ao capturar a Cisjordânia e a Faixa de Gaza em 1967. Desde então, Israel tem violado persistentemente todos os acordos internacionais ao construir mais de 200 colônias ilegais, cada uma contendo milhares de unidades habitacionais, onde atualmente residem mais de 700 mil colonos. A construção desses assentamentos envolve não apenas a apreensão de milhares de acres de terras palestinas, privando muitos palestinos de suas terras e de seus meios de subsistência básicos, mas também a separação de cidades e vilas palestinas umas das outras, dificultando o movimento e a mobilidade deste povo e minando a possibilidade de estabelecer um estado contíguo, mesmo nas áreas que o mundo inteiro reconhece como território palestino.

    Além disso, Israel segue mantendo em prisões mais de 5 mil palestinos, incluindo 1.264 “prisões administrativas”, nas quais o preso é mantido sem acusação ou julgamento – uma prática proibida pelo direito internacional – bem como 170 crianças com menos de 16 anos e 30 mulheres. Mais de mil desses prisioneiros sofrem de vários problemas de saúde, incluindo 200 com doenças crônicas, e enfrentam negligência médica deliberada por parte das autoridades prisionais israelenses. Isso inclui deixar de fornecer os medicamentos necessários, negar procedimentos cirúrgicos essenciais e manter os detentos doentes em confinamento, em vez de fornecer a eles atendimento médico em clínicas ou hospitais.

    A Faixa de Gaza, que Israel está submetendo ao genocídio mais brutal da atualidade, usando grandes quantidades de explosivos pesados e armas proibidas internacionalmente, está sob um cerco sufocante há mais de 16 anos. Durante esse cerco e bloqueio, Israel lançou mais de seis guerras sangrentas, resultando em milhares de mortes, dezenas de milhares de feridos, muitos dos quais com deficiências permanentes, e o deslocamento de muitas famílias. Gaza foi transformada em uma prisão a céu aberto para dois milhões de palestinos. Centenas de casas, escolas, universidades, locais de culto e centros de saúde foram bombardeados e destruídos, levando a uma crise persistente de deslocamento para os palestinos, a maioria dos quais já eram refugiados expulsos de suas terras durante a Nakba de 1948. Hoje, há uma tentativa explícita de Israel de deslocar à força os residentes de Gaza, algo que eles nem procuram esconder, ao expressarem abertamente em várias transmissões de televisão.

    Diante das consequências da colonização brutal que o povo palestino vem sofrendo há mais de 75 anos, as potências imperialistas e sionistas ocidentais propagaram uma infinidade de falsidades para justificar seu apoio inabalável [a Israel]. Isso varia desde retratar a terra palestina como “uma terra sem povo”, tentando descrever o conflito entre palestinos e colonos israelenses como uma luta religiosa e, mais recentemente, enquadrando o conflito como uma guerra contra o terrorismo.

    Hoje, temos a tarefa fundamental de desmantelar essa narrativa imperialista ocidental e substituí-la pela verdadeira história do povo palestino, sua luta legítima e sua resistência por sua libertação e seus direitos.

    Hoje, também estamos engajados em outra batalha, a batalha das emoções, que sempre enfatizamos em nosso trabalho na Assembleia Internacional dos Povos (AIP). Nessa batalha, as forças imperialistas procuram despojar a humanidade, inclusive o povo palestino, de sua crença na viabilidade e no potencial da resistência e, em vez disso, espalham um discurso baseado na frustração e na derrota. O que aconteceu em 7 de outubro é parte integrante da luta do povo palestino nos últimos 75 anos. A resistência contra o colonialismo e a ocupação é um direito humano justo que é protegido por todas as leis internacionais. Qualquer tentativa de retratar o que aconteceu como um “ataque” ou “terrorismo” é um disfarce para o terrorismo do Estado ocupante e uma tentativa de legitimá-lo.

    Atualmente, o povo palestino precisa urgentemente da mais ampla solidariedade possível de todos os povos livres. Esse apelo à solidariedade não é feito a partir de uma posição de solidariedade humanitária ou simbólica, mas é parte integrante de nossa luta compartilhada. O que está acontecendo na Palestina hoje não está isolado do que está acontecendo na Índia, no Iraque, no Haiti, na Venezuela, em Cuba ou em qualquer outro lugar. A derrota dos ataques imperialistas em uma região é uma vitória para todos nós.

    Permita-me agradecer a todos os movimentos sociais que estão agindo em solidariedade ao povo palestino e estender meus agradecimentos à AIP, que sempre abraçou a causa da Palestina. É verdade que a máquina de matar israelense continua a tirar vidas palestinas, mas acreditamos que isso só fortalecerá nossa determinação de resistir. Permitam-me concluir com uma citação do poeta comunista palestino Muin Bseiso: “Sim, podemos morrer, mas vamos extirpar a morte de nossa terra”.

    Vitória para a resistência! Liberdade para a Palestina!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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