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      Paola Jochimsen

      Paola Jochimsen é doutoranda em Filosofia pela Universidade de Coimbra, Mestre em Romanistik pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha). Membro do Coletivo Brasil-Alemanha pela Democracia.

      10 artigos

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      O Processo Eleitoral na Alemanha: O Dia D do Bundestag

      Alemanha antecipa eleições após crise política e estreia novo sistema eleitoral, reduzindo cadeiras no Bundestag e alterando distribuição de mandatos

      Reichstag, sede da câmara baixa do parlamento alemão (Foto: REUTERS)

      O sistema eleitoral alemão funciona de maneira distinta do brasileiro. A Alemanha é uma república federal parlamentarista, e, ao contrário do Brasil, onde o chefe de governo é eleito diretamente pelo voto popular, a eleição define a composição do Bundestag (Parlamento Federal). A partir dessa configuração, os partidos negociam entre si para formar uma coalizão e escolher o chanceler, que liderará o governo.

      A eleição de 2025 foi antecipada devido à crise política que levou ao colapso da coalizão governamental. A aliança entre SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands), Verdes (Bündnis 90/Die Grünen) e FDP (Freie Demokratische Partei), que formava o governo sob a liderança do chanceler Olaf Scholz, perdeu sua estabilidade ao longo do mandato e enfrentou dificuldades para manter o apoio necessário no Bundestag.

      Como o sistema parlamentarista alemão exige que o chanceler governe apenas enquanto possuir confiança da maioria dos deputados, Scholz recorreu a um voto de confiança (Vertrauensfrage) para tentar consolidar seu governo. No entanto, sem apoio suficiente dentro da própria coalizão, ele perdeu a votação. Com isso, o presidente federal dissolveu o Bundestag e convocou novas eleições, seguindo o procedimento estabelecido pela Constituição Alemã. Além da antecipação do pleito, a eleição aconteceu sob novas regras eleitorais, fruto da reforma de 2023, que alterou a composição do Parlamento e a forma como os mandatos foram distribuídos.

      Quem pode (ou não) votar?

      Na Alemanha, o voto não é obrigatório, o que significa que os eleitores não precisam justificar a ausência caso decidam não votar. Diferente do Brasil, onde a participação eleitoral é compulsória e a falta pode resultar em multas e restrições burocráticas, na Alemanha não há penalidades para quem deixa de votar. Mesmo assim, o comparecimento às urnas costuma ser alto, girando em torno de 76% nas eleições de 2021.

      O responsável pela organização das eleições federais na Alemanha é o Bundeswahlleiter, que ocupa o cargo de Diretor Federal das Eleições. Diferente do Brasil, onde a Justiça Eleitoral possui um órgão independente para administrar as eleições, na Alemanha não existe uma comissão eleitoral autônoma. O Bundeswahlleiter é um cargo administrativo, tradicionalmente ocupado por um alto funcionário do Departamento Federal de Estatísticas (Statistisches Bundesamt) e subordinado ao Ministério do Interior da Alemanha (Bundesministerium des Innern, für Bau und Heimat).

      Atualmente, a função é exercida por Dra. Ruth Brand, que também é a presidente do Departamento Federal de Estatísticas. O Bundeswahlleiter supervisiona as eleições para o Bundestag e para o Parlamento Europeu, além de coordenar a apuração dos votos e garantir que as regras eleitorais sejam seguidas. No entanto, ele não tem poder judicial, ou seja, não julga disputas eleitorais, não anula candidaturas e não investiga fraudes, função que cabe ao Tribunal Constitucional Federal.

      No Brasil, essas responsabilidades são centralizadas na Justiça Eleitoral, composta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), que além de organizarem o pleito, possuem poder judicial para decidir sobre candidaturas, irregularidades e crimes eleitorais. Já na Alemanha, o Bundeswahlleiter atua apenas como coordenador administrativo das eleições, sem qualquer função jurisdicional. As eleições alemãs também são organizadas de forma descentralizada, com diretores estaduais (Landeswahlleiter) e autoridades locais responsáveis pela administração do pleito em cada região. 

      E os brasileiros de dupla cidadania?

      Outro aspecto interessante do sistema eleitoral alemão é quem tem direito ao voto. Diferente do Brasil, onde qualquer cidadão brasileiro pode votar a partir dos 16 anos de forma facultativa e dos 18 anos nas eleições presidenciais, na Alemanha o critério é mais restrito. Apenas cidadãos alemães podem votar, o que significa que descendentes de alemães nascidos no exterior não têm automaticamente esse direito, mesmo que mantenham laços culturais e familiares com o país.

      De acordo com informações do Bundeswahlleiter para votar nas eleições federais, é necessário ser cidadão alemão, conforme definido no artigo 116, parágrafo 1, da Constituição Alemã (Grundgesetz), ter pelo menos 18 anos de idade e residir na Alemanha há pelo menos três meses, seja em um domicílio fixo ou como residência habitual. Brasileiros com dupla cidadania precisam ter morado no país por pelo menos três meses para garantir esse direito. Alemães que vivem no exterior também podem votar, desde que tenham residido na Alemanha por pelo menos três meses após os 14 anos de idade, e essa residência não tenha ocorrido há mais de 25 anos, ou que possuam conhecimento pessoal e direto das condições políticas do país e sejam afetados por elas.

      Brasileiros que tenham a cidadania alemã, mas nunca moraram na Alemanha, não têm direito automático ao voto. Ainda que preservem a cultura germânica, falem alemão ou celebrem tradições do país, isso não é suficiente para atender aos critérios exigidos pela legislação eleitoral. Enquanto no Brasil filhos de brasileiros nascidos no exterior mantêm automaticamente o direito ao voto, desde que tenham registrado sua cidadania e tirado o título de eleitor, na Alemanha a legislação exige um vínculo político concreto com o país.

      A Reforma Eleitoral: o que mudou?

      A eleição alemã segue um modelo misto, combinando o voto distrital majoritário e o voto proporcional. O país é dividido em 299 Wahlkreise (distritos eleitorais), cada um representando uma área geográfica específica. Cada distrito elege um único deputado para o Bundestag, e o candidato mais votado garante a vaga diretamente, seguindo o sistema majoritário simples. Antes da reforma eleitoral, os candidatos eleitos diretamente pelos distritos (Erststimme) tinham suas cadeiras garantidas. Caso um partido conquistasse mais assentos diretos do que teria direito pelo Zweitstimme, ele recebia mandatos adicionais (Überhangmandate) e os outros partidos ganhavam mandatos de compensação (Ausgleichsmandate), resultando no crescimento do Bundestag.

      As eleições de 2025 serão as primeiras realizadas sob as novas regras, que visam reduzir o tamanho do Bundestag e alterar a forma como os mandatos são distribuídos. Embora o sistema de dois votos tenha sido mantido, agora um candidato pode vencer no distrito e, mesmo assim, não garantir um assento no Parlamento, caso seu partido não obtenha votos suficientes no total nacional. Segundo o Tagesschau, a reforma eleitoral de 2023 estabeleceu um limite fixo de 630 deputados para o Bundestag. Antes, o número de cadeiras era variável, com um tamanho previsto de 598 deputados, mas devido aos mandatos adicionais e de compensação, o Parlamento cresceu significativamente, chegando a 736 membros em 2021. A mudança busca reduzir o número de parlamentares e tornar o processo legislativo mais eficiente.

      Atraso tecnológico: o voto em papel e a burocracia alemã

      Além do voto presencial, a Alemanha permite o voto por correspondência, conhecido como Briefwahl. Qualquer eleitor pode solicitar esse método sem precisar justificar o pedido. O eleitor recebe a cédula em casa, preenche, assina a declaração de identidade e envia o voto pelo correio antes da data limite. Esse sistema é amplamente utilizado por idosos e pessoas com dificuldades de locomoção.

      Apesar da opção de voto por correspondência, o processo eleitoral alemão continua fortemente analógico. Enquanto o Brasil utiliza urnas eletrônicas e identificação biométrica, os alemães ainda votam com cédulas de papel, marcando um “X” e depositando o voto em uma urna convencional. Não há registro digital, tampouco um sistema equivalente ao E-Título.

      A resistência à modernização não se limita ao sistema eleitoral. O uso de cartas para procedimentos administrativos e a ausência de aplicativos para facilitar serviços públicos são reflexos de um país que ficou para trás na digitalização. A Alemanha, que já foi símbolo de inovação, hoje luta para adaptar sua burocracia à era digital.

      Negociações pós-eleições: o papel da AfD e da CDU

      A AfD (Alternativ für Deutschland), partido de extrema-direita, pode conquistar mais votos, mas isso não significa que governará. Para assumir o poder, qualquer legenda precisa de apoio no Bundestag, e a maioria dos partidos tradicionais já declarou que não fará alianças com a AfD. No entanto, a postura da CDU (Christlich Demokratische Union Deutschlands) levanta dúvidas. Recentemente, a legenda votou junto com a AfD em uma proposta para endurecer as políticas migratórias, o que causou choque no país.

      Os partidos tradicionais alemães sempre reafirmaram que não colaborariam com a extrema-direita, mas a política, como se sabe, é terreno de interesses. Em terras de Fausto, ainda há quem esteja disposto a vender a alma ao diabo pelo poder. Agora, resta aguardar os resultados e acompanhar as negociações para a formação do novo governo – algo que, ao contrário do Brasil, pode demorar semanas ou até meses.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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