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    Tereza Cruvinel

    Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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    O recado da Europa para as elites nativas sobre Lula

    "A plutocracia brasileira viu Bolsonaro andar de moto no Oriente Médio, enquanto Lula visitava as democracias europeias e discutia com seus principais líderes o futuro da democracia e o enfrentamento do fascismo, a questão climática e a desigualdade social", compara a jornalista Tereza Cruvinel

    Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/Twitter)

    Por Tereza Cruvinel 

    Agora que a viagem do ex-presidente Lula pela Europa terminou, o conjunto de encontros que ele teve e de homenagens que recebeu permite uma síntese clara: colocando Lula nas alturas, a Europa reiterou seu rechaço a Bolsonaro e externou simpatia, para não dizer apoio, o que seria impróprio, pelo retorno eventual de Lula à Presidência do Brasil. As elites nacionais, onde alguns consideram Lula indesejável, embora reconhecendo os méritos de seus dois governos, entenderam ou recado. Agora é saber como irão processá-lo.

    Embora não tenha sido programado com objetivos eleitorais, uma viagem assim, com Lula sendo recebido com honras reservadas a chefes de Estado, e a reverência devida aos grandes líderes políticos, tem algum efeito sobre os eleitores - apesar da folga com que ele lidera as pesquisas para a eleição de 2022. Mas Lula não foi à Europa em busca de votos.

    O que Lula buscou com a viagem foi não apenas mostrar outra cara do Brasil ao mundo, atenuando o espanto com Bolsonaro. O que se buscou foi também restabelecer sua projeção internacional, depois da prisão e da perda dos direitos politicos, dando início à construção de alianças que poderão ser valiosas caso ele venha mesmo a governar novamente o país.  E nisso Lulaz teve indiscutível êxito.

    Ele começou a viagem por Berlim, onde reuniu-se com o líder social-democrata Olaf Scholz, que deve ser o próximo chanceler alemão, sucedendo a Angela Merkel. Em Bruxelas, reuniu-se primeiro com a Comissão da União Europeia, o órgão executivo do bloco, e depois discursou no Parlamento Europeu, sendo aplaudido de pé. Na França, esteve com a prefeita de Paris, a sociaista Anne Hidalgo, e mais à esquerda, com Jean-Luc Melenchón, líder da França Insubmissa.  Foi novamente aplaudido de pé ao chegar ao prestigiado instituto acadêmico Sciences PO, dez anos após receber ali o título de Doutor Honoris Causa.

    Até aí, entretanto, o flerte era com a social-democracia.  Foi o presidente francês Emmanuel Macron, de centro-direita, que levou Lula às alturas ao recebê-lo no palácio do Eliseu com ritual reservado a chefes de Estado: guarda republicana posicionada e recepção pelo dono da casa na parte externa do palácio, descendo as escadas para ir até o carro. Tapete vermelho. Trataram de temas relevantes para seus países e para o mundo, disse o porta-voz do governo, valorizando o encontro.

    Em Madrid, última parada, além encontrar outros políticos, como o ex-premiê José Luiz Zapaterro, e  também um grupo de investidores, Lula foi recebido pelo primeiro-ministro Pedro Sanchez, também com muita deferência: conversa de uma hora e meia e comunicado generoso sobre os temas tratados.  

    Os jornais locais deram destaque ao visitanbte. Aqui, as  mídias progressistas independentes deram cobertura intensa à viagem, enquanto os grandes veículos a minimizavam ou até a ignoravam, no início. Ao final, houve uma cobertura heterogênea, com mais espaço em alguns veículos e pequenos registros em outros.

    Bolsonaro passou recibo mais de uma vez, e finalmente acabou dizendo: "doido tem em todo lugar". Quer dizer: Scholz, Macron, Sanchez e os demais interlocutores de Lula, todos loucos. O despeito de Bolsonaro tem pouca importância.

    O que não se pode saber ainda é como a viagem, com sua substância política e seus significados, impactou as elites economicas nacionais. Pois sejam elas produtivas ou financeiras, não estão felizes com o presidente que ajudaram a colocar no Planalto, do qual esperavam melhor desempenho, apesar de todas as evidências, colhidas ao longo de 28 anos de mandatos parlamentares, de que Bolsonaro não passava de um ex-militar tosco, ignorante, extremista de direita,  despreparado, intolerante e completamente inadequado ao cargo de presidente.

    Ainda nesta sexta-feira, o chamado rei da Faria Lima, Luis Stuhlberger, sócio-fundador da Verde Asset, gestora de R$ 51 bilhões em ativos, declarou ter vergonha de ser governado por Bolsonaro: “A nossa imagem que vem da Presidência da República, da forma como somos governados, eu posso dizer por mim, não pelos outros, me causa certa vergonha de ser brasileiro".

    Há um mês, o presidente do Conselho de Administração da Natura, Pedro Passos, disse que Bolsonaro era inaceitável mas Lula era indesejável. O ex-presidente mandou que Passos tentasse se recordar do tamanho da empresa no inicio e no final de seu governo (ao longo do qual ela cresceu e se internacionalizou).

    A plutocracia brasileira viu Bolsonaro andar de moto no Oriente Médio, onde teve encontros com governantes autoritários ou ditadores mesmo, enquanto Lula visitava as democracias europeias e discutia com seus principais líderes o futuro da democracia e o enfrentamento do fascismo, a questão climática e a desigualdade social. Nada foi divulgado sobre os temas tratados por Bolsonaro com seus interlocutores.

    Mas certamente pensarão também as tais elites em seus próprios interesses: quem terá melhores condições para destravar o acordo de livre comércio UE-Mercosul, empacado nos parlamentos nacionais por conta da conduta antiambienbtal do governo Bolsonaro? Certamente vão se lembrar de que a Alemanha é o país com mais investimento acumulado e mais empresas no Brasil, e que a Espanha é hoje o maior investidor, atrás apenas da China.

    É preciso registrar o papel que o ex-chanceler Celso Amorim teve na organização da agenda da viagem antes de concluir: ficou demonstrado que não será fácil mas será possível restaurar o prestígio perdido do Brasil e recompor alianças e canais diplomáticos, políticos e econômicos. Mas isso dependerá muito de quem for o presidente e de qual for a sua política externa.

    Alguma coisa terão concluído, ao final da viagem de Lula, os que de fato mandam no Brasil, os que extraem de seu  poder econômico uma enorme influência politica. Certamente alguns continuarão dizendo que Lula é indesejável, irão apostar em Moro,  mas outros devem começar a assimilar a realidade política: não há nada no horizonte de hoje que aponte para a recuperação eleitoral de Bolsonaro nem para a decolagem de um candidato de terceira via. Neste momento, teriam realistamente que começar a assimilar Lula.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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