'O relógio do juízo final': 90 segundos para a meia-noite
O Relógio do Juízo Final, criado pela revista Bulletin of the Atomic Scientists, sediada nos Estados Unidos, agora aponta para 90 segundos para a meia-noite
Pepe Escobar
Jamais se chegou tão perto da guerra nuclear total, a catástrofe global. O Relógio vinha marcando 100 segundos desde 2020. O Conselho de Ciência e Segurança do Bulletin e um grupo de patrocinadores — do qual participam dez ganhadores do Prêmio Nobel — apontaram a "guerra da Rússia na Ucrânia" (terminologia deles) como o principal motivo.
No entanto, eles não se deram ao trabalho de explicar a incessante retórica norte-americana (os Estados Unidos são o único país que adota o "atacar primeiro" em um confronto nuclear), nem o fato de que essa é uma guerra de procuração dos Estados Unidos contra a Rússia, com a Ucrânia usada como bucha de canhão.
O Bulletin também atribui desígnios malignos à China, ao Irã e à Coreia do Norte, e menciona apenas de passagem que "o último remanescente do tratado sobre armas nucleares entre a Rússia e os Estados Unidos, o Novo START, corre perigo".
"A não ser que as duas partes retomem as negociações e encontrem uma base para futuras reduções, o tratado irá expirar em fevereiro de 2016".
No pé em que as coisas andam, as perspectivas de uma negociação Estados Unidos-Rússia sobre o Novo START são menos que zero.
Agora, entra em cena o chanceler russo Sergei Lavrov deixando bem claro que a guerra contra a Rússia deixou de ser híbrida, é "quase" real.
"Quase" na verdade, significa "90 segundos".
Então, por que tudo isso está acontecendo?
A Mãe de Todas as Falhas de Inteligência
O ex-diplomata britânico Alastair Crooke explicou concisamente que a resiliência russa – semelhante em espírito à resiliência iraniana das últimas quatro décadas – esmagou por completo as suposições da inteligência anglo-americana.
E por falar da Mãe de Todas as Falhas de Inteligência – na verdade ainda mais surpreendente que as inexistentes armas de destruição em massa iraquianas (às vésperas do Choque e Terror, em 2003, qualquer pessoa dotada de cérebro sabia que Bagdá havia interrompido seu programa de armamentos ainda na década de 1990).
Agora, o Coletivo Ocidental "investiu todo o peso de seus recursos financeiros para esmagar a Rússia (…) de todas as maneiras concebíveis – lançando mão de guerra financeira, cultural e psicológica, e depois com uma verdadeira guerra militar".
Mesmo assim a Rússia aguentou firme. E agora, desdobramentos com base na realidade prevalecem sobre a ficção. O Sul Global "está se desprendendo para formar um modelo econômico distinto, não mais dependente do dólar para suas necessidades de comércio exterior".
E o acelerado colapso do dólar dos Estados Unidos, cada vez mais, vem afundando o Império em uma verdadeira crise existencial.
Tudo isso paira sobre o cenário de Vietnã do Sul que vem se desenvolvendo na Ucrânia após um brusco expurgo de políticos e militares, por iniciativa do governo. O comediante cheirador de pó – cujo papel é implorar dia e noite por sacos de dinheiro e pilhas de armamentos – está sendo progressivamente deixado de lado pelos americanos (cuidado com diretores da CIA viajantes).
O jogo de Kiev, segundo fontes russas, parece ser que os americanos vêm superando os britânicos como os organizadores da operação.
O comediante cheirador de pó continua – por enquanto – como um fantoche feito de meia velha, enquanto o controle militar sobre o que restou da Ucrânia está totalmente entregue à OTAN.
Bem, já era antes – mas agora, formalmente, a Ucrânia é o primeiro caso de um membro de fato da OTAN não ser membro de direito, com menos que zero soberania nacional e abarrotada de tropas de choque armadas com tanques americanos e alemães em nome da "democracia".
A reunião da semana passada do Grupo de Contato para a Defesa da Ucrânia – totalmente controlado pelos Estados Unidos – na base de Ramstein, da Força Aérea dos Estados Unidos , solidificou uma espécie de remixagem vagabunda da Operação Barbarossa.
Lá vamos nós de novo, com Panzers alemães enviados à Ucrânia, lutar com a Rússia.
Mas a coalizão dos tanques parece ter conseguido tanques antes mesmo de começar. A Alemanha enviará 14, Portugal 2, a Bélgica 0 (sinto muito, não temos tanques). E há também a Lituânia, cujo Ministro da Defesa observou: "Sim, não temos tanques, mas temos uma opinião sobre tanques".
Ninguém jamais acusou a Chanceler alemã Annalena Baerbock de ser mais brilhante que uma lâmpada. Ela, finalmente, entregou o jogo, no Conselho da Europa, em Strasburgo:
"O ponto crucial é que nós façamos isso juntos, e que não fiquemos nos culpando mutuamente na Europa, porque estamos lutando uma guerra contra a Rússia".
Baerbock, portanto, concorda com Lavrov. Só não perguntem a ela o que significa o Relógio do Juízo Final. Ou o que aconteceu depois do fracasso da Operação Barbarossa.
O "jardim" da OTAN-União Europeia
O combo União Europeia/OTAN leva as coisas a um nível totalmente inédito. A União Europeia, essencialmente, foi reduzida ao status de braço de relações públicas da OTAN.
Está tudo bem explicitado em sua declaração conjunta de 10 de janeiro.
A missão conjunta OTAN/União Europeia consiste em lançar mão de todos os meios econômicos, políticos e militares para garantir que a "selva" se comporte sempre segundo a "ordem internacional baseada em regras", e aceite ser saqueada ad infinitum pelo "jardim florido".
Examinando o Grande Quadro, vemos que absolutamente nada mudou no aparato militar/inteligência desde o 11 de setembro: é uma coisa bipartidária que significa Domínio de Espectro Total tanto dos Estados Unidos quanto da OTAN. Nenhuma dissidência é permitida. E nada de pensar fora da caixinha.
O Plano A é subdividido e duas seções.
1. Intervenção militar em um estado por procuração reduzido a uma casca vazia (ver Afeganistão e Ucrânia).
2. Derrota militar inevitável e humilhante (ver Afeganistão e, em breve, Ucrânia). Variações sobre o tema incluem criar uma terra arrasada e chamá-la de "paz" (Líbia), e guerra por procuração prolongada levando a uma futura expulsão humilhante (Síria).
Não há Plano B.
Ou será que há? 90 segundos para a meia-noite?
Obcecado por Mackinder, o Império lutou para controlar a massa de terra eurasiana na Primeira Guerra Mundial e na Segunda Guerra Mundial, porque isso representaria o controle do mundo.
Mais tarde, Zbigniew "Grande Tabuleiro" Brzezinski advertiu: "Potencialmente, o cenário mais perigoso seria uma grande coalizão entre Rússia, China e Irã".
Corte brusco para os Frenéticos Anos Vinte, quando os Estados Unidos forçaram o fim das exportações de gás natural russo para a Alemanha (e a União Europeia) pelos Nord Stream 1 e 2.
Mais uma vez, a oposição mackinderiana a uma grande aliança na massa das terras eurasianas reunindo Alemanha, Rússia e China.
Os dementes neocon-straussianos e os conservadores neoliberais que mandam na política externa dos Estados Unidos até seriam capazes de absorver uma aliança estratégica entre a Rússia e a China – por mais dolorosa que ela fosse. Mas jamais entre Rússia, China e Alemanha.
Com o colapso do JCPOA, o Irã agora voltou a ser alvo de hostilidade máxima. Mas se Teerã endurecer o jogo, a Marinha e o Exército americanos jamais conseguiriam manter aberto o Estreito de Hormuz – o que foi admitido pelos próprios Chefes do Estado Maior dos Estados Unidos.
Os preços do petróleo, nesse caso, subiriam para possivelmente milhares de dólares o barril, segundo os especialistas em derivados de petróleo da Goldman Sachs – o que quebraria a totalidade da economia mundial.
Pode-se afirmar que esse seja o principal calcanhar de Aquiles da OTAN. Quase que sem disparar um único tiro, uma aliança Rússia-Irã poderia estilhaçar a OTAN e derrubar vários governos da União Europeia, fazendo o caos socioeconômico grassar solto pelo Coletivo Ocidental.
Enquanto isso, para citar, Dylan, a escuridão começa a raiar ao meio-dia. Os dementes neocon-straussianos e os conservadores neoliberais continuarão a empurrar os ponteiros do Relógio do Juízo Final para cada vez mais perto da meia-noite.
Tradução de Patricia Zimbres
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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