O resgate histórico do velho PTB
"O resgate da sigla tem um alto valor histórico e sentimental para trabalhistas e pedetistas de 'velho costado'", diz Marcelo Auler
Quatro décadas se passaram desde a manobra ardilosa que o general Golbery do Couto e Silva, então chefe da Casa Civil do ditador general João Baptista Figueiredo aplicou, em maio de 1980, no então recém anistiado, Leonel de Moura Brizola, impedindo-o de assumir a sigla do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Agora, porém, um grupo de pedetistas históricos, capitaneados por Vivaldo Barbosa, ex-deputado constituinte pelo Partido Democrático Trabalhista –PDT, de Brizola, está prestes a resgatar a sigla que a ditadura impediu Brizola de assumir.
Na prática, o grupo histórico, do qual fazem parte parentes do próprio Brizola e do ex-presidente João Goulart, após realizar assembleia com a presença de 101 participantes – como exige a legislação – registrou, desde novembro de 2023, a sigla partidária no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas no Estado do Rio de Janeiro, bem como no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ.
O resgate da sigla tem um alto valor histórico e sentimental para trabalhistas e pedetistas de “velho costado”, na expressão utilizada pelo próprio Brizola. O PTB foi criado em 1945 por Getúlio Vargas que se elegeu pela sigla. O mesmo ocorreu com João Goulart quando conquistou a vice-presidência da República, em 1960. Ainda pelo PTB, Brizola foi o deputado mais votado do Brasil em 1962. Com a sigla, ele pretendia disputar as eleições presidenciais de 1965, abortadas pelo golpe militar de 1964, que extinguiu os partidos de então.
No exílio, Brizola trabalhava para refundar o partido. Em 1979, antes da anistia, organizou um encontro de lideranças socialistas em Lisboa com esse objetivo. Os textos aprovados na reunião defendiam um “Novo Trabalhismo”, que lutasse para construir “uma sociedade socialista e democrática”. Mas em 1980 a manobra ardilosa de Golbery entregou a sigla a Ivete Vargas, obrigando os brizolistas criarem o Partido Democrático Trabalhista – PDT, que acompanhou o líder gaúcho até seu falecimento.
O PTB ficou sob a presidência de Ivete Vargas até seu falecimento, em 1984. Depois, teve à sua frente diversas lideranças conservadoras, nenhuma relacionada ao velho trabalhismo de Getúlio, Jango e Brizola. Antes pelo contrário, foram políticos à direita que se aliaram a Jair Bolsonaro, como o famigerado e beligerante Roberto Jefferson, preso desde outubro de 2022 por disparar contra policiais federais que cumpriam mandados de busca e apreensão em sua casa. Outro personagem emblemático foi o presidenciável Padre Kelmon. Por fim, em 2022 abrigou a candidatura mal sucedida de Eduardo Cunha a deputado federal por São Paulo.
Sigla extinta, logo resgatada - Nessa eleição de 22, o PTB e o Patriota não atingiram a clausula de barreira, sendo obrigados a se fundirem em uma única agremiação em nome da sobrevida política. Assim, criaram o Partido Renovação Democrática (PRD), partido presidido por Ovasco Resende. Da decisão não houve qualquer recurso e ela transitou em julgado, extinguindo a antiga denominação Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, Ou seja, a sigla ficou liberada e foi imediatamente resgatada pelos pedetistas históricos com Vivaldo Barbosa à frente,
Há, porém, antigos aliados de Jefferson que reclamam junto ao TSE do registro do PTB feito em nome do grupo de Vivaldo. Entre eles está notadamente o criador da União Trabalhista Brasileira – UTB, Eryk Heeyzer de Vaz Braga. As queixas, porém, no entendimento dos organizadores do PTB não merecem prosseguir. Na realidade eles não têm do que reclamar, pois não oficializaram a criação da sigla seja no cartório de registro de pessoa jurídica ou mesmo na Secretaria da Receita Federal, providências que os trabalhistas históricos trataram de fazer.
Como lembram os pedetistas históricos, “por expressa previsão legal e constitucional, a atuação da Justiça Eleitoral no processo de criação de partidos políticos se inicia após a fase de registro de seus atos constitutivos no cartório de registro civil de pessoas jurídicas e inscrição no CNPJ, ou seja, a partir do registro do seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral”. Ou seja, ao TSE não cabe convalidar o registro do partido no cartório de pessoa jurídica.
Prosseguem os defensores do registro: “No caso, o registro do nome e da sigla PTB foi feito anteriormente pelo requerido (grupo de pedetistas históricos) tornando-se ato jurídico perfeito sob o manto dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, nos moldes do art. 6° e 24, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A mera consignação da pretensão da UTB de fazê-lo em assembleia ou em estatuto, sem que se tenha operado o registro, não lhe confere nenhum direito de precedência”
O debate em torno desse processo – n° 0600003-57.2024.6.00.0000 – sob a relatoria da ministra Isabel Gallotti, está previsto para a sessão plenária da terça-feira, 30/04/2024, às 19h00. Curiosamente, ao visitar a ministra e defender a tese do registro do partido pelos trabalhistas históricos, João Vicente Goulart presenteou a ministra com a foto do diploma que seu pai, João Goulart, recebeu ao seu eleito vice-presidente da República, pelo mesmo PTB. O diploma leva a assinatura do então presidente do TSE, ministro Luiz Gallotti, avô da ministra.
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